O Pior Vizinho do Mundo: só que não!
O Pior Vizinho do Mundo: filme de Marc Forster
A PRESENÇA DE TOM HANKS É PRATICAMENTE UM SPOILER!
Quando vi a foto do ator Tom Hanks ilustrando o título O Pior Vizinho do Mundo, percebi que estava diante de uma peça de comunicação acabada. De imediato, o cartaz me induziu a imaginar uma história completa, com começo, meio e fim: o protagonista seria um tipo de ranzinza abominável, que depois de exposto às agruras da vida revelaria ter bom caráter e encantaria a audiência com suas atitudes de boa-praça – aquelas que costumamos associar a... Tom Hanks! Talvez você também tenha caído nesse truque, acreditando que essa comédia dramática de 2022, dirigida por Marc Forster, tenha sido escrita seguindo o jogo de cartas marcadas que se tornou especialidade de Hollywood. Por lá, costumam se apropriar de histórias emocionantes, exagerando nas pitadas de ternura para conquistar mais facilmente o coração do espectador. Bem, posso dizer que, em parte, é justamente disso que se trata!Acontece que apenas nós, brasileiros, estamos sendo avisados de que o protagonista é o pior vizinho do mundo. O restante do planeta ficou com o título original do filme, que é A Man Called Otto – Um Homem Chamado Otto. Mas afinal, quem é esse tal de Otto? Trata-se da contraparte americana de um sueco chamado Ove. Deixe-me explicar melhor: o filme estrelado por Tom Hanks é o remake de um filme sueco escrito e dirigido em 2015 por Hannes Holm, intitulado A Man Called Ove. Ambos os filmes, por sua vez, são adaptações do romance escrito em 2012 pelo sueco Fredrik Backman, que se tornou sucesso editorial na Europa.
Estamos, portanto, diante de uma história escandinava, que foi cuidadosamente americanizada para se tornar mais palatável às audiências dos Estados Unidos. Dito dessa maneira, pode parecer uma crítica ofensiva, mas não é. O Pior Vizinho do Mundo é um ótimo filme. Tem doses equilibradas de drama e humor, uma narrativa envolvente e uma história edificante. Mas é claro que traz diferenças em relação ao material original que lhe serviu de inspiração. Aliás, é preciso ressaltar: o filme sueco é melhor que o americano, alcançando níveis superiores de profundidade dramática e expressão artística. Mas antes de entrar em detalhes, porém, será mais prudente examinar a sinopse do filme:
O Pior Vizinho do Mundo conta a história de Otto Anderson (Tom Hanks), um viúvo recente que ainda vive seu luto. Mora num condomínio de casas geminadas em um bairro de Pittsburgh, na Pensilvânia, onde desfila cotidianamente o seu mau humor e a sua ranhetice, intrometendo-se na rotina dos vizinhos. Depois de se aposentar, ele agora está pronto para encarar o suicídio e finalmente se juntar à sua falecida esposa. Mas seus planos são temporariamente atrapalhados, quando Marisol (Mariana Treviño) e seu marido Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) se mudam para a casa em frente, junto com as duas filhas pequenas. As perturbações e as demandas dos novos vizinhos vão exigir que ele tome uma série de providências antes de partir em definitivo. Enquanto acerta os ponteiros com os amigos mais antigos, ele vai reviver as lembranças de uma vida inteira. No percurso expurgará seu mau humor e revelará as camadas da personalidade que teima em esconder de todos.
Marc Forster é um diretor eclético. Suas habilidades podem ser vistas em filmes muito diversos, como O Caçador de Pipas, 007 - Quantum of Solace e Guerra Mundial Z. Ele soube tratar o enredo de O Pior Vizinho do Mundo com objetividade, ressaltando os beats emocionais de cada cena e criando uma atmosfera intimista, mas sem nunca perder a leveza que as plateias americanas esperam. O diretor também foi esperto ao escalar Truman Hanks para viver o personagem de Otto na juventude. Apesar de não ser propriamente um ator profissional – está mais acostumado a trabalhar por trás das câmeras – o rapaz vem a ser filho de Tom Hanks, o que garantiu uma química que se mostrou benéfica à fórmula narrativa do filme.
A adaptação hollywoodiana foi escrita por David Magee – roteirista duas vezes indicado ao Óscar de melhor roteiro adaptado, por Em Busca da Terra do Nunca e As Aventuras de Pi. Em O Pior Vizinho do Mundo ele conseguiu preservar a essência do protagonista, ainda que embalada por um estereótipo americanizado. A personagem de Marisol, que no filme original é iraniana, aqui ganhou naturalidade mexicana. O drama dos personagens às voltas com problemas junto ao sistema de saúde sueco foi substituído pelo embate com a especulação imobiliária. O pai de Otto foi um personagem que perdeu nitidez na versão americana, enquanto que a infância e a juventude do protagonista ganham espaço na versão sueca.
O fato é que no roteiro de David Magee o passado de Otto é tratado com um certo mistério e o personagem demora mais para se revelar ao espectador. Sabemos que ele está prestes a se suicidar, mas não conhecemos suas verdadeiras motivações. O que acompanhamos é uma história articulada em flashbacks e é através deles que o enredo funciona! A adaptação sueca se aferra mais ao passado do protagonista, enquanto que a versão americana é econômica e fica mais ancorada no presente. Parece mais interessada em explorar o imenso carisma de Tom Hanks, apostando que sua presença no elenco já garante um subtexto de largo espectro.
Para finalizar, como cinéfilo enxerido que sou, quero fazer uma especulação. Resgato as memórias que trago de outro filme, onde um protagonista velho e rabugento, já no final da vida, se envolve com novos vizinhos estrangeiros e passa por um processo de transformação. Me refiro a Gran Torino, estrelado e dirigido por Clint Eastwood. Lá, o astro também agrega ao enredo um subtexto de largo espectro, mas dado o seu passado em filmes de ação e sua lida com personagens diversos, não sabemos o que esperar como desfecho. Aqui, em O Pior Vizinho do Mundo, podemos apostar todas as fichas que Tom Hanks continuará sendo sempre... Tom Hanks!
Resenha crítica do filme O Pior Vizinho do Mundo
Título original: A Man Called OttoTítulo em Portugal: Um Homem Chamado Otto
Ano de produção: 2022
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Magee
Elenco: Tom Hanks, Mariana Treviño, Rachel Keller, Manuel Garcia-Rulfo, Truman Hanks, Mike Birbiglia, Cameron Britton, Mack Bayda, Juanita Jennings, Peter Lawson Jones e Kelly Lamor Wilson
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