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Nyad: uma história real, com elementos de dramatização

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Nyad: direção de Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin CASAMENTO DE DRAMA COM DOCUMENTÁRIO Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin ficaram conhecidos por dirigir documentários como Free Solo e Meru , onde acompanham alpinistas destemidos em façanhas capazes de tirar o fôlego de qualquer espectador. O casal de documentaristas também dirigiu The Rescue , onde acompanharam o esforço da equipe de resgate que salvou 12 garotos e seu treinador, presos numa caverna alagada na Tailândia. A matéria-prima com a qual estão acostumados a lidar é, portanto, a verdade. Aquela que se exibe despudorada na tela, em sua crueza desconcertante. O mundo do esporte, território da tenacidade e da superação, é onde se sentem em casa. Assim, nada mais natural que tenham sido escolhidos para dirigir Nyad , filme de 2023 que celebra a proeza da nadadora de 64 anos Diana Nyad, famosa por ter saído de Cuba e chegado na Flórida, numa jornada de braçadas extenuantes que duraram 53 horas ininterruptas.           Em

Mãos Talentosas: A História de Ben Carson

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Mãos Talentosas: A História de Ben Carson JEITÃO DE CINEMA E SOTAQUE DE TELEVISÃO Quais são, afinal, as diferenças entre os filmes para cinema e aqueles feitos para a televisão? Hoje em dia, dada a qualidade dos aparelhos modernos, esta parece uma questão irrelevante, já que os filmes produzidos pelos grandes estúdios ficam tão bem na tela da sala de estar quanto na do cinema. Estatelado no sofá, diante de um telefilme ou de um grande clássico remasterizado, o cinéfilo pode experimentar a mesma sensação de estar numa sala de exibição. Portanto, a única razão para rotular uma produção como “feita para a televisão” parece ser o fato de que os realizadores não cogitaram a possibilidade de distribui-la nos circuitos de cinema. Esse é o caso de Mãos Talentosas: A História de Ben Carson , dirigido em 2009 por Thomas Carter.           Exibido originalmente pela TNT, o filme é um drama envolvente, como tantos outros que estreiam nas salas de cinema. Bem realizado, dirigido e interpretado, cont

Crescendo Juntas: adaptação aguardada de um livro encantador

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Crescendo Juntas: direção de Kelly Fremon Craig A ATEMPORALIDADE DA ADOLESCÊNCIA Sou brasileiro, tenho 63 anos, casado, pai de família... Um sujeito comum, nascido e crescido no habitat conservador que moldou os homens da minha geração. Que raios estava fazendo, sentado no sofá da sala, diante do filme Crescendo Juntas , dirigido em 2023 por Kelly Fremon Craig? Nos primeiros minutos me senti um alienígena, visitando um planeta esquisito, mas o desconforto passou ligeiro: como cinéfilo inveterado, senti o cheiro de bom cinema e tratei de aproveitar. Que filme delicioso!           Optei por escrever tal introdução para deixar claro que esse filme diz respeito ao universo feminino e que os homens – e os meninos! – talvez não se disponham a visitá-lo. Fiz tal visita, dividindo o sofá com Ludy e agora posso dar meu testemunho: já nem lembrava mais que Hollywood era capaz de produzir filmes assim, tão sensíveis, leves, refrescantes, encantadores... Minha mulher se divertiu tanto que nem viu

7 distopias

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QUANDO O INDIVÍDUO É ESMAGADO Já ouvi muitos cinéfilos falando sobre distopias, mas também já percebi alguns fazendo confusão: usam o termo para se referir a um filme de ficção científica, como se todo filme de ficção científica fosse uma distopia! Distopia é o exato oposto da... utopia! Lembro-me bem das aulas de história! Utopia, para se referir a uma construção social perfeita, sem conflitos, organizada por normas e instituições bem arquitetadas e empenhadas apenas em produzir cidadãos felizes, é um conceito criado pelo escritor inglês Thomas Morus, isso lá no começo dos anos 1500. De lá para cá, utopia virou sinônimo de quimera. De algo inalcançável, que jamais se concretizará. Comunismo, socialismo... Essas fantasias do século XIX!           Já a distopia é uma construção narrativa que segue na direção contrária: a da imperfeição! Descreve sociedades controladas com mão de ferro pelo estado, onde ao cidadão cabe apenas lamber as botas dos poderosos de plantão. Fala de realidades s

Nefarious: terror psicológico inteligente

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Nefarious: direção de Chuck Konzelman e Cary Solomon REVELANDO A VERDADEIRA NATUREZA DO MAL Filmes de terror jamais me empolgaram. Para me fazer ocupar uma poltrona na sala de exibição, o título precisa vir acompanhado de ótimas referências – dos amigos, da crítica especializada ou dos cinéfilos que seguem a Crônica de Cinema. No entanto, Nefarious , filme de 2023 dirigido pela dupla Chuck Konzelman e Cary Solomon, chamou minha atenção, porque chegou etiquetado pela mídia como... terror cristão! Fiquei curioso. Ainda não sabia da existência de tal subgênero – aqui, o termo cristão vem carregado com um certo tom pejorativo. Então, tratei de conferir!           Vamos colocar as cartas na mesa de uma vez: Nefarious é um filme de terror, mas um terror psicológico. Não busca provocar sustos nem nos fazer desviar o olhar diante de cenas macabras de horror sanguinário. É um filme religioso, porque trata da possessão demoníaca, tema que está presente nos fundamentos do catolicismo. Está sendo

1984: a data continua como um mau presságio

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1984: direção de Michael Radford AINDA NÃO FOI EM 1984, MAS... Estava com 23 anos em 1984. Já não era mais um estudante e labutava numa multinacional para fazer minha carreira na publicidade. Então aconteceu uma revolução! Um comercial inovador, dirigido por ninguém menos que Ridley Scott, invadiu nossas televisões e mudou o jeito de pensar a comunicação. O produto anunciado era um novo computador da Apple, batizado de Macintosh – nome de uma variedade de maçã cultivada na Califórnia. O roteiro, criado pelos publicitários Steve Hayden, Brent Thomas e Lee Clow, da agência Chiat\Day, usava como mote o romance 1984 , escrito por George Orwell.           Observe que este famoso comercial de TV, com apenas um minuto de duração, não foi feito para vender um computador, mas para vender uma ideia! Recria a perturbadora cena dos pálidos trabalhadores robotizados, que servem de audiência para uma imensa tela com a imagem ameaçadora do Big Brother. Mas então, acontece algo que não estava no scrip

Direto ao Conto - 3

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FRAGMENTOS Anselmo acordou cedo. Como de costume, sentou-se na beirada da cama e arrastou os pés, procurando os chinelos pelo chão. Primeiro o direito, depois o esquerdo. Seguiu para o banheiro e mijou demoradamente. Depois parou diante do espelho e começou a inspeção: as entradas da calvície, a simetria do bigode, os pelos brancos da barba... Sim, conseguia reconhecer a si mesmo. Sim, tinha plena consciência dos seus 79 anos. Sim, lembrava-se de que era quinta-feira, dia de diarista.           Nenhum sinal do temido Alzheimer!           Satisfeito, Anselmo se pôs a escovar os dentes. Quando terminou, concluiu que precisava acordar Isabel com um beijo. Ela iria adorar uma tal demonstração de carinho. A volta para o quarto, no entanto, foi um desajeitado tropeço na realidade. A cama estava vazia. Isabel já estava morta há quase dois anos!           Sentado na beirada da cama, Anselmo passou um bom tempo encarando a face do temido Alzheimer! -x- Lívia subiu correndo os primeiros lances

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