Fome de Poder: a história real de Ray Kroc e os irmãos McDonald's

Cena do filme Fome de Poder
Fome de Poder: filme dirigido por John Lee Hancock

EMPREENDIMENTOS DE SUCESSO PRECISAM DE UM FUNDADOR

No Brasil, o filme The Founder, dirigido em 2016 por John Lee Hancock, ganhou um título lamentável: Fome de Poder; sugere que Ray Kroc, o homem que projetou a marca McDonald’s em escala global, moveu-se apenas por ganância e ambição descomunais. Tal título escancara o viés ideológico dos distribuidores locais, para quem a celebração do capitalismo deve parecer um tanto... indigesta! Que bobagem! As motivações do protagonista sempre foram diversas e, muitas delas, legítimas. Basta acompanhar a trajetória de Ray Kroc desde os tempos de vendedor obstinado, para perceber que uma multidão agradecida participou do banquete que ele proporcionou – ainda que muitos não nutrissem simpatia por sua estampa arrogante. Empreendedor inventivo, Kroc enxergou oportunidades onde ninguém pensou em olhar, correu riscos que ninguém teve coragem de encarar e inspirou outros a segui-lo. Fundou um empreendimento sólido, presente em todos os cantos do planeta.
        Fome de Poder é um filme biográfico. Conta a história de como Ray Kroc (Michael Keaton) tropeçou por acaso numa invenção industrial dos irmãos Dick (Nick Offerman) e Mac (John Carroll Linch) McDonald e deu a ela uma alma viva e pulsante. Partiu do que em essência era apenas uma lanchonete hiperprodutiva, ancorada num leiaute muito bem planejado (porém, passível de ser copiado por todo o fast food) e descobriu um jeito criativo de ampliar sua lucratividade; chegou a um patamar nunca antes alcançados pelo modelo de franquias! Os irmãos McDonald, hábeis no planejamento e gerenciamento de sua linha de montagem de hambúrgueres, mas obtusos no quesito marketing, bem que relutaram em entregar a Kroc o comando da sua marca; terminaram vencidos pela genialidade do sócio visionário.
        Fome de Poder mostra que o pulo do gato dado por Ray Kroc não foi a construção de uma marca atraente e cheia de atributos irresistíveis, nem mesmo a utilização de uma linguagem promocional sintonizada com o seu público. Ele venceu porque descobriu um modelo de negócios original e sustentável, que apesar de atuar no ramo alimentício, obtinha lucros oriundos do ramo imobiliário; sua corporação detinha a propriedade do ponto comercial e cobrava aluguel dos franqueados. Bingo! Sem a sua ação empreendedora, a marca dos irmãos McDonald continuaria como um modelo de eficiência industrial, mas replicado pelos concorrentes e vulnerável aos humores do mercado.
        Trata-se de um episódio fascinante na história dos negócios, onde aprendemos que alguns poucos conseguem pensar grande, mas há visionários que pensam enorme! Em Fome de Poder, o protagonista tem jeito de vilão, embora seja o verdadeiro agente de transformação que move a história. Na outra ponta, os irmãos McDonald só conseguem inspirar pena – escorregaram numa casca de banana que não enxergaram. O roteiro do filme, escrito por Robert Siegel, consegue contar com precisão as principais nuances da batalha pela criação da marca McDonald’s. Ele se baseou na autobiografia de Ray Kroc, intitulada Grinding It Out, e também no livro McDonald's: Behind The Arches, uma biografia não autorizada escrita por John F. Love.
        Lembrei de outro filme recente, por meio do qual também pude visitar o mundo dos negócios e conhecer os bastidores do marketing: Ford Vs Ferrari, dirigido em 2019 por James Mangold. Lá pude acompanhar personagens consagrados do capitalismo, como Henry Ford II, Enzo Ferrari, Lee Iacoca e Carroll Shelby, todos em disputa pelos holofotes e havidos por dominar o espaço midiático. Em Fome de Poder, no entanto, o glamour passa longe. O Ray Kroc vivido com brilhantismo por Michael Keaton é construído com nuances: é carismático e extrovertido, mas esbarra na falta de traquejo social. É essencialmente um caipira de nariz empinado; ainda que sua ambição venha denunciada no olhar matreiro, a confiabilidade torna-se marca registrada para todos os que o escolhem como parceiro de negócios.
        O diretor John Lee Hancock, que tem no currículo títulos como Estrada Sem Lei e Um Sonho Possível, filma de forma convencional; mantem suas lentes sempre focadas nos personagens e ressalta seus arcos de transformação. O resultado é positivo: Fome de Poder é um filme ágil e envolvente, que prende a atenção até a última cena. Ao final, ficamos com a certeza de que a fome que consome Ray Kroc não é de poder; está mais para aquela fome que assola os tubarões, máquinas de comer que vagam insones pelos oceanos, com o único propósito de crescer, de ficar cada vez maiores.

Resenha crítica do filme Fome de Poder

Título original: The Founder
Título em Portugal: O Fundador
Ano de produção: 2016
Direção: John Lee Hancock
Roteiro: Robert D. Siegel
Elenco: Michael Keaton, Nick Offerman, John Carroll Lynch, Linda Cardellini, Patrick Wilson, B. J. Novak e Laura Dern

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

O Despertar de uma Paixão: ao final, muitas reflexões

Siga a Crônica de Cinema