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Mank: uma história real sobre cinema, para cinéfilos

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Mank: filme dirigido por David Fincher UM ÓTIMO FILME CONSTRUÍDO NOS BASTIDORES DE OUTRO ÓTIMO FILME   Mank é um filme sobre cinema. Se fosse uma canção, diria que é daquelas criadas para agradar os músicos ou iniciados, que conhecem teoria musical e harmonia, e são capazes de valorizar sutilezas técnicas. Na plateia, os leigos podem aplaudir a beleza do resultado final, mas não devotam paciência a detalhes aborrecidos. Certamente não conseguirão disfarçar os bocejos. Por outro lado, os cinéfilos que costumam enxergar além das histórias contadas pelos filmes – e que vêm a maneira como eles são feitos afetando seu conteúdo – encontrarão nesse filme um programa imperdível.           Dirigido por David Fincher, consagrado por filmes como Se7en: Os Sete Crimes Capitais , Clube da Luta e O Curioso Caso de Benjamin Button , Mank narra o drama do escritor Herman Mankiewicz, interpretado por Gary Oldman, que trabalhou como roteirista do filme Cidadão Kane – considerado o maior

O Preço de um Resgate: um remake ágil e envolvente

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O Preço de um Resgate: filme dirigido por Ron Howard DOSES GENEROSAS DE AÇÃO E AFLIÇÃO Sequestro é crime hediondo. Sequestro de uma criança, então, eleva a sordidez do criminoso à enésima potência! Um tal sequestrador renuncia à condição de humano e permite que o vejam como um monstro, digno dos castigos mais atrozes que pudermos imaginar. O cinema já tratou do tema em inúmeras produções, sempre explorando o turbilhão de dor e emoções envolvidos nesse tipo de história. O Preço de Um Resgate , filme de 1996 dirigido por Ron Howard, é mais um dos tantos, mas realizado com notável competência.           Trata-se de um remake do filme Decisão Amarga , de 1956, dirigido por Alex Segal. Nessa nova versão, Mel Gibson interpreta Tom Mullen, um milionário do setor de aviação, que vive o ápice do sucesso. Sua mulher Kate – vivida por Rene Russo – e seu filho Sean desfrutam despreocupados as benesses de uma vida tranquila e confortável. Isso muda rapidamente quando o garoto é sequestrado. O FBI é

Cães de Aluguel: o que há de novidade nesse Tarantino?

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Cães de Aluguel: filme dirigido por Quentin Tarantino O ESTILO TARANTINO DE FAZER CINEMA De quais substâncias é feita uma novidade? Originalidade? Ineditismo? Singularidade? Quando Quentin Tarantino escreveu e dirigiu Cães de Aluguel , em 1992, seu filme exalava novidade. Era diferente de qualquer outro já feito. Contava uma história brutal, mas o fazia com pitadas de humor, insinuando algo de improvisado e realizado com certo desleixo. Era uma obra que parecia não se levar a sério. Lembrava mais um mero fragmento do verdadeiro drama policial que tentava narrar.           Cães de Aluguel é um filme sobre um assalto bem-sucedido, realizado por um bando de homens que não se conhecem. Mas a ação, que nas mãos de um diretor convencional seria tratada como a cereja do bolo, foi solenemente ignorada por Tarantino. Ele prefere contar os fatos que acontecem após o assalto, quando se encontram em um galpão abandonado para dividir os diamantes roubados.           Mas onde, exatamente, está

Um Sonho de Liberdade: o tema é a redenção!

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Um Sonho de Liberdade: filme dirigido por Frank Darabont UM FILME DE PRESÍDIO QUE NÃO EXALTA A FAÇANHA DA FUGA Redenção. Eis a palavra que falta no título em português desse filme. Sua omissão rouba uma boa fatia de significado e nos leva a sentar na poltrona esperando acompanhar a saga de personagens ansiosos por liberdade. E para complicar, em se tratando de um filme sobre a vida num presídio, a palavra liberdade também vem amputada de significados e parece pronunciada apenas como antônimo de cárcere. Mas Um Sonho de Liberdade , filme de 1994 dirigido por Frank Darabont, está longe de ser um filme de presídio feito para exaltar a façanha da fuga. É um filme sobre... redenção!           Baseado no conto Rita Hayworth and Shawshank Redemption , escrito por Stephen King e publicado no livro Quatro Estações , o filme se tornou uma das mais celebradas produções do cinema e conquistou uma legião de fãs de todas as idades. Seu fracasso nas bilheterias, atribuído à concorrência d

