Vivos: uma história contada com autenticidade e realismo
Vivos: direção de Frank Marshall
SOBREVIVERAM GRAÇAS AO... HEROÍSMO
Quando tinha 12 anos, fui confrontado com esta história trágica de sobrevivência, que dominou a mídia por semanas e despertou emoções que ainda não conhecia: uma estranha mistura de compaixão com nojo, já que além de lutar para se manter vivos sob condições inóspitas, os personagens foram obrigados a cometer... canibalismo! Foi em outubro de 1972, quando o avião fretado por um time de rugby de Montevidéu caiu na Cordilheira dos Andes. A maioria sobreviveu à queda, mas as equipes de resgate não conseguiram localizá-los. Com pouquíssimos suprimentos, lutaram para se manter vivos por incríveis 72 dias, alimentando-se dos corpos de seus colegas mortos, preservados na neve. Apenas 16 dos 45 passageiros sobreviveram, graças ao esforço heroico de dois deles, que atravessaram as montanhas numa caminhada de 12 dias até encontrar socorro.O alcance infantil da minha capacidade de compreensão não me permitiu ir além das especulações superficiais e logo esqueci essa história real, que considerei por demais escabrosa. Até que assisti ao filme Vivos, dirigido em 1993 por Frank Marshall. Compreendi que o canibalismo estava longe de ser o seu aspecto mais importante. Os personagens passaram por uma experiência limite, que os levou a confrontar sua condição humana em um nível quase espiritual. Enfrentaram muito mais do que frio, avalanches e a dor física. Tiveram que encarar o medo, a desesperança e a certeza de um fim agonizante. Tiveram que se unir, superar diferenças e vencer obstáculos, que julgavam intransponíveis.
A incrível história dos sobreviventes dos Andes correu o mundo e despertou o interesse de várias editoras, que entraram em concorrência para publicá-la. Os sobreviventes, organizados em um comitê, decidiram que um único relato deveria ser escrito e escolheram a proposta do editor americano J.B. Lippincott, que convocou o romancista e dramaturgo inglês Piers Paul Read para redigir o livro, com o título de Alive: The Story of the Andes Survivors. A princípio, Read não estava disposto a aceitar o desafio – julgou a história horrível e... indigesta, com potencial para descambar para o sensacionalismo. Mesmo assim, o autor foi a Montevideo e conheceu os sobreviventes, todos católicos como ele, o que levou a uma identificação imediata. Começou sua pesquisa entrevistando cada um dos personagens e suas famílias, incluindo as dos que pereceram na cordilheira. O processo foi doloroso, mas Read soube assumir o papel de confidente e recolheu os depoimentos em suas minúcias mais incômodas, durante sessões gravadas e documentadas. É claro que o seu texto final não agradou a todos. Havia a expectativa de que apenas os fatos heroicos fossem destacados e de que os sobreviventes não pudessem ser taxados como selvagens. Mas o editor, prevendo tal risco, protegeu-se com uma cláusula no contrato, impedindo qualquer forma de censura. O texto de Piers Paul Read foi publicado na íntegra em 1974 e se tornou um sucesso editorial, vendendo milhões de cópias em diversos países.
Sua primeira adaptação para o cinema foi realizada em 1976, com o título de Os Sobreviventes dos Andes – uma produção mexicana de baixo orçamento e com entonação francamente sensacionalista, dirigida por René Cardona. Dois anos depois, um novo filme, agora com o título de Vivos, entrou em produção, mas foi abortado por motivos de custos. Por anos os direitos foram negociados entre vários estúdios, até que em 1990 caíram nas mãos da Disney, que destacou Frank Marshall para a direção.
Vale observar que em 2023, o cineasta Juan Antonio Bayona revisitou o tema em seu filme A Sociedade da Neve, onde conseguiu uma abordagem mais emocional e verdadeira, descendo a camadas ainda mais profundas de alguns personagens. Realizou um remake oportuno e muito bem produzido, que também merece ser conferido.
Mas voltando ao filme Vivos, é curioso lembrar que o diretor Frank Marshall e sua esposa, Kathleen Kennedy – que já haviam trabalhado em produções de sucesso como as trilogias de Indiana Jones e De Volta para o Futuro – relutaram em trabalhar nessa história trágica, mas perceberam o real alcance dramático que ela escondia. Foram para Montevideo e se reuniram com o grupo de sobreviventes. Os encontraram calejados e temerosos, depois do rompante sensacionalista da produção mexicana, mas conseguiram convencê-los de que esta nova adaptação seria fiel ao livro. Vejamos como ficou a sinopse:
Em Vivos, Carlitos Páez (John Malcovich) relembra os trágicos acontecimentos de vinte anos atrás, quando ele e seus colegas, alegres e distraídos, faziam a festa no voo 571 da Força Aérea Uruguaia. Num piscar de olhos a situação mudou e o avião se desmembrou em pedaços contra uma montanha. Restou apenas a fuselagem, com 33 sobreviventes. Nando Parrado (Ethan Hawke) é um deles. Ferido na cabeça, entra em coma. O capitão do time, Antonio Vizintin (John Haymes Newton), assume a liderança, com a ajuda de Roberto Canessa (Josh Hamilton) e Gustavo Zerbino (David Kriegel), estudantes de medicina, que fazem o possível para ajudar os feridos. A esperança de que uma equipe de resgate os encontre é o que move o grupo, mas ela se desfaz quando percebem que será impossível enxergá-los do alto. Os dias passam e a situação dos sobreviventes só piora. Quando Nando acorda do coma, precisa superar a perda da mãe e da irmã, que também estavam no voo. Reúne forças para arriscar tudo numa penosa caminhada pela cordilheira, na companhia de Canessa. O grupo depende dessa incrível ousadia para ser resgatado.
