Bravura Indômita: um remake fiel ao romance original

Cena do filme Bravura Indômita
Bravura Indômita: direção de Joel e Ethan Coen

UMA HISTÓRIA AMERICANA POR EXCELÊNCIA

Minha geração não viveu a intensidade do mito John Wayne. Meu pai era fã dele e gostava de rever seus filmes na TV, velhos faroestes em preto-e-branco que não me atraiam. Cresci sem jamais ter assistido a qualquer um deles – no máximo conferi uma ou outra cena, aqui e ali, só para me irritar com a dublagem antiquada, a trilha sonora fora de moda e a encenação excessivamente teatral. Minha geração já estava sintonizada com outros mitos e ninguém poderia me convencer a sentar numa poltrona para assistir a um faroeste estrelado por John Wayne. A não ser, é claro, os irmãos Coen!
        Quando assisti ao remake de Bravura Indômita, realizado por eles em 2010, não tive escolha. Precisei conferir o original, para compreender o que os ousados Joel e Ethan Coen andaram aprontando e de que forma impuseram a sua visão pessoal daquela história. Confesso que fiquei desconcertado. Percebi que a nova versão seguiu nos mesmos trilhos da antiga. A estrutura narrativa, o tratamento dos personagens, as mesmas tiradas de humor... Estava tudo lá! Onde foi parar a tal ousadia? E as idiossincrasias?
        Veja, caro leitor, não estou dando um tom de decepção, mas de admiração. Constatei que os irmãos Coen lidaram com o mesmo material de qualidade que deu origem ao filme Bravura Indômita de 1969, dirigido por Henry Hathaway: o romance com o mesmo título publicado em 1968 por Charles Portis. Terei nesta crônica, portanto, o trabalho triplo de esquadrinhar os dois filmes e o livro. E o melhor a fazer é começar lembrando da sinopse:
        Bravura Indômita se passa em 1870 e conta a história de Mattie Ross, uma garota de apenas catorze anos, mas precocemente madura, que cuida da contabilidade da fazenda onde vive com a família, na cidade de Fort Smith, no estado do Arkansas. Seu pai é covardemente assassinado por um funcionário, Tom Chaney, que também lhe rouba um cavalo e algum dinheiro. Mattie, imbuída de um inabalável espírito prático, vai à cidade tomar as providências para o enterro do pai, mas está decidida a se vingar. Depois de muitas negociações, ela consegue recrutar o velho, experiente e caolho delegado federal Rooster Cogburn, que julga o mais qualificado para a missão por sua predisposição em meter bala nos seus perseguidos, antes de qualquer outra coisa. Um Texas Ranger chamado LaBoeuf se junta a eles na caçada, sabendo que o assassino pode ter se metido com o bando do desprezível Ned Pepper. O trio improvável se embrenha no território indígena, levando na bagagem muita coragem e a certeza de que coisas ruins podem acontecer.
        Com Bravura Indômita, Charles Portis se tornou um autor consagrado. Criou esse romance americano por excelência, tão elogiado pelos críticos, que logo entrou para a lista dos mais vendidos e virou um clássico. De leitura fácil e agradável, com passagens de aventura, drama e humor, o livro chamou a atenção de... John Wayne. O astro percebeu que, naquele momento da carreira, o papel de Rooster Cogburn era perfeito para ele. Empenhou-se ao máximo no projeto de adaptá-lo para o cinema, o que se mostrou uma aposta vencedora, pois valeu a ele o único Óscar que conquistou!
        Para escrever o roteiro, os realizadores recrutaram a experiente roteirista Marguerite Roberts – outra aposta vencedora. Mulher, oriunda do Colorado e apaixonada por cavalos, identificou-se com a protagonista e escreveu um tratamento que praticamente não sofreu alterações na filmagem. Sua adaptação não segue a narrativa em primeira pessoa do romance, onde uma Mattie Ross mais velha conta sua aventura. Ao invés disso, ela prefere gastar os minutos iniciais estabelecendo as bases da personagem e mostrando seu relacionamento com o pai. E segue usando as linhas de diálogo escritas pelo autor do romance, para segurar a carga dramática.
