O Grande Lebowski: o filme mais engraçado dos irmãos Coen

Cena do filme O Grande Lebowski
O Grande Lebowski: direção de Joel Coen

QUAL A MELHOR RECEITA PARA FAZER COMÉDIA?

O homem conta histórias desde os primórdios, algumas tristes, outras engraçadas. Para começar a encená-las, foi preciso apenas um estalo de dedos. No princípio as encenações tinham função religiosa, mas as motivações festivas se impuseram. Surgiram a tragédia e a comédia, que apesar de distintas, sempre foram faces da mesma moeda – a da dramatização. No entanto, na história das artes narrativas, logo ficou evidente que fazer rir demandava mais esforço. Ironia, sarcasmo, carisma, espontaneidade... Para o comediante, não bastava talento dramático, era preciso muito mais. Passados milênios, eles são os primeiros a admitir: não há fórmula garantida para provocar o riso. Pode-se pegar ingredientes testados e consagrados, misturá-los na sequência certa, deixá-los descansar, sovar, levá-los ao forno e caprichar na apresentação... Nada disso garante que o riso será ouvido na plateia. Os irmãos Ethan e Joel Coen sabiam disso quando escreveram O Grande Lebowski, filme de 1998 dirigido por Joel Coen. Viram sua comédia naufragar na bilheteria, ainda que mantendo a pose e a dignidade de quem recebeu elogios favoráveis da crítica.
        Eis que, passados mais de 20 anos, o filme pode ser encontrado vivinho e respirando, atraindo a atenção de novos espectadores nos serviços de streaming. Vistoso e engraçado, virou um cult, adorado por fãs de diferentes idades. Seu humor refinado e inteligente chega como um testemunho de que a receita dos irmãos Coen, no final das contas, funciona. Cá entre nós, desde que lançaram Fargo em 1996, um filme policial carregado nas tintas do escárnio, o senso de humor deles conquistou um lugar de destaque na indústria do cinema. O problema é que O Grande Lebowski, quando enveredou pela intenção explícita de fazer comédia, topou em alguma quina. Agora que a dor passou, quem diria, ganhou lugar entre os clássicos da comédia moderna e está arrancando risos das plateias. Vamos lembrar a sinopse para poder continuar.
        No início da década de 1990, Jeffrey Lebowski (Jeff Bridges) é um californiano desempregado, que exerce seu ócio por convicção – e preguiça! Refere-se a si mesmo como “o cara”, mas sem dar a conotação de presunção que a expressão adquiriu nos nossos dias. Faz isso para mostrar que sabe enxergar-se pela perspectiva de quem não está na própria pele. O que ele vê? Um sujeito desocupado, que passa o dia fumando maconha e não se interessa por absolutamente nada além do boliche. Disputa campeonatos desse... esporte, integrando uma equipe formada por Walter (John Goodman), um veterano de guerra neurótico e explosivo, e por Donny (Steve Buscemi), um sujeito que sempre tem algo a dizer, mas que ninguém deixa abrir a boca. Os dias passam enfadonhos, até que sujeitos violentos invadem a casa do cara, exigindo o dinheiro que sua esposa está devendo. O problema é que ele não tem esposa! Percebendo o engano, os sujeitos urinam no seu tapete de estimação e vão embora. O cara então descobre que o pivô do caso é um milionário com mesmo sobrenome, a quem passa a chamar de Grande Lebowski. É dele que o cara decide cobrar indenização pelo tapete urinado, mas ao invés disso, recebe do milionário a incumbência de fazer a entrega de uma maleta com um milhão de dólares, como pagamento pelo resgate de Bunny (Tara Reid), sua mulher sequestrada. É claro que o cara envolverá Walter e Donny nessa confusão.
        Bem... Já estou me estendendo por demais nessa sinopse, que ao final das contas é irrelevante. Muito mais do que o enredo, o importante em O Grande Lebowski são os personagens, criados com brilhantismo pelos irmãos Coen e interpretados com incontáveis nuances por um elenco afinado e hilário. O cara de Jeff Bridges não é um mero idiota parvo e inútil. Tem a profundidade de um ex-hippie calejado pela idade – se é que isso existe – e a obstinação desinteressada de um detetive particular extraído de algum clássico dos filmes policiais. John Goodman e Steve Buscemi estão sempre a ponto de roubar a cena e John Turturro, quando aparece em seu uniforme azul de Jesus Quintana – um demônio do boliche – consegue roubar mesmo!
        O Grande Lebowsky é um filme para ser revisitado inúmeras vezes, porque esconde um sem número de ótimas sacadas. É a obra mais engraçada dos irmãos Coen e apesar de não trazer a força dramática de um Onde os Fracos Não Têm vez, carrega uma profundidade que não costumamos encontrar nas comédias escrachadas. Os autores alegam ter se inspirado em personagens reais: o gosto pela bebida russa, a preocupação em jamais derramá-la durante as cenas de ação, os óculos escuros combinando com o roupão, os chinelos de dedos e até mesmo o tapete de estimação... Parecem ter referências para tudo!
        Para completar a receita, decidiram empregar o estilo narrativo usado por Raymond Chandler, o autor que moldou a figura do detetive particular consagrado nos filmes policiais dos anos 40 e 50. Faz sentido. O cara que acompanhamos em O Grande Lebowski não é só um preguiçoso convicto. Comporta-se o tempo todo como se estivesse trabalhando na resolução de um mistério, tentando solucionar um caso, dando uma de detetive, ainda que, no final das contas, o que interesse mesmo seja o... boliche!

Resenha crítica do filme O Grande Lebowski

Ano de produção: 1998
Direção: Joel Coen
Roteiro: Ethan Coen e Joel Coen
Elenco: Jeff Bridges, John Goodman, Julianne Moore, Steve Buscemi, David Huddleston, Philip Seymour Hoffman, Tara Reid, John Turturro, Sam Elliott, David Thewlis, Ben Gazzara, Jack Kehler, Dom Irrera, Harry Bugin, Jesse Flanagan, Leon Russom, Warren Keith, Marshall Manesh, Asia Carrera e Aimee Mann

Leia também as crônicas sobre outros filmes dos irmãos Coen:

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