Marshall: Igualdade e Justiça: retrato de um herói autêntico

Cena do filme Marshall: Igualdade e Justiça
Marshall: Igualdade e Justiça: direção de Reginald Hudlin

TODOS NÓS SABEMOS O QUE É JUSTIÇA

Dramas de tribunal acabaram agrupados em um gênero específico, tanto na literatura como no cinema. Autores como John Grisham, Aaron Sorkin e William Diehl exploraram as diferentes dinâmicas que se estabelecem nas cortes de justiça, usando elementos de mistério e suspense para segurar o leitor – e o espectador – até que o martelo seja finalmente batido. Souberam recitar os cânones e contornar os clichês, sem desapontar o público ávido por... justiça!
        Sim, no final das contas, é esse o foco de qualquer drama de tribunal. Sejam leigos, sejam bacharelados, o que todos estão interessados é em ver a justiça sendo exercida em sua plenitude. Reconhecê-la no final, com suas imperfeições e promessas, porém cega e equilibrada e sendo exposta sem disfarces. Mesmo que, no final da trama, ela tropece em parcialidades, ainda assim saberemos que é ela, apenas representada por sua exata negação.
        Ao contrário do que pensam os tecnocratas e legalistas, nós, cidadãos comuns, sabemos com precisão o significado da palavra justiça. Não precisamos dos advogados e juízes para nos dizer o que é justo ou injusto. A função deles é garantir que a justiça prevaleça. Acontece que o sistema judiciário, preocupado mais com a autopreservação, vai se escorrendo por labirintos infindáveis. Acaba inundando compartimentos de interesses em quantidades desiguais. Os especialistas em direito passam a ser mais especialistas em... labirintos! O justo e o injusto ficam em segundo plano. Em primeiro, só enxergam o conforme e o inconforme.
        Os próprios americanos, que fundamentaram seu contrato social sobre uma sólida, duradoura e respeitada constituição, amargaram falhas lamentáveis. Ainda que a carta magna falasse em igualdade e justiça para todos, por causa da escravidão as questões raciais precisaram ser acomodadas. Foram décadas – centenas de anos? – até que os negros finalmente pudessem usufruir do mesmo sistema de justiça que os brancos. Essa conquista foi alcançada graças ao esforço heroico de várias personalidades, entre elas, uma que merece destaque é Thurgood Marshall.
        É provável que você, leitor, ainda não saiba quem é esse tal de Thurgood Marshall. Como bom brasileiro, também só tomei conhecimento da existência do personagem depois de assistir ao filme Marshall: Igualdade e Justiça, dirigido em 2017 por Reginald Hudlin. No serviço de streaming, a sinopse dizia apenas que a produção é baseada em fatos e trata do primeiro homem negro a fazer parte da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos. Mas, ao contrário do que parece à primeira vista, esse longa não é uma cinebiografia completa. Aborda apenas um episódio na vida de Marshall.
        E que vida! Basta alguns cliques no Google para perceber que o sujeito realizou grandes feitos – com certeza renderiam material para uma série completa, com vários episódios. Por sorte, os realizadores preferiram se ater ao drama de tribunal que ele protagonizou em 1941. Aprimorando a sinopse, o que veremos é Thurgood Marshall (Chadwick Boseman) atuando como advogado para uma entidade dedicada à defesa de negros que tenham sido acusados injustamente. Ele é destacado para um caso na cidade de Bridgeport, em Connecticut, onde defenderá Joseph Spell (Sterling K. Brown), um motorista acusado de estupro por sua patroa, a socialite Eleanor Strubing (Kate Hudson). O problema é que só poderá atuar na corte local se outro advogado branco estiver à frente dos trabalhos. O escolhido é Sam Friedman (Josh Gad), um advogado especializado em seguros que não quer se meter em confusões raciais – como judeu, já sofre o bastante com preconceitos. Na medida em que o julgamento vai seguindo, uma avalanche de injustiças e parcialidades, misturadas com mentiras e revelações surpreendentes, nos farão duvidar que a justiça será feita no final.
        A ideia para o filme Marshall: Igualdade e Justiça nasceu na cabeça de outro advogado engajado na causa dos direitos civis dos negros, Michael Koskoff. Sem qualquer experiência com cinema, ele se atreveu a escrever um roteiro, focalizando a amizade que surgiu entre Marshall e Friedman quando juntos defenderam Spell. Usando como pano de fundo as tensões na Europa em guerra, ele costurou uma boa trama. Koskoff conseguiu que seu roteiro chegasse às mãos da filha de Sam Friedman, que gostou do texto e o mostrou para a experiente produtora Paula Wagner – essa sim, envolvida até o pescoço com o cinema: trazia no currículo as produções de Missão Impossível e Guerra dos Mundos, entre outros sucessos. Pronto! Paula Wagner envolveu o diretor Reginald Hudlin no projeto e viabilizou a realização do filme.
        O diretor estabeleceu um novo foco para o filme: trouxe o protagonismo para Thurgood Marshall, retratando-o como o herói do Harlem que ele de fato foi. Também impôs uma atmosfera de thriller jurídico e aproveitou para ressaltar os elementos culturais que imperavam nos anos 1940, quando a música de Duke Ellington agitava os Estados Unidos. Para escrever o novo tratamento do roteiro, o advogado Michael Koskoff contou com a ajuda do seu filho, Jacob, um roteirista experiente.
        Para viver Thurgood Marshall, a escalação de Chadwick Boseman não poderia ter sido mais feliz. O ator ressalta o caráter heroico do personagem e eleva a qualidade do filme. Hudlin também acertou ao escalar Josh Gad para interpretar o sério advogado Sam Friedman. O humorista se saiu bem no papel dramático e trouxe um contraste positivo para o filme.
        Marshall: Igualdade e Justiça se beneficia de um elenco carismático e também segue num ritmo ágil e envolvente. Evita o tom grandiloquente, mas não deixa de enaltecer os feitos de um personagem que bem merecia estar presente em outras produções. Afinal, se ele chegou na Suprema Corte, foi porque fez uma grande diferença para aqueles que preferem ver a justiça prevalecendo.

Resenha crítica do filme Marshall: Igualdade e Justiça

Título original: Marshall
Ano de produção: 2017
Direção: Reginald Hudlin
Roteiro: Michael Koskoff e Jacob Koskoff
Elenco: Chadwick Boseman, Josh Gad, Kate Hudson, Dan Stevens, James Cromwell, Sterling K. Brown, Keesha Sharp, John Magaro, Roger Guenveur Smith, Ahna O'Reilly, Jeremy Bobb, Derrick Baskin, Jeffrey DeMunn, Andra Day, Sophia Bush, Jussie Smollett, Rozonda 'Chilli' Thomas, Barrett Doss, Zanete Shadwick, Brendan Burke e Marina Squerciati

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