Fernando Meirelles no Roda Viva

Cena do programa Roda Viva
Fernando Meirelles no Programa Roda Viva em 3/02/2020

A AVENTURA DE FILMAR DOIS PAPAS

Tinha 18 anos e estagiava numa pequena agência de propaganda. Tudo era novidade! Queria ser ilustrador e certo dia tive a oportunidade de acompanhar o Diretor de Arte na criação de um cartaz usando aerógrafo. Empolgado, puxei meu banquinho para a prancheta dele e o enchi de perguntas.
        – Ah! Nem vem... Não sou professor e não sei ensinar – avisou ele, mostrando sua impaciência com fedelhos curiosos.
        – Mas eu sei aprender! Vai fazendo aí, que eu observo – Minha resposta soou um tanto insolente, mas veio ligeira e desconcertou o Diretor de Arte. Ele acabou tendo que trabalhar a tarde toda comigo em seus calcanhares.
        Os anos se passaram e continuei acreditando que poderia aprender qualquer coisa neste mundo. Bastaria ter vontade e oportunidade. Quando a internet chegou, as oportunidades explodiram e eu aproveitei. Artigos, vídeos, tutoriais, dicas... Vasculhei sobre todos os assuntos que me interessavam – principalmente música e cinema. Mas foi nas entrevistas que encontrei uma das melhores fontes de informação que existem. Para um curioso contumaz, o mais instrutivo é poder ouvir o que os especialistas têm a dizer, conhecer seus pontos de vista, suas experiências, seus erros e acertos. Virei um ávido consumidor de entrevistas, tanto em vídeos como na mídia impressa.
        Uma dessas grandes oportunidades de aprender mais sobre cinema aconteceu quando Fernando Meirelles foi 
entrevistado no programa Roda Viva, no dia 3 de fevereiro de 2020. O diretor de Dois Papas, filme indicado ao Oscar em três categorias, talvez seja um dos brasileiros mais entranhados na indústria do cinema e profundo conhecedor das dinâmicas que regem o mercado mundial. Ouvi-lo sobre a realização do seu filme foi revelador. Mas extraí apenas o conteúdo que de fato me interessa – passei por cima das querelas políticas, ideológicas e religiosas que contaminaram a entrevista.
        Fernando Meirelles comemorou o sucesso comercial de Dois Papas e disse que fez um filme sobre o perdão. De início pretendia narrar a vida do Papa Francisco, mas na medida em que os personagens foram se impondo, as diferenças entre
Ratzinger e Bergoglio forneceram o conflito que precisava para tornar a obra mais “surpreendentemente leve e humana”. Mudou o título e também os contornos da sua narrativa. 
        O relato de Fernando Meirelles sobre as dificuldades para filmar no Vaticano e as soluções digitais que levaram os realizadores a permanecer em Roma, utilizando as estruturas das lendária Cinecittà, fez a alegria de qualquer cinéfilo. As poucas cenas reais – dos funerais de João Paulo II – se misturaram com as recriações precisas da Capela Sistina, da Praça São Marcos e do interior da Basílica de São Pedro. O diretor também falou sobre o cuidado com os objetos de cena e com o guarda-roupa – as vestimentas e os calçados foram feitos pelos alfaiates e artesãos que fornecem para o Vaticano.
        Fernando Meirelles contou que dirigir dois atores competentes e carismáticos como Jonathan Pryce e Anthony Hopkins foi um exercício minimalista: limitou-se a lembrá-los de que os diálogos eram entre dois homens comuns que, apesar de suas diferenças, estavam em busca de equilíbrio e tolerância. Por outro lado, nos mostrou o quão minucioso é o trabalho de um diretor compenetrado: disse que passou dois meses na Argentina convivendo com amigos e colegas de Bergoglio para investigar as dimensões psicológicas do personagem.
        No centro da roda viva, cercado de predadores dedicados a arrancar-lhe posicionamentos e posturas, Fernando Meirelles conseguiu mostrar que um diretor interessado em fazer cinema em escala industrial precisa despender tempo considerável com questões... mercadológicas! Falou das plataformas de streaming como solução para o cinema brasileiro e chegou a especular sobre as possibilidades estéticas de, num futuro próximo, acabar rodando filmes para serem assistidos no celular.
        Bem... devo dizer que todas essas impressões sobre a entrevista de Fernando Meirelles são pessoais e intransferíveis. O leitor poderá conferir na internet a qualquer momento e tirar suas próprias conclusões. Poderá extrair o conteúdo que lhe interessa, para aprender do seu jeito e no seu ritmo.
        De minha parte, ao final da entrevista fiquei com uma vontade imensa de poder arrastar o meu banquinho para o lado da cadeira do diretor e avisar:
        – Vai lá, Fernando Meirelles! Continue fazendo seu trabalho que eu vou ficar aqui, só observando!
        Como diretor competente que é – e que tem Cidade de Deus, Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira no seu currículo – tenho certeza de que ele não se incomodaria com tamanha impertinência. Afinal, o tempo todo tem o público e a crítica nos seus calcanhares.

Comentários

  1. Também acho que somos capazes de aprender qualquer coisa. Na verdade acho que talento é algo que construimos na medida em que desenvolvemos nossa personalidade, mas se mudarmos nossas premissas, podemos desenvolver talentos para coisas completamente novas.

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    1. Talentos, no plural! É com vários deles que nascemos. Uns ajudam os outros a se desenvolver, a se revelar... É preciso estar aberto ao novo para que os talentos floresçam. E pelo jeito você, que está tão atenta em desenvolver a sua personalidade, já deixou a porta aberta para que entrem as novidades.

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  2. Concordo com você, Fábio! Podemos aprender qualquer coisa, desde que realmente queiramos. Como sabemos, ninguém ensina ninguém: apenas disponibilizamos informações que cada um recebe, cruza e armazena com o seu conteúdo próprio, construindo o seu próprio conhecimento. O aprendizado é sempre interior! E muito boa a entrevista do Meirelles, vimos apenas um pedacinho nessa madrugada, e vale a pena!

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  3. Generosidade! É isso que rege essa dinâmica entre o ensinar e o aprender. Algumas pessoas gostam de compartilhar conhecimento, e são importantes. Outros, como o casal Vanilza e Raul, fazem disso uma missão e são imprescindíveis. Quando cruzamos com pessoas assim nessa vida, é uma baita sorte!!!! No mais, "Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena", como diria Fernando Pessoa.

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  4. Bondade sua, Fábio! Mas, de qualquer forma, todos estamos aqui para aprender!

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  5. Sim, estamos aqui para aprender... O aprendizado e individual, mas é uma delícia compartilhá-lo!

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