O Dorminhoco: descongelaram o judeu novaiorquino neurótico politicamente incorreto!

O Dorminhoco: direção de Woody Allen
UM OLHAR NOSTÁLGICO PARA O FUTURO
Como foi que deixamos o mundo ficar tão aborrecido? Reduzimos o espaço reservado ao humor e permitimos que a rabugice politicamente correta se esparramasse pelos vasos comunicantes da cultura popular; sobrou apenas a sisudez dos conteúdos que se levam a sério demais e não admitem críticas nem julgamentos. A mídia mainstream se esqueceu como se faz sátira, blague, paródia, humor negro, pastelão, stand-up... Quando queremos dar boas risadas, tudo o que nos resta são as comédias infantilizadas, com tiradas picantes, bordões manjados e escatologias apelativas...Hoje em dia, fazer humor é perigoso: no Brasil, dá até cadeia! Quem se atreve a ser humorista precisa, antes de tudo, acertar-se com um bom advogado – ou mais eficientemente, com algum juiz poderoso! E se antes de pisar no palco, o pretencioso espiar a plateia pela fresta da cortina, ouvirá ameaças taxativas:
– Deus me livre tropeçar em piadas ofensivas! (Traduzindo: todas as opiniões contrárias às minhas crenças ideológicas serão tomadas como ofensas).
– Não venham atacar minhas prerrogativas identitárias! (Traduzindo: qualquer crítica ao meu comportamento ou ao meu caráter será entendida como ataque frontal à minha escolha de gênero, classe social, raça ou posicionamento político).
– Nada de fazer piada com coisa séria (Traduzindo: é melhor guardar suas opiniões para você mesmo, porque só queremos saber do que pode dar certo – não temos tempo a perder!).
Na plateia, enquanto rimos de nervosos – será que rir ainda é permitido? –, o humorista pisa nos ovos que a pós-modernidade espalhou pelo palco; rende-se à gravidade, ao peso exorbitante das regras de etiqueta, enquanto faz um humor cauteloso, insosso e genérico. Há meio século, o cardápio era outro: ácido, provocativo, espontâneo, constrangedor, zombeteiro... Exatamente como podemos degustar em O Dorminhoco, filme de 1973 dirigido por Woody Allen – o quarto filme realizado pelo diretor, numa época em que estava empenhado apenas em ser reconhecido como um dos melhores comediantes americanos.
O Dorminhoco é uma comédia farsesca, que flerta abertamente com o pastelão, mas vem salpicada com uma infinidade de piadas inteligentes, disparadas em ritmo veloz. A história é ambientada no futuro e mostra como Miles Monroe (Woody Allen), um clarinetista amador que se reveza entre o jazz e a administração da sua loja de alimentos naturais, vai parar num hospital para se submeter a uma cirurgia simples; acaba congelado, submetido a métodos criogênicos. O infeliz só acorda 200 anos depois, por obra de cientistas desesperados: como é o único humano sem identidade biométrica rastreável, poderá ajudar um grupo de rebeldes a derrubar o governo despótico, exercido por um big brother totalitário. Miles se mete em uma distopia futurista recheada de confusões revolucionárias e se envolve emocionalmente com a socialite Luna Schlosser (Diane Keaton), mas terá que disputá-la com Erno Windt (John Beck), o líder rebelde.
O roteiro de O Dorminhoco foi escrito por Woody Allen em colaboração com Marshall Brickman – humorista com grande experiência na televisão e que também colaborou nos roteiros de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Manhattan. Aqui, porém, a dupla ficou à vontade para desfiar uma escrachada crítica social, enquanto cutucam os temas espinhosos da política, dos costumes e da cultura – os espectadores mais sensíveis ficarão horrorizados e por certo encontrarão algum bolor nas piadas, que não poupam nada nem ninguém. O filme também faz referências diretas a outras distopias, como 1984 e Fahrenheit 451, mas consegue extrair comicidade de onde elas só irradiam drama e aflição.
Ao ambientar O Dorminhoco no longínquo ano de 2173, Woody Allen conseguiu enveredar por um estilo visual limpo e elegante, que lhe permitiu desenvolver uma comédia mais identificada com a performance dos grandes clássicos do humor, como Charlie Chaplin e Buster Keaton. Sua comédia pastelão, entretanto, é moderna e sofisticada; seu consagrado senso de humor irônico irradia inteligência e abre espaço para que o judeu novaiorquino neurótico, que reconhecemos de outros filmes, continue nos arrancando boas risadas.
Nos cartazes promocionais de O Dorminhoco, podemos ler que “Woody Allen lança um olhar nostálgico para o futuro”. É o que o diretor insinua ao utilizar uma trilha sonora pontuada por jazz ao estilo ragtime e um visual acelerado, inspirado nas pantomimas do cinema mudo. Mas a sociedade futurista que ele desenha chafurda em melancolia: o que vemos são máquinas de orgasmo, robôs gays, casas impessoais e desprovidas de aconchego, traquitanas tecnológicas desnecessárias... Há 50 anos ele achou que o futuro seria governado pela ignorância, pela mentalidade coletivista padronizada, pelo hedonismo e pela futilidade. Parece que suas previsões estão se realizando, 150 anos antes do que ele pensava!