Os realizadores contrataram outro católico para escrever o roteiro final: John Patrick Shanley, vencedor do Oscar pelo roteiro original de Feitiço da Lua e também roteirista do excelente Dúvida. Ele contou com a consultoria de Nando Parrado – o sobrevivente interpretado no filme pelo ator Ethan Hawke – e concluiu a adaptação em apenas três semanas. As filmagens de Vivos foram desafiadoras e aconteceram no Canadá, em uma geleira da Colúmbia Britânica. Por quatro meses a equipe de 150 pessoas enfrentou condições adversas, com deslocamentos diários de helicópteros até o local do set, onde a fuselagem de um avião Fairchild F-227 foi montada. À mercê das condições climáticas e de iluminação, precisaram montar um acampamento de emergência e contar com a ajuda de uma equipe de especialistas em segurança, que monitorava a possibilidade de avalanches.
O resultado foi compensador. Vivos consegue passar autenticidade e realismo, transportando o espectador para o cenário desolador que cercou os sobreviventes. O diretor soube explorar os planos abertos, enquanto manteve as lentes concentradas em cada um dos seus personagens. Há os dominados pelo pânico, os corajosos, os que se preocupam em liderar, os solidários, os fortes que sucumbiram, os fracos que encontram forças de superação... O diretor impõe um certo senso de dignidade. Enaltece os feitos heroicos, mas não esconde os deméritos. Expõe os dramas internos, mas não deixa de ressaltar a ação, diante do imperativo externo. Conta uma história emocionante, cujo final a maioria conhece, mas não deixa de ressaltar a expectativa dos sobreviventes por um eventual resgate.
Do ponto de vista comercial, Vivos não é um filme confortável. A ideia do canibalismo gera resistência por parte do público e a certeza de encontrar personagens destinados a sofrer, desmotiva outros tantos. Porém, quando começamos a assistir a esse filme, somos tomados por um impulso de seguir adiante, até o final. Não pela simples curiosidade mórbida, mas porque queremos saber o destino de todos os personagens, com os quais nos identificamos e nutrimos uma profunda empatia.
Os realizadores contrataram outro católico para escrever o roteiro final: John Patrick Shanley, vencedor do Oscar pelo roteiro original de Feitiço da Lua e também roteirista do excelente Dúvida. Ele contou com a consultoria de Nando Parrado – o sobrevivente interpretado no filme pelo ator Ethan Hawke – e concluiu a adaptação em apenas três semanas. As filmagens de Vivos foram desafiadoras e aconteceram no Canadá, em uma geleira da Colúmbia Britânica. Por quatro meses a equipe de 150 pessoas enfrentou condições adversas, com deslocamentos diários de helicópteros até o local do set, onde a fuselagem de um avião Fairchild F-227 foi montada. À mercê das condições climáticas e de iluminação, precisaram montar um acampamento de emergência e contar com a ajuda de uma equipe de especialistas em segurança, que monitorava a possibilidade de avalanches.
O resultado foi compensador. Vivos consegue passar autenticidade e realismo, transportando o espectador para o cenário desolador que cercou os sobreviventes. O diretor soube explorar os planos abertos, enquanto manteve as lentes concentradas em cada um dos seus personagens. Há os dominados pelo pânico, os corajosos, os que se preocupam em liderar, os solidários, os fortes que sucumbiram, os fracos que encontram forças de superação... O diretor impõe um certo senso de dignidade. Enaltece os feitos heroicos, mas não esconde os deméritos. Expõe os dramas internos, mas não deixa de ressaltar a ação, diante do imperativo externo. Conta uma história emocionante, cujo final a maioria conhece, mas não deixa de ressaltar a expectativa dos sobreviventes por um eventual resgate.
Do ponto de vista comercial, Vivos não é um filme confortável. A ideia do canibalismo gera resistência por parte do público e a certeza de encontrar personagens destinados a sofrer, desmotiva outros tantos. Porém, quando começamos a assistir a esse filme, somos tomados por um impulso de seguir adiante, até o final. Não pela simples curiosidade mórbida, mas porque queremos saber o destino de todos os personagens, com os quais nos identificamos e nutrimos uma profunda empatia.
Resenha crítica do filme Vivos
Título original: AlivesAno de produção: 1993
Direção: Frank Marshall
Roteiro: John Patrick Shanley
Elenco: Ethan Hawke, Josh Hamilton, John Haymes, Bruce Ramsay, David Kriegel, Jack Noseworthy, Kevin Breznahan, David Cubitt, Gian DiDonna, John Cassini, Richard Ian Cox, Nuno Antunes, Gordon Currie, Sam Behrens, Michael Tayles, Steven Shayler, Michael Sicoly, Jerry Wasserman, Tony Morelli, José Zúñiga, Frank Pellegrino, Illeana Douglas, Ele Keats, Jan D'Arcy, Danny Nucci, Vincent Spano, Michael DeLorenzo, Josh Lucas, Chad Willett, Michael Woolson, Diana Barrington, Christian Meoli, Jake Carpenter, Silvio Pollio, Jason Gaffney, Seth James Arnett, Patrick Ramano, Aurelio Dinunzio, Fiona Roeske e John Malkovich
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