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Estamos virando ouvintes desatentos

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QUEM NUNCA ERROU A LETRA DE UMA CANÇÃO, OU ARRISCOU UM INGLÊS FAKE? O rapaz esparramado no assento do ônibus, bocejando de sono a caminho da primeira aula, ajeita os fones de ouvido que o conectam ao celular. Os sons que ele escuta nenhum outro ser humano na face da terra compartilha. Outros podem ter escolhido a mesma canção, mas somente ele decidiu iniciá-la naquele dado instante. Não há sincronismo nem simultaneidade. Não há a necessidade de sintonizar transmissões públicas. Não há razão para se submeter à ditadura do gosto coletivo.           Acostumado a ouvir apenas o que gosta, no momento em que bem entende, o rapaz não se dá conta de que desfruta um privilégio. Houve um tempo em que as oportunidades de ouvir uma canção – qualquer canção – eram raras. Antes das técnicas de gravação, só mesmo nas performances ao vivo, executadas na igreja, nas festas, no teatro ou em salas de concerto. Quantas vezes, ao longo da vida, um sujeito conseguia ouvir uma determinada obra musical? Três?

No Mundo de 2020: nos anos 70 a previsão era o caos total!

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No Mundo de 2020: filme dirigido por Richard Fleischer COMO NUM FILME, VIAJEI NO TEMPO! Decidido a me tornar engenheiro, conforme era desejo do meu pai, entrei na então Escola Técnica Federal do Paraná, para estudar eletrônica. Era 1976, ano em que completaria 16 anos. Logo nas primeiras semanas de aula, o cineclube da escola exibiu o filme No Mundo de 2020   (Soylent Green, no original), uma produção de 1973 dirigida por Richard Fleischer, que mistura ficção científica e trama policial numa realidade distópica, mas apresentada como uma previsão factível.           Inspirado num romance escrito por Harry Harrison, intitulado Make Room! Make Room! , o filme na verdade se passa em 2022, numa Nova Iorque entulhada com 40 milhões de habitantes – cinco vezes mais do que de fato tem hoje. Para alimentar tanta gente, num cenário caótico, o estado totalitário se vale dos tais Soylent Greens, tabletes de algas processadas, que se tornam a única refeição disponível para os cidadãos comuns. Acon

Inveja acaba com qualquer festa

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DESMASCARANDO OS INVEJOSOS Jamais imaginei que um dia estaria escrevendo sobre a inveja. Eis um tema ao qual nunca dei importância – proteger-me contra os invejosos era desnecessário, pois, na minha ingênua concepção, bastaria ignorá-los para manter suas vibrações danosas fora de alcance. Mudei de ideia quando nossa filha chegou de São Paulo para passar conosco as festas de final de ano.           Seu relato emocionado sobre o desagradável episódio que viveu dois dias antes, durante a festinha de natal da “firma”, nos deixou tensos e preocupados. Ludy e eu não conseguimos falar de outro assunto durante nossas caminhadas e, acreditem, essa conversa vai se estender por muitos quilômetros ainda.           – Que sujeito covarde – repeti diversas vezes enquanto seguíamos a passos apressados pelas ruas do bairro. Ludy, também muito irritada e com a autoridade de quem já conviveu com a inveja no trabalho, reforçou:           – Daqui pra frente ela vai ter que tomar muito cuidado com esse cara

Um Estranho no Ninho: um criminoso afrontando o sistema

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Um Estranho no Ninho: filme dirigido por Milos Forman MAIS DO QUE ENVOLVENTE, HIPNOTIZA! Cinéfilo confesso, adoro escrever sobre filmes. Para alimentar a Crônica de Cinema com textos semanais, revejo aqueles aos quais assisti há tempos, reavivando a memória. Fiz isso recentemente com Um Estranho no Ninho , dirigido em 1975 por Miloš Formam. Vibrei quando encontrei o título na grade de programação da TV por assinatura! Entretanto, o que vivi foi uma experiência inusitada: fiquei preso na trama, sem conseguir prestar atenção nas técnicas cinematográficas usadas pelo diretor.           Quando assisto a um filme, sempre deixo que as manipulações e as artimanhas narrativas venham roubar minha atenção. Analiso os movimentos de câmera, a escolha dos planos, a pertinência da trilha sonora, a construção das linhas de diálogo, a mise-en-scène... Dessa vez, porém, fui hipnotizado! Mergulhei tão fundo na história que não me importei com nada. Feito refém, tive que revisitar o filme no d

Um ano novo mais descolado

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HÁ MUITAS INCERTEZAS PAIRANDO SOBRE 2020 Começamos a circular pelo bairro disputando espaço com os motoristas apressados, que pareciam ansiosos por chegar logo na... virada de ano. Isso nos custou alguns minutos para acertar o passo e engrenar a velocidade de cruzeiro. Quem começou a conversa foi a Ludy:           – Final de ano parece que fica todo mundo louco!           De imediato entendi a mensagem nas entrelinhas. O que a estava incomodando não era só o trânsito nervoso e engarrafado de gente impaciente. Era também o mau humor de algumas pessoas próximas – e de outras não tão próximas – que no dia anterior chegou contaminando, tentou nos pôr para baixo e amanheceu marcando presença.           É intrigante como, nestas vésperas de feriados prolongados, aumenta a quantidade de pessoas que se irritam com facilidade. Dão sinais de estresse e se mostram intolerantes com qualquer picuinha. Sem se dar conta, seguem na contramão do espírito natalino. É claro que elas devem ter bons motiv

Caminhando com a Ludy

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ESTE BLOG É UMA EXTENSÃO DO MEU CAMINHAR COM A LUDY Oficialmente, Ludy e eu estamos casados há 36 anos, mas comemoramos no último dia 14 de dezembro o nosso 37º aniversário – adicionamos a essa conta os seis meses de namoro e os outros seis meses de noivado. O que acontece entre nós é que há um gostar de estar na companhia um do outro que faz o tempo passar depressa demais. Logo de cara descobrimos que nos amávamos. Na medida em que o cotidiano veio se impondo, esse amor foi tomando forma, aumentando, amadurecendo, ganhando concretude e se tornando vital.           Casal perfeito? Longe disso! Brigamos, nos magoamos mutuamente, fazemos as pazes, nos orgulhamos um do outro, nos irritamos um com o outro e cobramos um ao outro. Somos exigentes, condescendentes, perdoamos, impomos condições, rimos das nossas piadas, cuidamos um do outro e cada um do seu próprio nariz. Mas é da nossa natureza compartilhar tudo nessa vida, o que nos faz companheiros em tempo integral.           Passados 35

Estarei ouvindo coisas?

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Quem gosta de música acaba abrindo os ouvidos para detalhes que não soam claros no dia-a-dia             Talvez tenha passado tempo demais sob o sol escaldante que banha a MPB e agora esteja ouvindo... miragens. O fato é que quando ouço Stella by Starlight, interpretada por Miles Davis em Kind of Blues (Disco 2), tenho a nítida impressão de que o trompete dele toca em português.             Você não concorda comigo? Preste atenção! A acentuação das oxítonas, o fraseado envolvente, a prosódia quase familiar... É como se pudéssemos encaixar uma letra no português coloquial falado em botequins – ao pé do ouvido, depois da segunda dose! Stella by Starlight é um clássico americano, sem qualquer relação com o Brasil. Foi composta em 1944 e a quantidade de astros que a gravaram é incontável. Mas com essa gravação do Miles Davis, feita em 1958, poderia jurar que ela veio para nós, brasileiros, embalada para presente.             Admito que tratar uma canção americana, composta no idioma delic

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