Duna: história repleta de significados, com tempero artístico

Cena do filme Duna
Duna: filme de Denis Villeneuve

EXCELÊNCIA VISUAL, NUMA ABORDAGEM REALISTA

Lembro que assisti ao filme Duna, dirigido em 1984 por David Lynch, em uma sala de cinema. Entrei empolgado, pois além de apreciar o gênero ficção científica, estava prestes a degustar uma produção escrita e dirigida pelo diretor cujo filme anterior havia sido O Homem Elefante. Saí frustrado. Excessivamente alegórico e preso a minúcias teatrais, o filme me pareceu... chato! Mas seu tom épico gerou um certo burburinho na mídia, o que me levou a ler o livro Duna, escrito por Frank Herbert em 1965. Confesso que meu nível de empolgação continuou baixo. Embora tenha percebido a importância da obra para o gênero – o autor foi um precursor da saga de ficção científica, como a conhecemos hoje – não me tornei um fã. Talvez estivesse anestesiado pelo impacto de Blade Runner – O Caçador de Androides, esse sim um filme que marcou a década de 1980.
        O propósito dessa introdução foi o de justificar minha falta de animação quando soube que Denis Villeneuve estaria realizando um remake de Duna, em 2021. Faria questão de conferir, mas por causa do currículo do diretor, que já havia assinado dois filmes de ficção científica primorosos: A Chegada e Blade Runner 2049. Além disso, os avanços da tecnologia de computação gráfica não limitariam os realizadores ao âmbito das alegorias teatrais. A promessa era a de um verdadeiro espetáculo visual, envolto numa atmosfera sofisticada e criativa. Mas admito que esperava por mais um filme... chato!
        A criação de Frank Herbert amealhou uma legião de fás incondicionais e se tornou um notável exercício de imaginação. O autor foi minucioso ao conceber uma história intrincada e detalhada, que se passa num futuro longínquo, quando a raça humana teria se espalhado pelo universo, mas ainda apegada a valores feudais. O protagonista é herdeiro de uma antiga linhagem nobre, envolvida com doutrinas secretas, práticas religiosas e uma complexa rede política. O aparato tecnológico e científico é apesentado como pano de fundo. O que emerge em destaque é a rivalidade entre os vários feudos, que disputam as benesses de um imperador aferrado ao poder central. Há os vilões e, é claro, os mocinhos, profeticamente destinados a conduzir o universo a uma era de prosperidade.
        A saga concebida por Frank Herbert se estende ao longo de seis livros, o último escrito em 1986, ano de sua morte. Mas os fãs de sua obra não ficaram órfãos. Sete livros adicionais já foram publicados, assinados por outros autores. Quando Denis Villeneuve entrou no projeto do remake, deixou claro que, dada a complexidade da trama, não realizaria apenas um filme, mas dois! Esse Duna, portanto, cobre apenas a metade da história. Antes de dar mais detalhes, precisamos examinar a sinopse:
        O filme nos conta a história de Paul Atreides (Timothée Chalamet), filho do Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) e de Lady Jessica (Rebecca Ferguson). Quando seu pai aceita a tarefa de administrar a produção de especiaria – uma substância valiosa com poderes de prolongar a vida e ampliar a mente – Paul segue com a família para o planeta Arrakis, um gigantesco deserto global composto basicamente de... dunas! Lá vão descobrir que tudo não passa de um ardil de seus inimigos, os Harkonnen. Depois de uma sequência de sabotagens e traições, a Casa Atreides termina derrotada, mas Paul e Lady Jessica conseguem escapar, encontrando abrigo entre os Fremen, nativos do planeta Arrakis, que vivem nas profundezes do imenso planeta deserto. Agora precisam lutar para retomar aquilo que lhes é de direito.
        O diretor canadense Denis Villeneuve, fã da saga criada pelo escritor Frank Herbert, também se sentiu frustrado com a adaptação feita por David Lynch. Decido a trazer para as telas uma versão mais fiel à prosa que o encantou nos livros, ele convocou o roteirista Eric Roth, um escritor experiente que traz no currículo os roteiros de Forrest Gump – O Contador de Histórias e O Curioso Caso de Benjamin Button, entre outros. Roth produziu um primeiro rascunho de 50 páginas, cobrindo a primeira parte da história, e um segundo com 60 páginas, completando a adaptação. Sua missão era espinhosa. Tinha que agradar os fãs incondicionais de Duna, os que conheciam a obra, mas não estavam empolgados com ela, e finalmente os que não faziam ideia do que se tratava. Seu esforço resultou em um tratamento com mais de 160 páginas.
        Mais tarde, o roteirista Jon Spaihts também se envolveu na escrita, assim como o próprio diretor Denis Villeneuve. Como resultado desse trabalho colaborativo, agora temos um filme vistoso, alicerçado numa forte narrativa visual, mais próxima àquela que podemos apreciar nos livros. Porém, engana-se quem acredita que a produção de Duna se manteve confinada em algum estúdio cercado por telas verdes. O diretor fez questão de encarar filmagens desafiadoras em dunas reais, localizadas na fronteira entre a Jordânia e Israel. Numa área fechada para turistas, fez a equipe e todo o elenco viver o calor, a poeira e o desconforto de um deserto real.
        Quer saber se achei esse Duna um filme chato? Definitivamente, não! Há uma barreira a ser vencida pelo espectador, principalmente nas inevitáveis cenas expositivas no primeiro ato, mas a atmosfera criada por Villeneuve é envolvente e consegue nos capturar. Terminei ansioso pela estreia de Duna 2.

Resenha crítica do filme Duna

Data de produção: 2021
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Roth, Jon Spaihts e Denis Villeneuve
Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Dave Bautista, Zendaya, David Dastmalchian, Sharon Duncan-Brewster, Stephen Henderson, Charlotte Rampling, Jason Momoa, Javier Bardem e Chang Chen


Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Denis Villeneuve:

Comentários

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema