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Josey Wales, o Fora da Lei: um western revisionista

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Josey Wales, o Fora da Lei: direção de Clint Eastwood NARRATIVA VISUAL ENXUTA E MODERNA Estava com dezesseis anos quando entrei no cinema para assistir a Josey Wales, o Fora da Lei , filme de 1976 dirigido por Clint Eastwood. O astro de Hollywood tinha o nome colado ao cinema de ação e o gênero western já me soava desinteressante – naquela época já me considerava um cinéfilo exigente, com horas de voo suficientes para lançar olhos de predador sobre os filmes em cartaz. Então, reparei que o nome de Clint Eastwood aparecia duas vezes nos créditos: como ator e como diretor. Como não havia opção melhor para aquele sábado à tarde, encontrei aí uma boa desculpa para conferir.           O filme ao qual assisti naquele dia era envolvente e oferecia certa densidade dramática. Era recheado de violência e se agarrava a fortes valores morais. A fotografia era sombria e o visual flertava com o realismo. E o mais curioso: tinha algo de moderno, ainda que revirasse uma hi...

Presságio: mistério, catástrofe e muita ação

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Presságio: direção de Alex Proyas OS DOIS PRIMEIROS ATOS FUNCIONAM. O ÚLTIMO É UMA BOBAGEM! Na juventude, fui um cinéfilo mais criterioso. Só entrava numa sala de exibição se o filme valesse o preço do ingresso. Além disso, tinha que escolher entre uma lista reduzida de títulos – Curitiba contava com dezena de cinemas, onde os lançamentos ficavam em cartaz por poucas semanas. Para decidir com sabedoria onde gastar meu suado dinheirinho, a solução era vasculhar os cadernos de cultura dos jornais e as revistas especializadas; lia muito sobre cinema e quando me sentava na plateia, já sabia o que esperar.           Hoje, a oferta de filmes beira o infinito. Nas plataformas de streaming, o valor da assinatura é o mesmo, caso você assista a um único filme por mês ou a cinco por dia! Tornei-me um cinéfilo mais impulsivo. Aperto o play com facilidade, pois sei que posso mudar de ideia ao primeiro sinal de arrependimento. Foi com esse espírito armado que comecei a a...

As Pontes de Madison: amor romântico e maduro

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As Pontes de Madison: direção de Clint Eastwood O FILME ELEVOU O ALCANCE DO LIVRO As Pontes de Madison nasceu como livro. Não um livro qualquer, mas um estrondoso sucesso comercial que chacoalhou o mercado editorial dos anos 1990, quando virou best seller instantâneo; até hoje, já foram impressos mais de 50 milhões de exemplares em todo o mundo. A quantidade, porém, passou longe de validar a qualidade: os críticos torceram o nariz, dadas a falta de substância literária e a pouca profundidade dos personagens. O autor, Robert James Waller, falecido em 2017, jamais se deixou perturbar pelas críticas negativas; escreveu outros romances que também entraram para as listas dos mais vendidos e ajudaram a consolidar sua carreira. Fenômeno comparável aconteceu com Cinquenta Tons de Cinza , romance da inglesa Erika Leonard James, que explodiu em sucesso nos anos 2010 – esse acendeu uma chama erótica bem mais intensa do que aquele, entretanto, reduziu ainda mais a qualidade literária.   ...

De Olhos Bem Fechados: uma jornada erótica, onírica e fantasiosa

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De Olhos Bem Fechados: direção de Stanley Kubrick SEXO, MELANCOLIA E VAZIO EXISTENCIAL Em vida, Stanley Kubrick permaneceu confinado ao século XX; concluiu seu último filme, De Olhos Bem Fechados , em 1999, cinco dias antes de sofrer um ataque cardíaco letal. Sua odisseia criativa, entretanto, o levou a visitar outros séculos, enquanto estabelecia os mais altos padrões de excelência para o fazer cinematográfico. Assistir ao seu filme de despedida – só os espectadores têm consciência dessa condição, já que o cineasta não dava qualquer sinal de que pretendia baixar a guarda – é também um exercício de nostalgia; ficaremos em definitivo sem seus planos geometricamente precisos, seus movimentos de câmera calculados, seus cenários minuciosos, sua iluminação controlada fóton por fóton, sua habilidade em usar a música erudita... Stanley Kubrick fez cinema para a posteridade e seus filmes ainda têm muito a dizer para os cinéfilos do século XXI.           De Olhos Be...

