A Chegada: os aliens querem nos ensinar os significados da linguagem

Cena do filme A Chegada
A Chegada: filme dirigido por Denis Villeneuve

A REAL INTENÇÃO É EXPANDIR NOSSOS CONCEITOS DE LINGUAGEM

Realizado em 2016 pelo diretor Denis Villeneuve, o filme A Chegada é denso, repleto de significados e exige atenção por parte do espectador. É uma obra estimulante, que vai além dos temas humanistas, para enveredar por questões quase... espirituais. Para explicar esse ponto, precisarei contar sobre as reuniões do grupo de estudos sobre espiritismo, que Ludy e eu frequentávamos semanalmente. Na verdade, não sou espírita. Participava apenas com a intenção de provocar e polemizar. Lembro que numa das discussões entrei de sola, especulando sobre a linguagem:
        – Ora, se os espíritos não possuem trato vocal, não podem se comunicar em nosso idioma. E se o fazem por pensamento, então não precisam estruturar o discurso de forma narrativa, com começo meio e fim! A língua deles deve ser uma doideira...
        Minha mulher me deu um chute na canela, para avisar que estava me excedendo. Não continuei a divagação, mas fiquei matutando por dias, até que tive o prazer de assistir ao filme A Chegada. De repente, o tema da linguagem sem  sustentação na dimensão temporal estava lá, de novo, na minha frente!
        Esse é um filme de ficção científica. O título se refere à presença de alienígenas do espaço aportando na Terra de forma retumbante. Como se diz, chegam chegando! Mas, diferente dos clichês do gênero, o problema que isso gera para a humanidade é mais prosaico: a dificuldade de comunicação. Como se entender com seres tão diferentes, que nem sequer usam aparelho vocal para se comunicar? É aí que entra em cena a Doutora Banks, uma renomada linguista vivida na tela por Amy Adams.
        Nada de físicos, químicos, biólogos, engenheiros, matemáticos ou líderes políticos. O primeiro ser humano a se entender com os alienígenas é uma acadêmica, estudiosa da linguagem. E as implicações que isso gera são cruciais para o filme. Villeneuve também deve ter ficado fascinado com o tema – e é claro, com o conto do escritor americano Ted Chiang, no qual o roteiro escrito por Eric Heisserer foi baseado. O roteirista estruturou as cenas do filme de acordo com o conto original, misturando passado, presente e futuro num intrincado vai-e-vem narrativo.
        De fato, o idioma molda a nossa compreensão do mundo e a forma como raciocinamos. A fala e a leitura se processam no tempo, letra por letra, palavra por palavra, frase por frase. É essa dimensão temporal que alicerça nossas narrativas e toda a nossa comunicação. Mas os alienígenas do filme A Chegada usam uma linguagem que não está alicerçada no tempo. Não há começo, meio ou fim em suas frases e pensamentos. Não há o antes, o agora ou o depois. Como entendê-los?
        A Doutora Banks segue um caminho inteligente, pavimentado por muita ciência e filosofia. Suas lembranças da filha, seu esforço metodológico para desvendar o idioma alienígena, seu envolvimento com o colega interpretado por Jeremy Renner... O diretor Denis Villeneuve embaralha tudo, sem receio de dificultar para o grande público. E faz isso com propriedade, mostrando pleno domínio da linguagem cinematográfica. A Chegada é um filme intrincado, denso, focado na personagem central. Deixa o espectador livre para tirar suas conclusões.
        Kubrick seria mais ousado, como de fato foi em 2001 - Uma Odisseia no Espaço. Mas o filme de Villeneuve está no circuito comercial e deve atender aos mínimos requisitos dos produtores. Por isso a trama envolvendo os militares e uma possível hecatombe global imprime um caráter de urgência aos trabalhos da Doutora Banks, que precisa desembaralhar-se das suas questões envolvendo passado, presente e futuro para salvar a humanidade. Mas nada disso depõe contra o filme, realizado com muito bom gosto.
        O ritmo imposto por Villeneuve equilibra momentos de introspecção e ação. A trilha sonora – como acontece em seus outros filmes – é elaborada, marcante e sintonizada com a narrativa. A direção de arte deu personalidade aos planos ousados imaginados pelo diretor. E a atuação de Amy Adams trouxe credibilidade, charme e uma dose de melancolia, afinal, a possibilidade de alienígenas ultratecnológicos baterem em nossa porta, implica no fato de que nós, humanos, ainda não sabemos da missa um terço!
        O filme A Chegada nos faz pensar. Lembra que a ciência e a tecnologia, que nos mantêm agarrados no presente cotidiano e distraídos com as tolices da pós-modernidade, talvez não tenham resposta para tudo. A boa e velha filosofia – e o estudo da linguagem que estrutura nossos pensamentos – ainda está no comando!

