Blade Runner 2049: uma continuação à altura do original

Cena do filme Blade Runner 2049
Blade Runner 2049: filme dirigido por Denis Villeneuve

CINEMA EM SINTOMIA COM ESPECTADORES MAIS INDIVIDUALISTAS

Em 1982, o cinema ainda possuía um forte caráter ritualista. Você precisava ir até ele. Sentar-se numa poltrona e viver uma experiência compartilhada – depois de ter enfrentado a fila do ingresso e a fila da pipoca. Para visitar os filmes, eles precisavam estar em cartaz. Para revisitá-los, sabia-se lá quando! Aquilo que tínhamos em casa, na sala de estar, era um arremedo de cinema, mais conhecido como... televisão. Alguns pouquíssimos privilegiados já plugavam nela o tal videocassete, mas o tamanho da telinha continuava irrisório. Cinema de verdade, só nas salas de exibição. Foi nesse ambiente coletivo que Blade Runner – O Caçador de Androides surgiu para se transformar em uma das mais consagradas e amadas produções de ficção científica de todos os tempos.
        Em 2017, quando Blade Runner 2049, a continuação dirigida por Denis Villeneuve foi lançada, já não era preciso correr para disputar espaço nos cinemas – ainda que a experiência diante da telona continuasse arrebatadora. Mas o que tínhamos em casa era bem mais do que uma caixinha analógica de baixa resolução. Era uma tela bem maior, com imagem de alta qualidade. Muitos privilegiados plugavam nela os blu-rays e os serviços de streaming, e podiam pausar, voltar, adiantar, revisitar... Assistir ao filme estatelado no próprio sofá, sem se preocupar com horários, previsão do tempo ou vagas no estacionamento, era uma opção tentadora. Foi a que escolhi.
        No intervalo de 35 anos entre um filme e outro, o mundo mudou radicalmente. Blade Runner 2049 nos pegou a todos num momento mais individualista e solitário. Lembro que as cenas do filme original mostrando as ruas de Los Angeles entupidas de gente – a maioria de feições orientais – me arremessavam em um futuro superpopuloso e caótico. Já essa continuação me trouxe uma sensação de confinamento. Onde foi parar toda aquela gente? Talvez em casa, entretidos com suas traquitanas digitais.
        Passei essas décadas imaginando se os produtores teriam coragem de inventar uma continuação para Blade Runner e como ela poderia ser construída. Ridley Scott já havia anunciado seu engajamento no projeto – já havia até um romance pronto, intitulado Blade Runner 2: The Edge of Human, editado por K. W. Jeter em 1995. Mas a produção não andou, travada por questões envolvendo direitos autorais. A continuação acabou sendo realizada com base no mesmo romance que inspirou o filme original, escrito por Philip K. Dick em 1968 e intitulado Do Androids Dream of Electric Sheep? A história foi escrita por Hampton Fancher e o roteiro final foi assinado pelo experiente Michael Green.
        Em Blade Runner 2049 os replicantes convivem com os digitais para povoar a nossa imaginação com novas fantasias. Ryan Gosling interpreta K, um homem sintético, produto da bioengenharia, que trabalha como caçador de androides para a polícia. Ele sonha em ser humano e vive um caso de amor com Joi (Ana de Armas) um holograma com qualidades de femme fatale digna dos filmes noir. K tropeça em segredos capazes de dar um nó nas crenças existenciais de humanos e replicantes e acirrar as disputas numa sociedade já caótica. O que é inteligência? O que é vida? O que é alma? O que é sentir? Emocionar-se? O que é amar? Enquanto o espectador é motivado a fazer a si mesmo tais perguntas, K parte em uma missão para localizar Rick Deckard (Harrison Ford), o caçador de androides foragido há décadas, enquanto a poderosa e violenta replicante Luv (Sylvia Hoeks) fica na sua cola.
        Sob direção do franco-canadense Denis Villeneuve, Blade Runner 2049 ganhou personalidade distinta do filme original, mas manteve a temática filosófica em torno da busca por identidade e construção de memórias afetivas. O diretor esmerou-se na concepção visual e veio com uma palheta repleta de cores menos escuras, mas igualmente sombrias, remetendo à presença constante de neve e neblina. Fez questão de acentuar a angústia de Rick Deckard, personagem que não sabe ao certo se é humano ou não, deixando a questão em aberto para que nós, mortais espectadores, continuemos nos digladiando nos fóruns de discussão. K, por sua vez, flerta com a insanidade, mas pensando bem, sua condição de sintético sonhador em busca de respostas é mesmo de enlouquecer!
        O filme resultou num fracasso de bilheteria, dada a proporção do que foi investido na sua realização. Mas recebeu cinco indicações ao Oscar e levou duas estatuetas: melhor fotografia e melhores efeitos visuais. Ao invés de simplesmente antever o futuro, Blade Runner 2049 tentou ir além, trazendo conceitos estéticos capazes de influenciá-lo e moldá-lo. Chegou como um espetáculo visual deslumbrante, à altura do original. Respeitou o legado de uma das mais consagradas e amadas produções de ficção científica de todos os tempos.

Resenha crítica do filme Blade Runner 2049

Ano de produção: 2017
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Hampton Fancher e Michael Green
Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Robin Wright, Mackenzie Davis, Carla Juri, Lennie James
Dave Bautista e Jared Leto

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