Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes

Cena do filme Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes
Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes: direção de Guy Ritchie

AÇÃO INTELIGENTE, COM MUITO CHARME E ESTILO

Esbarrei em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, filme dirigido em 1998 por Guy Ritchie, há dois anos; o título entrou na grade da TV por assinatura, justo num horário em que decidi me estatelar no sofá e zapear sem rumo. Não tenho o hábito de pescar (muito menos a habilidade necessária), mas me senti como se tivesse apanhado um peixão. O filme já tinha mais de 20 anos e ainda exalava muito frescor; misturava ação, comédia, violência e gângsteres ingleses, numa história inusitada, com narrativa ágil, repleta de diálogos inteligentes e uma linguagem audiovisual bem elaborada. Ah, e como esbanjava estilo!
        Uso os verbos no passado na tentativa de expressar meu entusiasmo enquanto aproveitava, no conforto do sofá, aqueles momentos mágicos para qualquer cinéfilo; o filme continua exalando frescor e ainda carrega motivos de sobra entusiasmar. É o longa-metragem de estreia de Guy Ritchie, que ganhou espaço na indústria do cinema depois que realizou o curta The Hard Case e provou que tinha fôlego de sobra para inovar. O diretor desenvolveu um estilo próprio, que agora podemos ver consolidado em uma cinematografia eclética, com títulos como Sherlock Holmes, O Agente da U.N.C.L.E., Rei Arthur: A Lenda da Espada, O Pacto, O Infiltrado e tantos outros sucessos comerciais.
        Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes conta a história de Eddie (Nick Moran), Tom (Jason Flemyng), Soap (Dexter Fletcher) e Bacon (Jason Statham), velhos amigos que circulam pelo submundo londrino com desenvoltura. Eles enxergam uma oportunidade de lucrar num jogo de cartas comandado pelo gângster Harry Lonsdale (P. H. Moriarty). Juntam uma grana e a colocam nas mãos de Eddie, para que aposte alto. É claro que são trapaceados e agora estão atolados em uma dívida astronômica; têm uma semana para pagar. Como conseguirão o dinheiro? Traçarão novos planos destrambelhados e se envolverão com uma variedade de bandidos, vigaristas, traficantes e drogados, numa bola de neve que crescerá com violências e trapaças.
        Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes é um legítimo exemplar dos filmes policiais de baixo orçamento, que na década de 1990 eram realizados para tentar resgatar a aura descolada de sucessos como Pulp Fiction; Guy Ritchie, entretanto, soube inovar; incluiu pitadas de humor refinado, muito charme e uma narrativa ágil, importada do universo dos videoclipes musicais – a presença do cantor Sting, no papel de um dono de bar chamado JD, é sintomática! O cuidado em trabalhar a violência com mais escrúpulos, também é outro diferencial do diretor; no filme jamais vemos pancadarias explícitas e o sangue não jorra em fartura, como nos filmes de Tarantino.
        A princípio, o estilo diferenciado de Guy Ritchie parece ter algo a ver com desleixo; ele escreveu o roteiro desse seu primeiro longa-metragem em guardanapos de bar e papeis avulsos, depois reuniu o conteúdo em um caderno, o qual usou para apresentar aos possíveis financiadores – o que pode explicar as dificuldades que encontrou quando tentou reunir o dinheiro para uma produção que, desse jeito, só poderia ser independente. No entanto, o que isso nos mostra é que Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes nasceu inteiramente na cabeça do diretor, que manteve rígido controle criativo da obra, do começo ao fim.
        Entre quadros congelados, narrações em off e letreiros irreverentes, vemos brotar na tela momentos inesperados de ação, suspense e mistério, temperados com sátira e boas doses de inteligência – elementos que Guy Ritchie levaria para os seus próximos filmes. De início, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes assume uma narrativa não linear, para mostrar uma série de eventos aparentemente desconexos; na medida em que a trama se estabelece, a história ganha foco e os personagens – sempre charmosos e elegantes – mostram contornos mais nítidos.
        Há muita autenticidade nos gângsteres apresentados por Guy Ritchie, ainda que pareçam criações teatrais; são mostrados com aquele tipo de realismo que só existe no cinema e não consegue ser visto nas ruas: os personagens falam gírias, abusam da linguagem chula e interagem com uma naturalidade envolvente, mas parecem o tempo todo cientes de que estão na frente das câmeras. Longe de ser um demérito, essas sacadas estilosas do diretor fazem de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes um dos melhores filmes de ação policial dos anos 1990; uma ótima surpresa, que arrebanhou fãs incondicionais entre os amantes do gênero.
        Revisitei o filme alguns dias depois, para examinar sua estrutura com mais critério, mas que nada! Continuei agarrado aos diálogos inteligentes e às piadas que passaram a fazer mais sentido depois, quando já conhecia os desdobramentos da trama. O filme me pegou de novo! Relaxei no sofá e aproveitei mais uma vez.

Resenha crítica do filme Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes

Título original: Lock, Stock and Two Smoking Barrels
Título em Portugal: Um Mal Nunca Vem Só
Ano de produção: 1998
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Guy Ritchie
Elenco: Nick Moran, Jason Flemyng, Dexter Fletcher, Jason Statham, Steven Mackintosh, Vinnie Jones, Peter McNicholl, Nicholas Rowe, Lenny McLean, P. H. Moriarty, Frank Harper, Sting, Huggy Leaver, Stephen Marcus, Vas Blackwood, Vera Day, Alan Ford, Danny John-Jules, Victor McGuire, Jake Abraham, Rob Brydon, Steve Collins e Steve Sweeney

Comentários

  1. Excelente avaliação e crítica. Fiquei muito interessada e bou assistir. Obrigada pela crônica.

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    1. Muito obrigado. Espero que goste do filme. É ótimo ter você acompanhando a Crônica de Cinema.

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