Fargo: personagens fictícios inspirados em eventos reais

Cena do filme Fargo
Fargo: direção de Joel Coen

EIS QUE ENTRA EM CENA UMA PERSONAGEM ADORÁVEL

Ludy ficou interessada em Fargo. Estávamos fuçando no serviço de streaming quando minha mulher reparou na capa com a foto da atriz Frances McDormand e me perguntou que tipo de filme era aquele. Gaguejei para responder:
        – Olha... É uma comédia, mas não é filmada exatamente como uma comédia. Tem muito humor, mas é meio sombrio. É baseado em uma história real, mas nem tanto, já que os roteiristas acrescentaram pencas de elementos ficcionais. É um filme violento, mas tem passagens ternas e sutis. É um filme policial americano, mas se passa numa região com jeitão dos países nórdicos...
        Depois da enxurrada de conjunções que derramei, ela ficou mais interessada ainda. Apertei o play e nos deliciamos com esse belo filme realizado em 1996 por Joel e Ethan Coen. Fargo é assim mesmo: uma produção que, por irradiar muita originalidade, alçou o nome dos seus criadores entre os principais da indústria do cinema norte-americano. Recebeu sete indicações para o Óscar e venceu nas categorias de melhor atriz e melhor roteiro original, isso sem falar que valeu a Joel Coen o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes. Ao contrário de Na Roda da Fortuna, filme anterior dos irmãos Coen que fracassou estrondosamente, esse se tornou um grande sucesso de crítica e de bilheteria e virou objeto de culto – virou também uma série de TV, lançada em 2014.
        Ambientado no gelado estado do Minnesota, terra natal dos irmãos Coen, o filme fala de assassinatos, sequestros e outras barbáries, mas é divertido. E antes que comece outra enxurrada de conjunções adversativas, deixe-me destacar que a aceitação por parte do público se deve à presença carismática da personagem Marge Gunderson, a policial grávida que solucionará os crimes. A paisagem desoladora e sinistra é fotografada com brilhantismo por Roger Deakins, enquanto que a trilha sonora de Carter Burwell cria aquela atmosfera de estranhamento que já nos acostumamos a ver nos filmes dos irmãos Coen. Vamos a um rápido exame da sinopse:
        O texto de abertura avisa que os eventos apresentados são reais e serão narrados exatamente como aconteceram, criando a expectativa de um tratamento documental. O que vemos então é o encontro entre Jerry Lundegaard (William H. Macy), gerente de uma concessionária de veículos em Minneapolis e dois criminosos desmiolados, Carl Showalter (Steve Buscemi) e Gaear Grimsrud (Peter Stormare). Jerry contrata a dupla para sequestrar sua esposa, garantindo que o resgate será pago pelo seu sogro, Wade Gustafson (Harve Presnell), dono da concessionária. Fica claro, de imediato, que as coisas vão dar muito errado! Jerry é um inconsequente e incapaz de antever os resultados dos eventos que desencadeia. Afundado em dívidas, está decidido a passar a perna nos sequestradores que, por sua vez, são rápidos em lançar mão da violência ao primeiro sinal de problemas. Quando os corpos começam a aparecer nas estradas, entre as cidades de Fargo e Brainerd, quem precisa investigar é a policial Marge (Frances McDormand). Grávida e mais interessada em levar uma vida tranquila com seu marido, Norm, ela se mostra uma investigadora competente e vai puxando o fio da meada até chegar ao caso do sequestro forjado por Jerry. Antes, porém, acompanharemos os personagens, todos gananciosos por dinheiro, se envolvendo em muitos destrambelhos, muita neve e muito sangue.
        Os personagens de Fargo são todos fictícios, embora tenham sido inspirados em eventos reais, dos quais os irmãos Coen tomaram conhecimento quando moravam na região. Por serem nativos de Minnesota, conseguiram agregar uma boa dose de autenticidade à história, enfatizando a fala peculiar dos locais – o sotaque, o ritmo do fraseado, o jeito lacônico e também os nomes e sobrenomes são elementos exóticos até mesmo para os próprios americanos e denunciam a forte influência da cultura escandinava nos estados do Norte. Os atores principais precisaram de treinamento, para conseguir desempenhar adequadamente os diálogos afiados escritos pelos roteiristas.
        Aliás, o roteiro dos irmãos Coen é um primor. Seguindo uma estrutura linear, vão direto ao ponto e enfatizam a narrativa visual, deixando que o próprio espectador testemunhe os acontecimentos, sem a necessidade de acrescentar cenas demasiado expositivas. Criando tramas paralelas, com pouca ou nenhuma relação com a trama principal, eles conseguem dar mais profundidade aos personagens e deixá-los mais envolventes. E quando finalmente, lá pela metade do filme, a policial Marge entra em cena, eles conseguem seu melhor resultado: ela esbanja sinceridade e naturalidade, sem nunca descambar para um tipo de humor escrachado ou caricato.
        Em Fargo, o calor que emana dos personagens contrasta com o grande número de cenas externas, onde a paisagem gélida e plana jamais é banhada pela luz direta do sol e nunca há uma linha do horizonte para nos orientar. Um cenário tão dramático e desértico sugere que a violência, sim, pode ser exercitada sem inibição pelos criminosos, pois quem haverá de servir de testemunha? Ainda bem que nesse filme dos irmãos Coen não são apenas os bandidos que circulam incólumes. Há gente de bem, que se esforça em levar uma vida pacata e centrada, onde sempre há bom senso e esperança para ajudar a planejar o futuro dos filhos.


Resenha crítica do filme Fargo

Ano de produção: 1996
Direção: Joel Coen
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen
Elenco: Frances McDormand, William H. Macy, Steve Buscemi, Peter Stormare, Harve Presnell, Kristin Rudrüd, Tony Denman, Steve Reevis, Larry Brandenburg, John Carroll Lynch, Steve Park, Bruce Bohne, Larissa Kokernot, David S. Lomax, Melissa Peterman, Michelle Suzanne, Bain Boehlke, Warren Keith, James Gaulke, José Feliciano, Cliff Rakerd, Gary Houston, Steve Edelman e Sally Wingert


Leia também as crônicas sobre outros filmes dos irmãos Coen:

Comentários

  1. Tá aí um filme de que não gostei. Mas tb não sou muito fã dos Coen. Onde os fracos não têm vez é outro que descartei.

    ResponderExcluir
  2. Eu gostei demais desse filme. Apesar das cenas violentas, alguns personagens me divertiram bastante. Aquela policial desvendando os crimes é muito engraçada. A atuação de alguns atores, e até o ritmo das cenas me fizeram ri. Parabéns pela crônica. Como sempre generosa, acrscentando mais conhecimento.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema