Ripley: minissérie com suspense em profundidade

Cena da minissérie Ripley
Ripley: minissérie dirigida por Steven Zaillian

RETRATO EM PRETO-E-BRANCO DE UM PSICOPATA

Afinal de contas, o que é um psicopata? Os especialistas em psicologia levantarão o dedo, bradando definições amparadas nos diagnósticos das várias doenças mentais que afetam o caráter e causam desvios de comportamento. Falarão em atitudes antissociais, rompantes impulsivos e reações violentas... Porém, ressaltarão que, dependendo do contexto, o diagnosticado pode não ser agressivo, nem representar perigo real para outras pessoas.
        Já nós, os cinéfilos, reconhecemos de imediato um psicopata: ele costuma transitar pelas histórias mais escabrosas do cinema. É frio, desprovido de empatia e... maligno! Jamais sente remorso ou culpa. É calculista, cruel e quase sempre desempenha o papel do vilão. Um bom psicopata – bom num sentido fático, é claro – é um ingrediente especial em qualquer thriller policial ou de mistério. Vai elevar os níveis de suspense e nos causar arrepios de medo. Vai inclusive nos fazer olhar em volta, para examinar por comparação se há, nos nossos círculos de convívio, alguém que apresente as mesmas características odiosas.
        Sim, os psicopatas da vida real podem estar mais perto do que gostaríamos, mas preferimos não pensar nisso. Melhor é acreditar que eles ficam restritos ao noticiário, nas páginas policiais – se bem que ultimamente estou enxergando psicopatas com muita nitidez nas páginas políticas, fazendo promessas que jamais cumprirão, mentindo descaradamente, desdizendo o que lhes convém, jurando que só pensam no bem comum, que jamais parasitarão a máquina do estado...
        Psicopatas da ficção, quando exalam verossimilhança, são inesquecíveis – podem até aparecer em nossos pesadelos. Um dos mais desprezíveis, certamente, é o vigarista Tom Ripley, criado pela escritora americana Patricia Highsmith. Apresentado no romance O Talentoso Ripley, que ela escreveu em 1955, o personagem rendeu uma série de livros que fizeram a fama da autora. Além de vários contos, ela escreveu 22 romances, vários deles adaptados para o cinema – inclusive Pacto Sinistro, dirigido por Alfred Hitchcock.
        Os cinéfilos atentos buscarão na memória a adaptação de 1999 intitulada O Talentoso Ripley, dirigida por Anthony Minghella e estrelada por Matt Damon, Jude Law, Gwyneth Paltrow, Cate Blanchett e Philip Seymour Hoffman. É um filme excelente, que merece ser revisitado, mas não será ele o objeto desta crônica. Pretendo escrever sobre Ripley, a minissérie de 2024 criada, escrita e dirigida por Steven Zaillian. Trata-se de uma adaptação brilhante do romance de Patricia Highsmith, desenvolvida ao longo de oito episódios densos e tensos, verdadeiros convites para se empreender uma maratona.
        Bastante parecida com a do filme, a sinopse da minissérie é fácil de ser resumida: Tom Ripley (Andrew Scott) é um vigarista nova-iorquino às voltas com pequenos golpes. Por uma confluência de acasos, ele é convocado por um milionário para viajar para a Itália e tentar convencer seu filho, Dickie Greenleaf (Johnny Flynn) a retornar para a América. Acontece que o playboy está vivendo numa encantadora vila da Sicília, levando uma vida confortável e glamourosa junto com a namorada Marge Sherwood (Dakota Fanning). Tom se imiscui na vida de Dickie e passa a usufruir da mesma boa-vida. Com assustadora frieza ele vai minando o relacionamento do casal e tomando posse de seus pertences, enquanto revela seus instintos assassinos.
        Quando se dispôs a realizar uma nova adaptação do romance de Patricia Highsmith, Steven Zaillian mergulhou tão fundo nas motivações e reações dos personagens que acabou escrevendo um roteiro de 500 páginas. Desceu a níveis de detalhamento que não caberiam em um longa-metragem, então preferiu criar uma minissérie. Competente e compenetrado, Zaillian é o roteirista de filmes como A Lista de Schindler, O Gângster e O Irlandês, além de criar e dirigir a minissérie The Night Of. Seu nome, portanto, é o grande fiador de Ripley, e razão de sobra para conferir seus oito episódios.
        A primeira coisa que você vai notar é que a minissérie é inteiramente rodada em preto-e-branco. A fotografia é de tirar o fôlego! Além dos enquadramentos precisos e arquitetados com exaustiva racionalidade, o jogo de luz e sombra remete aos filmes impressionistas e resgata a atmosfera noir dos thrillers policiais do passado. A Itália dos anos 1960, chique, elegante e sofisticada, não é retratada aqui como tema de cartões postais, mas como um pano de fundo saturado de informações e referências. Dessa forma o diretor conseguiu contar uma história sombria e retratar em profundidade um personagem tão sinistro quanto desprezível, que não consegue se encantar com toda a beleza que pulsa ao seu redor. É... Em certos momentos você vai lamentar que a série não tenha sido realizada em cores, mas a culpa é do personagem!
        Zaillian dedica bastante tempo para observar o gélido Ripley em seus movimentos meticulosos: perambulando pela noite, limpando poças de sangue, ensaiando as conversas que terá, tramando os próximos passos... Tudo no tempo certo, sem ansiedade e sem se deixar levar pelas incontáveis distrações que o rodeiam. O protagonista que o diretor enquadra é o mesmo psicopata que encontramos nas páginas do romance, mas em Ripley ele ganhou um aliado inusitado: o pintor Caravaggio! Sim, o famoso pintor renascentista italiano, expoente do período Barroco, cujas obras estão espalhadas pelas igrejas de Roma, para deleite dos turistas.
        Quando esteve na Itália pela primeira vez, Zaillian conta que ficou encantado com um quadro de Caravaggio, com a qual se deparou num pequeno museu em Perugia. Absorto com a pintura, surpreendeu-se quando um guarda, percebendo seu interesse, chegou por trás e provocou: “La luce, sempre la luce”, referindo-se ao impressionante jogo de claro e escuro que virou marca registrada do artista. Pronto! A cena foi parar nas páginas do roteiro da minissérie e mais tarde motivou a inclusão do próprio Caravaggio no rol dos personagens – o pintor italiano também cometeu um assassinato e amargou suas consequências.  
        Em Ripley nos deparamos o tempo todo com dilemas morais. Não queremos torcer por um protagonista tão sórdido e ficamos com raiva nos momentos em que ele se safa. Mas estranhamente nos envolvemos com seus atos calculados e reconhecemos que todos eles se encaixam dentro de uma bizarra ordem. Seguimos atentos, porque, de alguma forma, geramos empatia com o talentoso vigarista.

Resenha crítica da série Ripley

Ano de produção: 2024
Direção: Steven Zaillian
Roteiro: Steven Zaillian
Elenco: Andrew Scott, Dakota Fanning, Johnny Flynn, Eliot Sumner, Margherita Buy, Maurizio Lombardi, Kenneth Lonergan, Ann Cusack, Bokeem Woodbine, Vittorio Viviani, Louis Hofmann, Fisher Stevens e John Malkovich

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