Eden: um thriller de mistério ágil e perturbador

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Eden: direção de Ron Howard PARA SOBREVIVER, É PRECISO LUTAR CONTRA A NATUREZA HUMANA O diretor Ron Howard tem uma carreira marcada por filmes memoráveis, como Rush - No Limite da Emoção , A Luta Pela Esperança , O Preço de um Resgate , Uma Mente Brilhante e Era uma Vez um Sonho . Quando vi seu nome na direção de Eden , filme realizado em 2024, já fiquei motivado a apertar o play; a empolgação aumentou quando reparei no elenco estrelado que ele conseguiu reunir: Jude Law, Vanessa Kirby, Daniel Brühl, Sydney Sweeney e Ana de Armas! Apostei todas as fichas que encontraria bom entretenimento e não me arrependi.           Devo alertar que Eden é um filme incomum na cinematografia de Ron Howard. É um thriller de suspense perturbador e sinistro, diferente do que assistimos em seus filmes com apelo comercial; é baseado em uma história real, mas mergulha nos demônios internos de oito personagens multifacetados, que estão em luta, tentando sobreviver numa ilha iso...

Missão Impossível: ação, emoção e diversão

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Missão Impossível: direção de Brian De Palma UMA FÓRMULA IRRETOCÁVEL Quando era garoto, Missão Impossível morava na televisão – aquela caixa volumosa que dominava, feito um altar, a nossa sala de estar. Meu pai exigia silencio assim que ouvia os primeiros acordes do vibrante tema musical e imediatamente acendia o seu cachimbo. Parecia aproveitar o mesmo palito de fósforo que incendiava o estopim na vinheta de abertura, para deixar um rastro de ação, emoção e suspense, enquanto a sala era tomada pela fumaça e pelo perfume seco do tabaco Half and Half – sua marca preferida. Os próximos minutos transcorriam ligeiros e divertidos, enquanto xeretávamos o mundo da espionagem que animava os bastidores da Guerra Fria.           Como o próprio título da série já insinuava, a impossibilidade era o elemento que desfazia todos os vínculos com a realidade; as façanhas improváveis dos personagens ensinavam ao espectador a diferença entre verdade e verossimilhança; as di...

Tron: Ares: um filme de ação desenfreada

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Tron: Ares: direção de Joachim Rønning NO CINEMA, O IMPERATIVO VISUAL JÁ NÃO É O MEMSMO! Quando Tron , filme dirigido por Steven Lisberger foi lançado em 1982, corri para o cinema. Já trabalhava com criação publicitária e tinha grande interesse pelo futuro da computação gráfica, cujas promessas só conseguia vislumbrar nas matérias das revistas; aliás, o mundo da computação acessível a todos os mortais ainda era assunto para a ficção científica, outra das minhas paixões. Para meu deleite, o filme misturava ambos os temas; este cinéfilo afoito voltou àquela sala de cinema na mesma semana, depois de ler o que conseguiu sobre os detalhes da produção.           É claro que a ideia de que o protagonista podia ser desmaterializado por um feixe de raios, para então ser sugado para um micromundo existente dentro de um chip de computador, soou para mim um tanto absurda; mas a considerei plausível diante do contexto narrativo. Confesso, porém, que me decepcionei quand...

O Contador: entretenimento ligeiro e divertido

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O Contador: direção de Gavin O'Connor UM PROTAGONISTA MORALMENTE AMBÍGUO, PORÉM CARISMÁTICO Meu pai era contador. Melhor dizendo, era formado em ciências contábeis, mas jamais exerceu a profissão. Arriscou-se em empreendimentos comerciais que não vingaram e depois refugiou-se na área de vendas em algumas empresas de grande porte. Nunca enxerguei meu pai como um contador: não exibia talentos com a matemática, não perdia tempo com registros e não se apegava a documentos nem carimbos. Sabia, porém, que ele era um contador, porque usava sempre na mão direita um vistoso anel com pedra vermelha – anel de formatura, como ele costumava explicar aos que reparavam nos seus gestos largos. Contadores são metódicos, compenetrados e rigorosos; meu pai era extrovertido, afoito e imprevisível.           Conheci alguns contadores de verdade – fui cliente de uns e prestei serviços de publicidade para outros. Nenhum deles se parecia com meu pai. Por outro lado, nenhum deles...

