O Escritor Fantasma: um thriller de suspense com toque noir

Cena do filme O Escritor FantasmaO Escritor Fantasma: dirigido por Roman Polanski

AH, CLARO... SÓ PODIA SER DO POLANSKI!

Tive um dia atarefado, escrevendo conteúdo para o site de um cliente e tentando – mais uma vez – estruturar o canal da Crônica de Cinema no YouTube. Para relaxar, peguei o controle remoto e me acomodei no sofá. Já bastante sonolento, comecei a zapear num ato reflexo. De repente, fui fisgado por uma cena lindamente fotografada, onde o ator Ewan McGregor circulava por uma incrível mansão de arquitetura moderna e arrojada. O enquadramento cuidadoso e os movimentos precisos da câmera me fizeram pensar – Uau! Esse diretor sabe o que faz. Merece atenção!
        É nesses momentos que ergo as mãos para o céu e agradeço pela tecnologia que hoje está à disposição dos cinéfilos. Cliquei no botão para retomar a programação ao vivo e me preparei para assistir ao filme desde o início. Porém, estava tão sonolento que só me dei conta de onde estava me metendo quando o título ficou nítido diante dos meus olhos. Despertei de vez! Era nada menos que O Escritor Fantasma, realizado em 2010 por Roman Polanski! Que sorte a minha!
        Ainda não conhecia esse filme. Isso pode soar estranho dito por um fã incondicional da obra do Polanski, mas se você parar para pensar, é até um privilégio. Quem é cinéfilo de verdade sabe o quanto é prazeroso assistir a um bom filme pela primeira vez. E posso garantir, aproveitei cada momento.
        O Escritor Fantasma é uma retomada de Polanski ao universo dos thrillers de suspense, com pitadas de cinema noir e uma trama envolvendo políticos e corrupção. É uma produção vistosa, muito mais pelo esmero na concepção visual do que pela dotação orçamentária. Traz uma narrativa elegante e envolvente, onde o diretor se diverte lidando com as convenções do gênero, mas também tem o cuidado de ultrapassá-las para surpreender o espectador.
        O filme nos conta a história de um escritor inglês, interpretado por Ewan McGregor, que atua como ghost writer de celebridades e artistas da cultura pop. Por intermédio do seu agente Rick Ricardelli (Jon Bernthal) é contratado para completar o livro de memória do ex-primeiro ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan), cuja escrita estava paralisada, já que o ghost writer anterior aparecera morto em circunstâncias suspeitas. Em pouquíssimo tempo o nosso protagonista sem nome deixa Londres e vai para os Estados Unidos – mais precisamente para a tal mansão exuberante em Martha's Vineyard, no estado de Massachusetts – onde passa a trabalhar dentro de rígidos protocolos de segurança, para cumprir um cronograma apertado. É claro que ele se envolverá com a mulher de Lang, a atormentada Ruth (Olivia Williams). É claro que deixará a curiosidade sobre o que aconteceu com seu antecessor interferir no trabalho. É claro que o ex-primeiro ministro tem segredos comprometedores... Em pouco tempo o escritor fantasma está envolvido em uma trama arriscada, onde sua própria vida estará em risco.
        O Escritor Fantasma é uma adaptação do romance The Ghost, escrito por Robert Harris, um bem-sucedido autor de best-sellers com larga experiência na crônica política britânica. O próprio Harris escreveu o roteiro, com a intervenção de Polanski, que como sempre acrescenta sua visão pessoal, respeitando a integridade da obra adaptada. O trabalho em conjunto resultou numa obra aprimorada, que segue a estrutura do romance sem reduções, mas traz aprimoramentos narrativos mais adequados ao cinema. No livro, a história é narrada na primeira pessoa, pelo narrador onisciente. No filme não há narrador, mas a sensação de onisciência permanece, já que o protagonista parece calcular as consequências das suas decisões.
        A trama política em O Escritor Fantasma segue de forma incidental. O personagem Adam Lang – que lembra muito o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair – esteve envolvido com a operação de invasão ao Iraque em 2003 e compartilhou interesses obscuros com políticos americanos durante a Guerra ao Terror. Mas Polanski preferiu concentrar sua energia cinematográfica na fluência narrativa. Realizou um thriller noir temperado com alguns elementos políticos e brincou o quanto pôde com a expectativa da plateia. Extraiu ótimas atuações de todo o elenco e transformou o manuscrito do livro num elemento vivo nas mãos do escritor fantasma. Também fez da mansão em Martha's Vineyard um ponto de ancoragem para toda a narrativa, explorando o potencial das incríveis locações que escolheu.
        E é no final de O Escritor Fantasma que podemos ver Polanski exercendo seu domínio da linguagem do cinema, colocando sons e imagens a serviço da história – e não a serviço de exibicionismos fúteis. Não darei spoilers, mas o leitor que já assistiu ao filme saberá do que estou falando. Quem não assistiu, recomendo que dedique um tempo para apreciar esse thriller de suspense elegante e envolvente.
        É como disse lá no começo: esse diretor sabe o que faz. Sempre merece atenção!

Resenha crítica do filme O Escritor Fantasma

Título original: The Ghost Writer
Ano de produção: 2010
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Robert Harris e Roman Polanski
Elenco: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, Kim Cattrall, Tom Wilkinson, Timothy Hutton, Jim Belushi e Eli Wallach

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