Django Livre: era escravo, mas virou pistoleiro implacável

Cena do filme Django Livre
Django Livre: filme dirigido por Quentin Tarantino

TARANTINO VAI DIRETO NA ESSÊNCIA DO WESTERN: A LIBERDADE!

Digamos que você esteja escrevendo um roteiro e precisa tomar uma série de decisões envolvendo o protagonista. As escolhas e ações por ele empreendidas determinarão o desenrolar da trama. Porém, para transmitir credibilidade, você precisará alcançar a verdade interior do personagem. Precisará responder a uma pergunta essencial: qual é a sua principal motivação? O que de fato o move em sua jornada ao longo da história? Personagens complexos se alimentam de um composto de motivações. Personagens rasos, precisam de apenas uma obsessão e fazem o tipo mais comum entre aqueles que povoam os filmes de ação.
        Pensando comercialmente, talvez você prefira definir a motivação mais óbvia e fácil de ser aceita e compreendida pelo grande público: a vingança! Qualquer criança sabe se colocar no lugar de quem anseia por desforra, principalmente se ela serve como reparação de uma injustiça. Vingança é a motivação básica em diversos gêneros de filmes e recorrente em todos os dirigidos por Quentin Tarantino, como nesse Django Livre, produzido em 2012.
        Mas quem vê apenas a vingança explodindo sangrenta em cenas desconcertantes e exageradas, fica com uma mera fração do conteúdo. Os personagens de Tarantino não são rasos e se querem ser reconhecidos como vingativos é porque têm muito a esconder. Podemos deduzir isso por meio das suas falas extensas e minuciosas, em cujas entrelinhas pipocam as verdades que precisam esconder e as mentiras que não querem ver desmascaradas.
        Ouso dizer que em todos os personagens de Tarantino é possível encontrar uma motivação... estética! Não se trata apenas de consumar a vingança, mas de vê-la expressa graficamente, literariamente, musicalmente... O regozijo com a criação artística e a contemplação racional da obra é o que enche a boca de um eloquente doutor Schultz, ou define a pose de um vaidoso Django em trajes emprestados da nobreza.
        Antes de continuar divagando sobre a construção de Django Livre, é melhor nos situarmos ao redor da sua sinopse. O filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo cativo que traz as marcas da violência e da injustiça numa época que antecede a guerra civil americana. Sua vida se transforma quando cruza com o Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um caçador de recompensas disfarçado de dentista almofadinha, que ganha a vida eliminando criminosos procurados. Entre os dois se estabelece uma sólida amizade: agora liberto, o rude Django ajudará o Dr. Schultz a matar criminosos – o que fará com imenso prazer – ficando com a promessa de que ele o ajudará a resgatar sua mulher Brunilda (Kerry Washingtin), escravizada na fazenda de "Monsieur" Calvin J. Candie (Leonardo DiCaprio).
        Django Livre é um western espaguete – ou um southern spaghetti, como definiu o próprio Tarantino – onde o diretor expressa clara intenção de causar polêmica e total despreocupação em parecer politicamente correto. Sua ideia de retratar um homem negro, que vira caçador de recompensas e passa a perseguir com requintes de perversidade os criminosos brancos que serviam ao cruel sistema escravocrata, é um prato cheio para as referências à cultura pop e para sua mania de reescrever a história e promover catarse.
        O principal foco da homenagem de Tarantino vai mesmo para o Django original, filme de 1966 dirigido por Sergio Corbucci e estrelado por Franco Nero, um western que ficou conhecido como um dos mais violentos já feitos até então. Obteve grande sucesso comercial e acabou se tornando o grande padrão do gênero – ao lado de Por Um Punhado de Dólares, dirigido por outro Sergio, o Leone e estrelado por Clint Eastwood. Vale lembrar que ambos os filmes são inspirados em Yojimbo, filme de 1961 realizado por Akira Kurosawa.
        Para mergulhar em toda essa tradição cinematográfica, Tarantino encontrou o melhor pretexto: retratar um homem escravizado e submisso, amedrontado diante de um sistema cruel e injusto, que ao conquistar a liberdade torna-se seguro, infalível e defensor implacável dessa liberdade. E adicionou ao seu filme generosas pitadas de humor, ironia e referências inesperadas. Mas não fez isso sozinho: contou com um elenco afiado e transbordante de carisma, que entregou atuações inspiradas. Vale a pena conferir.

Resenha crítica do filme Django Livre

Ano de produção: 2012
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Dennis Christopher, James Remar, Michael Parks e Don Johnson

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Quentin Tarantino:

Comentários

  1. Sou purista quanto ao western, sem ser contrário as inovadas criações num gênero tradicional como esse Django tarantinizado.

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    1. Sim, Alexander. O western um gênero universal. Veja, por exemplo, os filmes de Kurosawa servindo de fonte para irrigar o gênero!

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  2. Que tal vc escrever algo sobre outros personagens desse filme como o de Samuel L Jackson e o próprio Di Caprio? Seria muito interessante.

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    1. Legal, Gilsinho Marques! Há muito o que comentar sobre esse filme. Vou arranjar um tempo para fazer isso! Abraços.

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