Barry Lyndon: a trajetória de um anti-herói que beira o abjeto

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Barry Lyndon: direção de Stanley Kubrick UM FILME PARA SER VISTO E OUVIDO Depois de Laranja Mecânica , Stanley Kubrick trouxe ao mundo Barry Lyndon , filme que ele escreveu e dirigiu em 1975. Muitos cinéfilos costumam lembrar dessa obra por seu visual deslumbrante, criado a partir de um notável esforço técnico, que mobilizou fotógrafos, iluminadores e alguns dos maiores especialistas e equipamentos óticos, para capturar tão somente a luz natural e a obtida com a ajuda de velas e candelabros. Assistir a esse filme, porém, é um exercício que ultrapassa as fronteiras do campo visual; fortalece a nossa musculatura narrativa e a nossa compreensão da linguagem cinematográfica.           Barry Lyndon é, certamente, um dos mais belos filmes já realizados, mas também se abre para as feiuras de um protagonista que beira o abjeto; ambicioso, ingênuo e determinado a cultivar sua ignorância, ele se põe em movimento apenas para alcançar a riqueza e ascender de posição s...

O Dorminhoco: descongelaram o judeu novaiorquino neurótico politicamente incorreto!

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O Dorminhoco: direção de Woody Allen UM OLHAR NOSTÁLGICO PARA O FUTURO Como foi que deixamos o mundo ficar tão aborrecido? Reduzimos o espaço reservado ao humor e permitimos que a rabugice politicamente correta se esparramasse pelos vasos comunicantes da cultura popular; sobrou apenas a sisudez dos conteúdos que se levam a sério demais e não admitem críticas nem julgamentos. A mídia mainstream se esqueceu como se faz sátira, blague, paródia, humor negro, pastelão, stand-up... Quando queremos dar boas risadas, tudo o que nos resta são as comédias infantilizadas, com tiradas picantes, bordões manjados e escatologias apelativas...           Hoje em dia, fazer humor é perigoso: no Brasil, dá até cadeia! Quem se atreve a ser humorista precisa, antes de tudo, acertar-se com um bom advogado – ou mais eficientemente, com algum juiz poderoso! E se antes de pisar no palco, o pretencioso espiar a plateia pela fresta da cortina, ouvirá ameaças taxativas:    ...

O Óleo de Lorenzo: um emocionante drama real

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O Óleo de Lorenzo: direção de George Miller QUE SE DANEM OS ESPECIALISTAS! – Se o especialista falou, tá falado! Quem sou eu pra contestar? – Eis aqui uma noção que foi maliciosamente incutida em nossas mentes ao longo dos séculos. A disseminação do pensamento racionalista, somada ao aumento de produtividade possibilitado pela divisão de trabalho, estimulou uma confiança cega no método científico. Isso criou uma espécie de idolatria aos especialistas, que por saberem mais sobre alguns temas específicos, julgam-se aptos a decidir sobre todos os aspectos da nossa vida. Já nos acostumamos a ver os burocratas e tecnocratas – autoproclamados iluminados – agarrados às franjas do poder para tentar avançar sobre nossas liberdades individuais; tudo em nome do “bem geral” e de outras abstrações igualmente cínicas.           A tirania dos especialistas não tem limites. Engana-se quem pensa que ela brota apenas nos campos das ciências exatas e naturais, onde o rigor ci...

Gattaca: A Experiência Genética

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Gattaca: A Experiência Genética TECNOCRATAS EUGENISTAS ROBOTIZANDO CIDADÃOS Ah, lá vamos nós, conversar novamente sobre distopias! Já escrevi uma crônica sobre o tema, onde listei alguns filmes provocativos – para ler, basta clicar aqui ! Dessa vez, porém, vou me deter em Gattaca: A Experiência Genética , filme escrito e dirigido em 1997 pelo cineasta neozelandês Andrew Niccol. Trata-se de uma obra de ficção científica instigante e inteligente, que nos embriaga os sentidos com qualidades cinematográficas inquestionáveis, mas traz uma mensagem subliminar perturbadora. Para articular uma conversa proveitosa, entretanto, terei primeiro que esmiuçar a sua sinopse:           O filme se passa num futuro próximo, quando a sociedade decide estratificar-se a partir de uma política eugenista, sustentada por uma avançada tecnologia de manipulação do DNA humano. São criadas duas categorias de cidadãos: os válidos, geneticamente modificados e por isso dotados de qualida...

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