Resenha crítica do filme O Dorminhoco
Título original: SleeperTítulo em Portugal: O Herói do Ano 2000
Ano de produção: 1973
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, John Beck, Mary Gregory, Don Keefer, John McLiam, Bartlett Robinson, Chris Forbes, Mews Small, Peter Hobbs, Susan Miller, Lou Picetti, Jessica Rains, Brian Avery, Spencer Milligan, Stanley Ralph Ross, John Cannon e Myron Cohen
Gostei muito da CRÔNICA, texto bem redigido, faz-me querer procurar o filme para assistir. OBG.
ResponderExcluirQue bom que gostou da crônica e fico feliz com o seu feedback positivo. Vale a pena conferir esse filme!
Excluir"O Dorminhoco" é mais uma entre inúmeras releituras - pelo cinema e pela tv - do conto "Hip Van Winkle" de Washington Irving publicada originalmente em 1819. Nesse conto da época das colônias, antes da independência dos EUA, o personagem que da titulo a historia sai de seu povoado e se aventura por uma floresta para caçar e acaba dormindo por muitos anos. Então acorda e vê um mundo totalmente mudado ao voltar para sua comunidade que o considerava morto. Entre outras coisas descobre que não se reverencia mais ao rei e que o pais é liderado por um presidente. Esta historia (que na verdade foi uma adaptação de antigas lendas de outros países- das quais o autor tomou conhecimento) já inspirou a muitos filmes. Foi dramatizada em um interessante episodio da serie "Teatro De Contos De Fadas"("Faerie Tale Theatre") dirigido por Francis Ford Coppola . Foi parodiada em episódios de series clássicas da tv como "Os Flintstones". E até inspirou releituras em estilo de ficção cientifica com o conceito de "criogenia "-como é o caso dessa comedia de Woody Allen. Penso que também serviu de inspiração para um certo filme de ficção cientifica - que combinou elementos de ação policial e comedia - do qual eu gostei muito :"O Demolidor"("Demolition Man") de 1993 Com Sylvester Stallone, Wesley Snipes e Sandra Bullock dirigido por Marco Brambilla. (Esse filme - que é subestimado por muitos que o consideram um filme banal de ação e "pancadaria" - a meu ver é muito subestimado sendo uma obra inteligente e repleta de referencias culturais engraçadas ao "Admirável mundo novo" de Aldous Huxley e outros ícones culturais). O filme de Allen é uma das minhas comedias favoritas desse diretor. Apenas lamento algumas piadas apelativas de péssimo gosto que eu preferia que não tivessem sido incluídas. Como a referencia injusta e pornográfica ao pregador Billy Graham insinuando uma ligação homossexual com Jesus Cristo. Uma piada totalmente ruim e forçada que não teria feito nenhuma falta. Allen infelizmente é um ateu que de tempos em tempos gosta de ridicularizar as religiões em seus trabalhos. Todavia -um grande filme. Criativo e engraçado e um dos melhores desse diretor -o qual hoje está com uma imagem um tanto desgastada pelas acusações de pratica de pedofilia por sua ex-esposa Mia Farrow.
ResponderExcluir"O Dorminhoco" é mais uma entre inúmeras releituras pelo cinema e pela tv do conto "Hip Van Winkle" de Washington Irving publicada originalmente em 1819. Nesse conto da época das colônias antes da independência dos EUA o personagem que da titulo a historia sai de seu povoado e se aventura por uma floresta para caçar e acaba dormindo por muitos anos. Então acorda e vê um mundo totalmente mudado ao voltar para sua comunidade que o considerava morto. Entre outras coisas descobre que não se reverencia mais ao rei e que o pais é liderado por um presidente. Esta historia (que na verdade foi uma adaptação de antigas lendas de outros países as quais o autor tomou conhecimento) já inspirou a muitos filmes. Foi dramatizada em um interessante episodio da serie "Teatro De Contos De Fadas"("Faerie Tale Theatre") dirigido por Francis Ford Coppola . Foi parodiada em series clássicas da tv clássicas como "Os Flintstones". E até inspirou releituras em estilo de ficção cientifica com o conceito de "criogenia "como é o caso desssa comedia de Woody Allen. Penso que também serviu de inspiração para o filme de ficção cientifica que combinou elementos de ação policial e comedia do qual eu gosto muito :"O Demolidor"("Demolition Man") de 1993 Com Sylvester Stallone, Wesley Snipes e Sandra Bullock dirigido por Marco Brambilla. (Esse filme que é vistos por muitos como um filme banal de ação e pancadaria a meu ver é muito subestimado sendo uma obra inteligente e repleta de referencias culturais engraçadas ao "Admirável mundo novo" de Aldous Huxley e outras referencias culturais. O filme de Allen é uma das minhas comedias favoritas desse diretor. Eu apenas lamento algumas piadas apelativas de péssimo gosto que eu preferia que não tivessem sido incluídas como a referencia injusta e pornográfica ao pregador Billy Graham insinuando uma ligação homossexual com Jesus Cristo. Uma piada totalmente ruim e forçada. Allen infelizmente é um ateu que de tempos em tempos gosta de ridicularizar as religiões em seus trabalhos. Todavia -um grande filme. Criativo e engraçado e um dos melhores desse diretor-o qual hoje está com uma imagem um tanto desgastada pelas acusações de pratica de pedofilia por sua ex-esposa Mia Farrow.
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