Resenha crítica do filme A Chegada

Data de produção: 2016
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Heisserer e Ted Chiang
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg, Tzi Ma, Mark O'Brien, Abigail Pniowsky, Julia Scarlett Dan, Jadyn Malone e Frank Schorpion

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Comentários

  1. Belo filme. Na lista dos meus preferidos.

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    1. Também está entre os meus preferidos, e o Denis Willeneuve é um diretor que tem minha total atenção. Seus filmes são ótimos.

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  2. O filme é ótimo, e a crônica também Fabio!

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    1. Valeu, Kleber! Um abração e muitas energias positivas com a música! Obrigado!

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  3. Gostei do ritimo impregado nesse filme. Nada daquela correria comum aos filmes de invasao alienigena. Adoro filme de ficcao, por conta de tal gosto, gasto tempo com eles. Esse filme é particularmente interessante para mim. Adorei a crítica.

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    1. Também sempre gostei de ficção científica, Erivaldo. Lia os livros de Isac Asimv e do Arthur C. Clark e sempre que podia mergulhava nos filmes do gênero. Mas a ficção científica sempre veio misturada ao gênero aventura. Depois, com Alien: O Oitavo Passageiro, misturou-se ao terror. Agora, com A Chegada, parece que resgataram o espírito de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Também gostei muito!

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  4. Adorei esse filme. Ele me envolveu , tanto na atmosfera como no tema , que acredito seja esse ritmo que se dará num encontro entre humanos e alienígenas. É com certeza um dos meus proferidos. Amei a sua crônica. Grande abraço.

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    1. Muito obrigado. Agradeço o feedback. De fato, o tema é instigante e a atmosfera que o Denis Villeneuve consegue criar é ótima. Dá muita vontade de escrever sobre sobre o filme.

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  5. Um filme extraordinário e muito marcante em minha vida. Um filósofo (e matemático) certa vez disse que os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo... Entendo absolutamente a meu modo como é bom expandir mesmo minimamente nossos limites de mundo...
    Excelente filme e crônica.

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  6. Obrigado, Marcios. A linguagem é um tema fascinante e está intimamente ligado com o cinema.

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  7. Boa noite amigo. Interessante e parabéns pela crônica sempre inteligente. Quero acrescentar que em um trecho desta crônica me traz a lembrança de uma tribo amazônica, os Amondawa, que apesar de ter uma linguagem não desenvolveu os conceitos do ontem , do hoje do agora. Começaram a definir esses conceitos após serem iniciados no português. Pra eles não existia o até amanhã, nem o ontem. Comunicar-se assim é muito complexo, o que aguça a curiosidade sobre o filme. Peço vênia para acrescentar essa curiosidade. Ainda em tempo . Feliz Páscoa atrasado he he.

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    1. Ah, Derval, obrigado pelo seu feedback. Não conhecia essa história da tribo Amondawa! Fascinante! Valeu por compartilhar. Vou pesquisar mais sobre o assunto. Abraços!

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