Logan: filme de 2017 mostra o ocaso de Wolverine

Cena do filme Logan
Logan: filme dirigido por James Mangold

PARA OS FÃS QUE GOSTARIAM DE VER O PERSONAGEM COM MAIS PROFUNDIDADE DRAMÁTICA

Acordei, olhei minha imagem no espelho enquanto cuspia a espuma azulada de uma droga de pasta de dente que comprei por engano e sacudi a cabeça, num gesto irritado de negação: estou ficando velho e rabugento! Quisera que fosse mais rabugento do que velho, mas temo que o tempo esteja vencendo essa corrida. Na noite anterior havia assistido ao filme Logan, dirigido em 2017 por James Mangold e ainda estava atordoado com aquele rápido mergulho no mar raso dos filmes de super-heróis. Por insistência da minha filha – ela jurou que esse era menos infantilizado - resolvi encarar o desafio.
        Antes que o leitor me acuse de preconceituoso, deixe-me esclarecer: adoro histórias em quadrinhos e as considero uma arte narrativa riquíssima. Já consumi muitos quadrinhos e muita literatura sobre o assunto. Já assisti a vários filmes de super-heróis e outros originados dos quadrinhos e me deliciei quando foram adaptados para as telas. Já me diverti muito nesse parque convidativo, mas foi há alguns anos, quando a humanidade ainda não estava nesse “estágio evolutivo”, em que a guerra entre estúdios arregimentou hordas inteiras de superpoderosos, numa luta feroz pela conquista territorial de todas as salas de cinema e serviços de streaming do planeta... Sim, minha primeira crítica é que o gênero só faz oferecer mais do mesmo. Saturou! Mas é a minha segunda crítica que vai gerar polêmica:
        Vejo que há em curso um plano maligno, conduzido pela indústria cultural, para infantilizar a nossa população. E ele está tendo êxito! Vejo jovens de 20 e até 30 anos interessados apenas por filmes feitos para crianças de 12, discutindo miudezas como se fossem relevantes, expostos a tramas com profundidade emocional que não chega na altura das canelas... Nada de dilemas morais, nada de conflitos existenciais, nada de carga dramática. Emoções, só as primárias. Fluxo narrativo, só a estrutura básica. Construção de personagens, só com estereótipos...
        – Ah, deixe de ser ranzinza, é só entretenimento – podem alegar os jovens em sua defesa.
        – Claro! Está tudo certo quando você tem 12 anos, mas aos 20 ou 30... – poderia retrucar. Mas concordo que seria tolice entrar nesse jogo infantil, então vamos voltar a falar de cinema!
        O filme Logan tem pontos positivos. Primeiro, é dirigido com virtuosismo por James Mangold, diretor talentoso e experiente, que tem no currículo filmes como Ford vs Ferrari, Os Indomáveis e Johnny & June. Outro ponto interessante: foi em parte baseado na graphic novel de Mark Millar, intitulada Wolverine – O Velho Logan, que apesar de chafurdar no universo da Marvel Comics tem ótimo tratamento gráfico e uma atitude mais... madura! E outra qualidade que encontrei foi a excelente ideia de usar recursos de metalinguagem. Os realizadores inseriram na trama cenas onde os X-Men não passam de super-heróis dos quadrinhos, causando estranheza e arrancando o espectador da sua confortável posição de mero consumidor de entretenimento. Na poltrona, fica obrigando a... pensar.
        Antes de continuar, vamos à sinopse: no futuro nada distante de 2029, quase não há mutantes – os poucos que restam são caçados. Velho, rabugento, doente e entregue às bebidas, Logan (Hugh Jackman) virou motorista de limosine. Também virou cuidador do velho caduco Charles Xavier (Patrick Stewart), tomado pelo Alzheimer e incapaz de controlar seu outrora poderoso cérebro. A rotina da dupla muda, quando entra em cena a garotinha de 12 anos Laura (Dafne Keen), mutante que parece uma cópia de Logan quando era criança. Ela traz na sua cola um bando de paramilitares desalmados, a mando de geneticistas inescrupulosos, que só querem acabar com a raça de todos, com requintes de violência. Pronto, está armado o cenário para muitos tiros, perseguições, lutas, decapitações e fúria sanguinária.
        Logan veio para atender as expectativas dos fãs de Wolverine, que ansiavam ver o personagem desenvolvido com alguma profundidade nas telas do cinema. É um filme de ação, com alma de western: coloca os personagens na frente do enredo e segue uma narrativa simples e econômica. O diretor James Mangold é perspicaz em sua adaptação. Mantêm-se fiel ao cânone recitado pelos fãs do personagem, mas não se furta a lançar mão de recursos que lhe permitam contar a história no seu estilo. Duas decisões foram cruciais: alterou sua classificação etária, para barrar os menores nas salas de exibição e transportou a história para o futuro, longe de toda a trama armada na enorme quantidade de filmes já produzidos pela Marvel. 
        James Mangold escreveu o tratamento inicial para o filme Logan, onde estabeleceu a ideia inicial e o conceito que lhe deu forma. Depois foi a vez do roteirista Michael Green – que também roteirizou Alien: Covenant e Blade Runner 2049 – ampliar o tratamento. Finalmente, veio o roteirista Scott Frank – que também roteirizou Minority Report e O Vôo da Fênix – e aprofundou a história, acrescentando ideias que entraram no roteiro de fato filmado.
        Tenho que concordar que o filme Logan elevou o grau de maturidade exigido para a plateia. Acompanhá-lo do começo ao fim não é difícil, pois a produção, comercial competente e esmerada, está empenhada em proporcionar momentos de bom entretenimento – ainda que para um público bem específico. Mas, a infantilidade do universo Marvel e seus concorrentes está toda lá, reduzindo o cinema a um chiclete, a ser mastigado com movimentos vegetativos até que o docinho acabe. O filme não segue leis próprias nem demonstra autonomia criativa. Faz parte de um mosaico gigantesco, uma colcha de retalhos costurada para encobrir o público e mantê-lo conservado na tenra idade dos 12 anos.
        É... Acho que estou ficando velho e rabugento!

Resenha crítica do filme Logan

Ano de produção: 2017
Direção: James Mangold
Roteiro: Michael Green, Scott Frank e James Mangold
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Richard E. Grant, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Dafne Keen e Jason Genao

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