Meu Pai: no final, as explicações estão na realidade e também no delírio

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Meu Pai: filme dirigido por Florian Zeller UM QUADRILÁTERO QUE SE ESTABELECE ENTRE PERSONAGEM, ATOR, DIRETOR E ROTEIRISTA Quando estava na faculdade, certa vez recebemos o ator Paulo Autran para uma palestra. Era um monstro sagrado do nosso teatro, que tinha a generosidade de falar aos estudantes de comunicação por onde passava. Nessas ocasiões, ele sempre dizia que “o teatro é a arte do ator, o cinema a do diretor e a TV a do patrocinador”. Jamais esqueci essa tirada e fiquei com ela em mente enquanto assistia ao filme Meu Pai , de 2020, dirigido pelo francês Florian Zeller. Pensei que estava vivendo uma experiência fronteiriça entre o cinema e o teatro, onde ator e diretor dividem o poder.          O filme  Meu Pai é sobre a demência que se apodera de um octogenário e não é preciso dizer mais do que isso para se ter uma sinopse aceitável. Mas é também sobre transpor teatro para o cinema e entregar ao espectador uma experiência sensorial convincente dessa demência. O diretor consegui

Radioactive: a história real de Madame Curie

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Radioactive: filme dirigido por Marjane Satrapi A PERSONAGEM BRILHA RADIANTE, GRAÇAS AO DESEMPENHO DA ÓTIMA ATRIZ Foi muito fácil clicar no play para assistir a esse filme. Bastou olhar a imagem da atriz Rosamund Pike e ler na sinopse que se tratava de uma cinebiografia de Marie Curie. Empolgados, Ludy e eu nos preparamos para bons momentos de entretenimento. Enquanto os créditos iniciais ainda eram exibidos, chegamos a especular sobre o imenso potencial dramático de um filme narrando as descobertas científicas de tão renomada personagem.           Mas a verdade é que sabíamos muito pouco sobre Madame Curie – o suficiente apenas para acertar as questões básicas nas provas do ensino médio. A personagem apresentada no filme Radioactive , realizado em 2019 por Marjane Satrapi, ganhou contornos claramente romanceados e surpreendeu pela personalidade forte e pela genialidade, mas também pelo forte senso de família e dedicação em viver uma intensa história de amor com Pierre, o igualmente ge

Ladrões de Bicicleta: valores de pai para filho

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Ladrões de Bicicleta: filme dirigido por Vittorio De Sica NEO-REALISMO NAS MÃOS DE UM DIRETOR COM TOTAL CONTROLE DA ESTÉTICA Quando assisti a Ladrões de Bicicleta , dirigido por Vittorio De Sica em 1948, foi no final dos anos 1970. Já era, portanto, um filme velho – ao menos do ponto de vista de um estudante de 17 anos, hipnotizado pelo cinema vibrante que se fazia na época. Aproveitei uma mostra sobre o neo-realismo italiano apresentada no cineclube da minha escola. A sessão foi revestida com um certo verniz intelectual e teve direito a debate no final, além de entediantes e demoradas interpretações, eivadas de clichês ideológicos, sobre o alcance social da obra e blablablá...           Na saída, o que trouxe comigo foi a história tocante de um pai tentando fazer o certo e um filho de mãos agarradas ao exemplo, apertando o passo para alcançar o que pudesse aprender. Esteticamente, é uma obra marcante, com a narrativa ancorada no discurso visual e realizada com grande sensi

Eu, Robô: filme mostra que a revolução da I.A. pode ser perigosa

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Eu, Robô: filme dirigido por Alex Proyas O VISUAL É ARREBATADOR, MAS O RESULTADO LEMBRA APENAS VAGAMENTE AS HISTÓRIAS DE ASIMOV Quando comecei a me tornar um leitor independente – aquele que não se detém às exigências das salas de aula – meu gênero preferido era o romance policial. Tinha uns 12 anos. Depois de ler alguns Sherlock Holmes e 007s, parti para os livros de ficção científica. Foi aí que Arthur C. Clark e Isaac Asimov se tornaram meus ídolos. O primeiro, cutucando minha imaginação de viajante espacial, o segundo, metendo medo com a ideia de que um dia os humanos deixarão de ser os habitantes mais inteligentes da Terra.           No cinema, Arthur C. Clark ganhava disparado de Isaac Asimov. O primeiro, tinha sido eternizado por Stanley Kubrick com o brilhante 2001: Uma Odisseia no Espaço . Já o segundo, tinha que se contentar com o raso Viagem Fantástica , de Richard Fleischer. Queria que Asimov virasse o jogo. Tentava imaginar como ficariam suas histórias de robôs transpostas

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