Um Crime de Mestre: um honesto suspense de tribunal

Cena do filme Um Crime de Mestre
Um Crime de Mestre: dirigido por Gregory Hoblit

TIRANDO PROVEITO DO EMARANHADO JURÍDICO

Lá pelos doze anos, quem me estimulou para a leitura foi Sherlock Holmes. As histórias do famoso detetive e seu assistente, Doutor Watson, mantinham-me ocupado por horas nas tardes de férias. Foi nas páginas escritas por Sir Arthur Conan Doyle que encontrei a comprovação: o crime não compensa, mentira tem perna curta e não existe crime perfeito! Qualquer criminoso arrogante sempre deixará pistas na cena do crime, que gritarão na direção da verdade. Basta usar as ferramentas da dedução para montar o quebra-cabeças e fechar o circuito lógico.
        Quando virava a última página do livro e encontrava a palavra “fim”, começava uma nova aventura: a de tentar imaginar como o autor havia construído tão intrincada história. A única possibilidade, conforme minhas próprias deduções lógicas, era seguir o caminho reverso: bolar primeiro a trama e criar os detalhes do crime; depois, era só inventar as pistas que seriam deixadas pelo criminoso. Na hora de contar a história, bastaria assumir o ponto de vista do detetive. Ah, falar assim faz parecer fácil, mas logo percebi que tal tarefa exige mais do que imaginação; demanda muita pesquisa, longas horas de dedicação e experiência de vida para conquistar a credibilidade do leitor – que percorre frase por frase com o espírito crítico armado, na torcida para encontrar uma falha (por menor que seja), que fará desmoronar toda a construção.
        Quando cresci, compreendi que crime perfeito não é aquele cometido sem deixar pistas que delatem seu autor, mas sim, aquele cuja autoria não pode ser provada. Podemos estar convictos sobre quem o cometeu e de que maneira, mas não conseguimos colocar o bandido na cadeia, porque o danado descobriu como manipular o sistema jurídico do estado! O ardiloso soube se aproveitar do asqueroso emaranhado burocrático criado pelos legalistas, para dar um nó no bom senso; nos fez de perfeitos idiotas, vítimas da nossa própria ingenuidade em acreditar que um sistema imperfeito é capaz de fazer justiça.
        É nessa linha que segue o filme Um Crime de Mestre, dirigido em 2007 por Gregory Hoblit. Está mais para um drama de tribunal, mas lida com a cena de um crime e nos faz torcer para que o assassino termine por receber o castigo que merece. O diretor já tem experiência no gênero: dirigiu os filmes As Duas Faces de um Crime e A Guerra de Hart, ambos sobre os rituais dos julgamentos e a manipulação dos trâmites legais. Vamos à sinopse!
        Ted Crawford (Anthony Hopkins) é um empresário do setor aeronáutico que voa nas asas do sucesso e leva uma vida abastada em Los Angeles. Logo no começo do filme, ele já sabe que Jennifer (Embeth Davidtz), sua mulher, tem um caso. Chega a espionar os amantes num hotel e vai para casa mais cedo. Quando a infiel chega na mansão ele já a espera com uma arma; atira nela sem cerimônia, com assustadora frieza. Segue um processo tão meticuloso, que não deixa dúvidas: ele tem um plano! Calculista, aguarda a chegada da polícia; é quando descobrimos que o amante da vítima é justamente o detetive de polícia Robert Nunally (Billy Burke), que entra na mansão para negociar a rendição do assassino. Crawford é preso, assina uma confissão e vai a julgamento, mas dispensa o advogado. Decide conduzir a própria defesa. Na ponta da promotoria pública, entra em cena o jovem e ambicioso advogado Willy Beachum (Ryan Gosling), que acaba de conquistar um importante emprego na iniciativa privada e não vê a hora de desfrutar o sucesso. Willy trata o caso com displicência e permite que Crawford vire o jogo. O criminoso consegue anular sua confissão, mostra que não há provas de que tenha cometido o crime e coloca em dúvida a idoneidade do detetive, que tinha um caso com sua mulher. Com o orgulho ferido, o jovem Willy decide comprar a briga jurídica com o astuto Crawford, que age no tribunal com a segurança de quem sabe que cometeu o crime perfeito.
        A ideia para Um Crime de Mestre partiu do escritor e roteirista Dan Pyne, que imaginou uma história onde um assassino representa a si mesmo no tribunal. A partir do argumento, o roteirista Glenn Gers desenvolveu a história para que ela não resultasse num mero filme de tribunal. Primeiro, fez várias pesquisas para alcançar verossimilhança no conteúdo jurídico do filme, depois, criou um hobby para o assassino. Ted Crawford seria construtor de traquitanas complexas, composta por estruturas metálicas precisas, que colocam pequenas bolas de cristal em movimento. O diretor Gregory Hoblit soube materializar tais construções em peças artísticas, apresentadas ao longo do filme como metáforas para a mente aguçada do assassino.
        Anthony Hopkins e sua assustadora estampa como vilão, gravada na mente do público desde que interpretou o doutor Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes, é a grande atração do filme. Ryan Gosling faz um excelente contraponto; convence no papel do jovem ambicioso que perdeu o primeiro round, mas não está disposto a entregar os pontos. O grande pecado do filme é ficar na superfície dos estereótipos, sem se aprofundar nos aspectos emocionais e psicológicos dos personagens. No final, chegamos ao veredito: os realizadores apenas se preocuparam em nos entregar uma obra de entretenimento. Tiveram a sorte de contar com um elenco afiado.

Resenha crítica do filme Um Crime de Mestre

Título original: Fracture
Ano de produção: 2007
Direção: Gregory Hoblit
Roteiro: Daniel Pyne e Glenn Gers
Elenco: Anthony Hopkins, Ryan Gosling, David Strathairn, Rosamund Pike, Embeth Davidtz, Billy Burke, Cliff Curtis, Fiona Shaw, Bob Gunton, Josh Stamberg, Xander Berkeley e Zoe Kazan

Comentários

  1. Adorei o teu texto! Muito bom.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Fábio. Você realmente sabe escrever e instigar o leitor

    ResponderExcluir
  3. Gostaria de poder assistir. Sistema emaranhado sóe (?!) ocorrer .

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Confira também:

O Despertar de uma Paixão: ao final, muitas reflexões

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema