Oscar 1976 - Uma das melhores safras de filmes

Cena do filme Um Estranho No Ninho
Um Estranho no Ninho: o grande vencedor

AS SALAS DE CINEMA DO MUNDO TODO FORAM TOMADAS POR FILMES INCRÍVEIS

Em março de 1976 estava com 15 anos. Já gostava de cinema, mas não tinha acesso a filmes para maiores – um piá ainda sem espinhas na cara não conseguia entrar na sala de exibição, nem subornando o sujeito na bilheteria. Não havia cinemas de shopping – eram todos na rua. Aliás, acho que nem shopping-centers havia em Curitiba, cidade onde nasci e cresci. Só me restava ler o que encontrasse sobre cinema, mas sem poder assistir aos melhores filmes, era frustrante.
      – Três anos passam voando – dizia meu pai, tentando me consolar.
      – Ah, é? Pois no dia em que fizer dezoito, vou fazer uma via sacra por todos os cinemas da cidade!
      – Hum, isso vai custar caro! Trate de economizar!
      Meu pai fazia questão de lembrar que o dinheiro para “diversão” era contado. Cinema, da maneira como ele via, não passava de distração. Tentei despertar seu interesse, recitando a lista dos filmes indicados ao Óscar daquele ano, mas ele logo me dispensou. Tinha tarefas mais importantes e me deixou sozinho na frente da TV. Não consegui acompanhar a cerimônia de entrega até o final. Dormi. Que arrependimento!
      Hoje, ao ler sobre a cerimônia do Óscar de 1976, fico pasmo. Como é possível que tantos filmes importantes estivessem reunidos? Veja só os títulos que disputavam a estatueta de melhor filme: Um Estranho no Ninho, do Milos Forman, Barry Lyndon, do Stanley Kubrick, Tubarão, de Steven Spielberg, Nashville, de Robert Altman e Um Dia de Cão, de Sidney Lumet. É mole? Para o meu paladar, essa foi uma das melhores safras que a indústria do cinema conseguiu colher.
      Certo... O leitor pode questionar a relevância de uma premiação como o Óscar, duvidar da sua isenção e até mesmo apostar que os interesses comerciais e mercadológicos serão sempre colocados acima das qualidades estéticas e cinematográficas. Mas diante de uma lista dessas, como negar que 1976 tenha sido um ano mágico nas salas de exibição de todo o planeta?
      Ainda não se convenceu? Então vamos examinar a lista de concorrentes ao título de melhor diretor: o único dentre os citados no parágrafo acima que não entrou na concorrência foi Steven Spielberg. Em seu lugar foi indicado... Federico Fellini, por Amarcord! Melhor ator? Os nomes na disputa eram os de Jack Nicholson, Al Pacino, Maximilian Schell, Walter Matthau e James Whitmore. Melhor atriz? Louise Fletcher, Isabelle Adjani, Glenda Jackson, Ann-Margret e Carol Kane.
      Naquele ano havia o prêmio para melhor filme de língua estrangeira. Entre os concorrentes, dois títulos de peso: Dersu Uzala, de Akira Kurosawa e Perfume de Mulher, de Dino Risi – a versão original italiana. Melhor roteiro original poderia ficar entre Um Dia de Cão, Toda Uma Vida – de Claude Lelouch – ou Amarcord. Melhor roteiro adaptado era disputado por Um Estranho no Ninho, O Homem Que Queria Ser Rei, Perfume de Mulher, Uma Dupla Desajustada e Barry Lyndon. Até o filme A Flauta Mágica, de Ingmar Bergman, estava na festa concorrendo à estatueta de melhor figurino. Quantos títulos memoráveis!
      O grande vencedor daquela noite foi Um Estranho no Ninho, que ficou com os Óscares de melhor filme, melhor ator para Jack Nicholson, melhor atriz para Louise Fletcher, melhor direção para Milos Forman e melhor roteiro adaptado, escrito por Bo Goldman e Lawrence Hauben. Dersu Uzala, de Akira Kurosawa foi escolhido como melhor filme de língua estrangeira.
      Aos 15 anos, não tinha alcance para compreender a enorme conjugação de forças que os deuses do cinema acharam por bem despejar sobre as cabeças dos cinéfilos. Na época, o único filme permitido para minha idade era Tubarão e lembro muito bem da polêmica gerada por aquela “produção comercial com estética hollywoodiana feita apenas para gerar bilheteria”. Contar com tantos filmes de qualidade à disposição parecia algo banal, que certamente acabaria se repetindo ano após ano. Quanta ilusão!
      Com o passar do tempo fui assistindo a cada um daqueles filmes e compreendi o quanto eram especiais. Fui percebendo no estilo de cada um daqueles diretores as diferentes formas de se contar uma história. Aprendi que bons filmes são raros e têm valor por eles mesmos – se estão concorrendo entre si é apenas para atiçar a nossa ‘cinefilia’. E acabei me dando conta de que a safra de 1976 teve papel decisivo na minha própria história.
      Por meio desses filmes consigo me situar no tempo e no espaço. Lembro onde morava, onde estudava, quais festas frequentava... Lembro dos meus planos e também das dificuldades que enfrentei. Lembro também que  Tubarão foi o último filme ao qual meu pai assistiu – ele saiu do cinema empolgado, fazendo piadas sobre a aparência exagerada do monstro mecânico. Poucos meses depois ele nos deixaria, vítima de um acidente nas estradas.
      Quanto à promessa de fazer uma via sacra por todos os cinemas da cidade num único dia, jamais a cumpri. Quando se alcança a maioridade é preciso conciliar o tempo, dispensando muito mais atenção às obrigações adultas. Cinema acaba sendo deixado um pouco de lado.