        De modo geral, ambos os filmes permaneceram fiéis ao enredo do romance. Inclusive, há muitas cenas idênticas, aproveitando o mesmo texto criado por Charles Portis. O roteiro de Marguerite Roberts, no entanto, foi escrito para que John Wayne pudesse brilhar. Ela criou cenas onde o astro aparece mais caloroso, mantendo um certo vínculo paternal com a protagonista. Também adicionou uma cena final, que não consta no livro, em que a garota volta à fazenda com Rooster Cogburn e oferece a ele um túmulo no cemitério da família. O romance termina muitos anos depois, quando Mattie Ross, já com seus quarenta anos, vai tomar as providências para o enterro do delegado federal, que morreu enquanto participava de um espetáculo de cowboys.
        Os irmãos Coen preferiram incluir a narração de Mattie Ross em primeira pessoa, tanto no começo como nas cenas finais, o que ajudou a resgatar o trato com a língua inglesa. A fala mais formal trouxe a noção de que estamos assistindo a um filme de época. Enquanto a versão de Henry Hathaway tem um sabor levemente alegre, o remake dos Coem nos faz respirar uma atmosfera mais sombria, lembrando que o motor da trama é o pesado sentimento de vingança, sempre presente no subtexto. O próprio delegado Rooster Cogburn, agora interpretado por Jeff Bridges, tem traços mais violentos e não demonstra o paternalismo que vemos no filme original.
        Os irmãos Coen acertaram mais na sua versão. Enquanto o filme original patina com uma trilha sonora de mau gosto e uma direção de arte precária, o remake consegue uma abordagem mais emocional, com a música de Carter Burwell e a fotografia impecável do grande Roger Deakins, onde impera uma palheta de cores mais sóbria e harmoniosa. A atriz Kim Darby, que já contava mais de 20 anos quando interpretou Mattie Ross no filme de 1969, foi posta em cena para não ofuscar a presença de John Wayne. Já Hailee Steinfeld, que realmente tinha 14 anos quando atuou no filme de 2010, foi escolhida a dedo para dar verossimilhança à maturidade precoce da protagonista. O cantor country Glen Campbell, no papel de La Boeuf, foi outra opção propositadamente sem sal no filme original. Já Matt Damon, recrutado para o filme dos Coen, corresponde muito melhor a um Texas Ranger desenhado com traços mais precisos. No remake, o elenco funciona melhor, como um conjunto coeso.
        Se tivesse vivido para ver o remake de Bravura Indômita, meu pai certamente torceria o nariz. Onde já se viu um bêbado sem valores como esse tal de Jeff Bridges no lugar de um... John Wayne? Pessoalmente, gostei muito do desempenho de Bridges, na medida em que ressalta a triste decadência do delegado federal Rooster Cogburn, mas confesso que o herói destemido, mau encoberto pelo verniz desgastado insinuado por John Wayne, revela-se a todo momento no filme original. Continua irradiando carisma!
        Para finalizar a crônica, quero ponderar sobre o intrigante título que o filme recebeu aqui no Brasil. O original True Grit, algo como “coragem de verdade”, denota uma certa aspereza, digna de um casca grossa – grit também se refere a areia ou cascalho. Já em português, a palavra indômita, um sinônimo para indomável, passa a impressão de soberba e arrogância. Bravura Indômita é um título correto, que remonta aos tempos do velho oeste, mas depois de assistir aos dois filmes, percebi que em ambos a protagonista não é corajosa por arrogância, mas por força de caráter!

Resenha crítica do filme Bravura Indômita

Título original: True Grit
Título em Portugal: Indomável
Ano de produção: 2010
Direção: Joel e Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen
Elenco: Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper, Paul Era, Nicholas Sadler, Bruce Green, Joe Stevens, Dakin Matthews, Elizabeth Marvel, Leon Russom, Jake Walker, Peter Leung, Don Pirl e Jarlath Conroy

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