Estamos virando ouvintes desatentos
QUEM NUNCA ERROU A LETRA DE UMA CANÇÃO, OU ARRISCOU UM INGLÊS FAKE? O rapaz esparramado no assento do ônibus, bocejando de sono a caminho da primeira aula, ajeita os fones de ouvido que o conectam ao celular. Os sons que ele escuta nenhum outro ser humano na face da terra compartilha. Outros podem ter escolhido a mesma canção, mas somente ele decidiu iniciá-la naquele dado instante. Não há sincronismo nem simultaneidade. Não há a necessidade de sintonizar transmissões públicas. Não há razão para se submeter à ditadura do gosto coletivo. Acostumado a ouvir apenas o que gosta, no momento em que bem entende, o rapaz não se dá conta de que desfruta um privilégio. Houve um tempo em que as oportunidades de ouvir uma canção – qualquer canção – eram raras. Antes das técnicas de gravação, só mesmo nas performances ao vivo, executadas na igreja, nas festas, no teatro ou em salas de concerto. Quantas vezes, ao longo da vida, um sujeito conseguia ouvir uma determinada obra musical? Três?