Comentários

  1. Linda crônica. De certo maneira você me traduziu em meu amor pelo cinema. Atemporal, afetiva e muito bonita. Parabéns!

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    1. Que legal, Vander. Muito obrigado. É muito bom receber um feedback como esse. Um abração!

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  2. Adorei
    .parabéns pela compeyencia

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  3. Bela crônica. E, realmente, que safra! Nunca tinha antes atentado para isso, mas não sou nem 5% do cinéfilo que é você. De quebra, A Flauta Mágica de Bergman, uma produção assustadoramente genial. Muito bom ler o que escreveu. Peixoto.

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    1. Muito obrigado, Peixoto! Gosto muito de cinema, mas não sou um daqueles cinéfilos com conhecimento enciclopédico. Prefiro trocar ideias e opiniões com quem tem sua própria visão dos filmes. É mais divertido! Abraços!

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  4. Muito bem lembrado. Realmente, um ano de filmes muuuuuito bons!

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  5. Muito bem lembrado. Realmente, um ano de filmes muuuuuito bons!

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  6. Excelente crônica , a forma carinhosa como você fala dos filmes é incrível .
    Fábio Belik , você tem um livro que reúne suas crônicas ?

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    1. Olá, Walter, muito obrigado por seu comentário! Sim, estou finalizando o projeto gráfico e pretendo em breve publicar o livro Crônica de Cinema reunindo os textos que postei ao longo do ano. Estou fazendo uma curadoria e algumas revisões. Obrigado por perguntar. Um abração!

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  7. Excelente Crônica, parabéns. Também assisti posteriormente todos este filmes. Gosto de todos, mas Um dia de cão é o meu preferido!!!

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    1. Olá, Vane, agradeço seu comentário. Também acabei assistindo a todos esses filmes ao longo dos anos e, sempre que possível, volto a visitá-los!

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  8. Bom relembrar esses filmes na sua bonita crônica. Em 76 eu completava 24 anos, já apaixonada por cinema, ainda sem a bagagem de conhecimento que tenho hoje. Dersu Uzala é inesquecível. Neste blog Tecelã já escrevi sobre alguns filmes, depois no kinoglazsite.wordpress.com. Ambos andam bem abandonados, mas os retomarei :). Abçs.

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    1. Muito obrigado. É muito bom poder compartilhar a paixão pelo cinema. Vou conferir os sites que você menciona. Um forte abraço!

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