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Nada de Novo no Front: jovens matando jovens numa guerra sem sentido

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Nada de Novo no Front: direção de Edward Berger ENFIM, UMA ADAPTAÇÃO ALEMÃ DESSE CLÁSSICO ANTIGUERRA O título do livro Nada de Novo no Front , escrito em 1929 por Erich Maria Remarque, tem ligação direta com seu epílogo. O protagonista, o recruta Paul Bäumer, encontra seu trágico destino alguns dias antes do término da guerra, de modo corriqueiro, num dia tão calmo, que o relatório do exército se limitou a reportar que não havia nada digno de nota acontecendo no front de batalha. Tal ironia não é sequer citada no remake de Nada de Novo no Front , realizado em 2022 pelo diretor alemão Edward Berger. Outras passagens do livro também são omitidas no filme, enquanto grande quantidade de detalhes são acrescentados livremente pelo diretor e seus corroteiristas, o que levou muitos críticos a questionar a qualidade dessa adaptação. Mas Berger tem argumentos para sustentar o posicionamento que assumiu – talvez, além da adequação às necessidades dramáticas da narrativa audiovisual, o mais sólido

O Melhor Lance: romance e suspense no sofisticado mundo da arte

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O Melhor Lance: direção de Giuseppe Tornatore NO AMOR E NA ARTE, O FALSO E O AUTÊNTICO SE CONFUNDEM Giuseppe Tornatore se tornou um dos nomes mais aclamados do cinema italiano. Seu Cinema Paradiso , filmado como uma sincera homenagem à sétima arte, arregimentou fãs incondicionais no mundo todo e o consagrou como cineasta sensível e habilidoso em lidar com as forças emocionais dos seus personagens. Sua parceria com o compositor Ennio Morricone, que rendeu nove longas e vários comerciais, ajudou a consolidar seu estilo envolvente e fortemente agarrado às tradições do audiovisual italiano. Assim, quando realizou O Melhor Lance , em 2013, o fez cercado de expectativas, tanto por parte da crítica como dos cinéfilos: seria seu primeiro filme falado em inglês! Mais que isso, seria seu primeiro filme digital! Como Tornatore se sairia longe da prosódia que dá sabor ao idioma italiano e sem a sensação tátil que nos chega vibrante por meio do celuloide? Muito bem, devo dizer!           O segredo

Ran: épico sobre um senhor da guerra enlouquecido

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Ran: direção de Akira Kurosawa O CINEMA ENCONTRA SUA ELOQUÊNCIA NO VISUAL Convulsões políticas me põem angustiado. Elas me obrigam a refletir sobre essa falsa dicotomia entre o individual e o coletivo. Desde que fui apresentado à alteridade, ainda nas fraldas, aprendi a enxergar os indivíduos que me cercam. A coletividade, essa abstração enevoada, começou a tomar forma na adolescência, mas só ganhou nitidez em momentos específicos: a vibração da plateia num show de rock, as vestimentas da moda imperando nas vitrines, a explosão no momento do gol... Virou habitat natural para os interesses midiáticos. A necessidade de fazer escolhas políticas, porém, sempre tentou se impor, atropelando feito manada de búfalos destrambelhados, com o propósito de abafar as manifestações individuais. Sempre tentou, mas jamais conseguiu. Somos indivíduos, lidando com a realidade nas dimensões física, psicológica e espiritual. A coletividade só existe como somatória de indivíduos e sempre que o sistema tenta

Encontro Marcado: explicando para a morte qual é o sentido da vida

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Encontro Marcado: direção de Martin Brest SE TIVESSE MAIS COMÉDIA, SERIA MELHOR O que poderia dar errado? Você tem dois atores no auge da popularidade, que atuaram juntos em 1994 no sucesso Lendas da Paixão . Você tem um diretor festejado em Hollywood, que contabilizou em 1992 o estrondoso sucesso comercial chamado Perfume de Mulher . Você tem uma história charmosa, filmada e testada pela primeira vez em 1934, com o título de Uma Sombra que Passa – Death Takes a Holiday , no original. Você tem um certo verniz de dramaturgia, que marcou o teatro com a peça La Morte in Vacanza , escrita em 1923 pelo italiano Alberto Casella. Mas esse histórico de sucesso de nada adiantou quando Encontro Marcado , filme de Martin Brest, foi lançado em 1998: o ceifador cobrou seu preço nas bilheterias e o diretor ficou em maus lençóis com os executivos do estúdio – estourou cronogramas, foi além do orçamento e entregou um filme excessivamente longo, que desagradou a audiência e os exibidores.           Pa

Independence Day: trazendo a fantasia para o mundo real

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Independence Day: direção de Roland Emmerich LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA, DURANTE O FERIADO AMERICANO Para quem vive na Região Sul, como é meu caso, o mês de julho tem as feições do inverno. As temperaturas baixas nos obrigam a tirar do guarda-roupa os casacos mais pesados e as bebidas quentes se tornam as mais apreciadas. Enquanto isso, lá no hemisfério norte, dá-se o oposto: o verão representa a cara das férias e da diversão. É quando a indústria do cinema aproveita para lançar seus filmes arrasa-quarteirão, na certeza de alcançar as maiores bilheterias. Naquele 2 de julho de 1996, a aposta vencedora foi Independence Day , dirigido por Roland Emmerich. Nunca a expressão arrasa-quarteirão – ou blockbuster, como preferem os anglófonos – foi tão bem empregada. Os trailers exibidos à exaustão, mostravam a Casa Branca sendo pulverizada por raios alienígenas e a cidade de Nova Iorque sendo reduzida a escombros, num realismo desconcertante. Durante semanas, não se falou de outra coisa.        

Interestelar: um banho de ciência!

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Interestelar: direção de Christopher Nolan QUANDO CINEASTAS E CIENTISTAS TRABALHAM EM PARCERIA Há inúmeras maneiras pelas quais a vida pode se extinguir na Terra: erupções solares, mudanças no escudo magnético que nos protege da radiação cósmica, impactos de meteoros e cometas... Nosso planeta, da maneira como nos valemos dele hoje, está destinado a desaparecer. É questão de tempo. Portanto, se temos pretensão de continuar existindo, teremos que nos aventurar no espaço e encontrar outros mundos colonizáveis. Essa noção é o motor da epopeia humana em busca de conhecimento científico e, em última instância, da própria corrida espacial, que já nos legou importantes conquistas. É também o motor de vários filmes de ficção científica, que há décadas têm nos colocado íntimos do espaço sideral, seus perigos e desafios.           O gênero encontrou no cinema um suporte perfeito para se desenvolver. Enquanto a literatura, para misturar especulação científica, drama, ação, mistério e suspense, co

O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford

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O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford: direção de Andrew Dominik UM DOS VISUAIS MAIS CAPRICHADOS DAS ÚLTIMAS DÉCADAS Certa vez me perguntei: como seria um western realizado por Stanley Kubrick? Um diretor minucioso como ele, obsessivo em alcançar a excelência visual e compenetrado em encontrar o tom certo das adaptações literárias que escolhia abraçar, certamente teria muito a acrescentar ao gênero. Quando assisti ao filme O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford , dirigido em 2007 por Andrew Dominik, compreendi a resposta: um bangue-bangue com a assinatura do mestre seria assim, denso, dramático e dedicado a investigar os personagens em profundidade. Exalaria uma atmosfera provocativa e imporia um cinema audacioso, mais interessado em declamar para além dos cânones recitados pelos grandes diretores do gênero. Exatamente como Dominik conseguiu realizar. Não que o diretor neozelandês tenha seguido à risca os passos de Kubrick. Ele tem personalidade própria e

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