O Último Samurai: até que ponto essa história é verdadeira?

Cena do filme O Último Samurai
O Último Samurai: direção de Edward Zwick

PERSONAGENS FICTÍCIOS E PREMISSAS VERDADEIRAS

Há uma interseção entre os faroestes americanos e os filmes japoneses sobre samurais. Um gênero sempre inspirou o outro. Mais que isso, nutriram-se! Os arquétipos apresentados pelo mestre Akira Kurosawa em Os Sete Samurais, realizado em 1954 como uma homenagem aos cowboys, serviu de munição para filmes como Sete Homens e Um Destino, tanto o de 1960, dirigido por John Sturges, como o remake de 2016, de Antoine Fuqua. Cito aqui o exemplo mais óbvio, mas os cinéfilos antenados certamente serão capazes de resgatar outros, ainda mais surpreendentes. Mas em O Último Samurai, realizado em 2003 por Edward Zwick, os elementos se cruzaram para compor um drama épico, pontuado com cenas de guerra e personagens marcantes.
        O filme conta a história de Nathan Algren (Tom Cruise), um atormentado capitão do exército americano – durante a Guerra Civil, participou do massacre de milhares de nativos durante a batalha do rio Washita. O destino o leva até o Japão, governado pelo jovem Imperador Meiji (Shichinosuke Nakamura), que decide modernizar seu exército, trocando as espadas pelas armas de fogo. Algren é o contratado para treinar os combatentes japoneses, mas não tarda a ser enviado para o front contra samurais insurgentes. Seus comandados, ainda despreparados, amargam uma derrota fragorosa e ele é feito prisioneiro. Acaba nas mãos de Moritsugu Katsumoto (Ken Watanabe), o tal último samurai do título, que lidera o exército rebelde. Katsumoto decide manter Algren vivo, para tentar aprender mais sobre as técnicas de guerra do ocidente. É da interação entre ambos que surge o motor do filme. O americano, fascinado pela cultura dos samurais, encontra um caminho de redenção para seus traumas de guerra. O japonês, enxergando o fim da sua era, percebe a necessidade de deixar um legado. Passarão a lutar lado a lado contra as forças do Imperador Meiji.
        Para realizar O Último Samurai, Edward Zwick pesquisou a fundo a história do Japão. Seu filme levou três anos para ficar pronto e para recriar a atmosfera daquele país no século XIX, precisou filmar em locações na Nova Zelândia. Realizou ótimas cenas de batalhas – aliás, como já havia feito com sucesso em Tempo de Glória – e trouxe para a tela momentos delicados, ao encenar com sensibilidade a jornada psicológica dos seus personagens. Trouxe também alguma imprecisão histórica, o que alimentou polêmicas entre os apegados aos preciosismos.
        O experiente roteirista John Logan – que assinou roteiros de filmes como GladiadorO Aviador e A Invenção de Hugo Cabret – é um dedicado pesquisador dos fatos históricos. Mergulhou no universo dos samurais e, com intervenções do corroteirista Marshall Herskovitz e do próprio diretor, lançou mão de várias... licenças poéticas. Mas tudo em nome da fluência narrativa! Começou baseando a criação do personagem fictício Katsumoto Moritsugu no vulto histórico japonês Saigō Takamori, esse sim um samurai verdadeiro, que foi derrotado e morto na batalha de Shiroyama, recriada na sequência final do filme. Porém, há controvérsias quanto ao fato de Saigō ter sido o último samurai, já que alguns historiadores dão o cargo a um certo Tōyama Mitsuru, que pertenceu ao clã samurai da cidade de Fukuoka e viveu de 1855 a 1944.
        O capitão Nathan Algren também é um personagem fictício, mas foi baseado em um militar real, encarregado de treinar as tropas japonesas no uso das armas modernas. Porém, não se tratava de um americano e sim de um francês: o oficial Jules Brunet, que lutou nas guerras japonesas depois de se recusar a voltar para a França. Suas aventuras serviram para costurar as linhas dramáticas de O Último Samurai. As premissas do filme, portanto, são verdadeiras e guardam precisão histórica. Na década de 1860, o Japão passava por mudanças políticas e culturais e os rebeldes lutaram para preservar seu modo de vida. A chamada Rebelião Satsuma fracassou e os samurais derrotados perderam o direito de empunhar suas espadas Katana.
        O que Edward Zwick fez foi contar essa história de um ponto de vista hollywoodiano. Simplificou a exposição da complexa cultura samurai e reduziu a trama ao tradicional embate entre o bem e o mal, entre as forças tradicionais e as progressistas. Cometeu imprecisões no percurso, mas usou a fotografia deslumbrante de John Toll e a música envolvente de Hans Zimmer para encher a tela com paisagens deslumbrantes, recriando batalhas épicas com realismo. Também usou figurinos autênticos e um design de produção impecável. Mas o foco nos personagens e as excelentes interpretações de Ken Watanabe e Tom Cruise elevaram o nível do filme, fazendo de O Último Samurai um épico consistente e palatável.
        Apesar das licenças poéticas, o filme foi bem recebido pelos japoneses, que se sentiram prestigiados. A imprensa, por outro lado, fez questão de destacar os entraves ocorridos durante as filmagens, quando Tom Cruise se envolveu num acidente potencialmente fatal, que por pouco não o decapitou! E para completar o périplo, depois do lançamento os realizadores ainda tiveram que enfrentar um processo na justiça americana, acusados de plágio. Os roteiristas Aaron e Matthew Benay alegaram ser os verdadeiros autores, tendo apresentado o primeiro tratamento aos produtores. Mas o tribunal deu ganho de causa a Edward Zwick e sua equipe.
        O Último Samurai é uma dramatização épica de qualidade, onde o profissionalismo e o talento midiático de Tom Cruise são destaques inquestionáveis. O astro assume a produção com gosto e ainda sede espaço para que o japonês Ken Watanabe brilhe com a mesma intensidade. É um filme onde cowboys e samurais encontram seu ponto de interseção.

Resenha crítica do filme O Último Samurai

Ano de produção: 2003
Direção: Edward Zwick
Roteiro: John Logan, Edward Zwick e Marshall Herskovitz
Elenco: Ken Watanabe, Tom Cruise, Hiroyuki Sanada, Shin Koyamada, Tony Goldwyn, Masato Harada, Shichinosuke, Timothy Spall, Seizo Fukumoto, Koyuki, Billy Connolly, Shun Sugata, Sosuke Ikematsu e Scott Wilson

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