7 distopias


QUANDO O INDIVÍDUO É ESMAGADO

Já ouvi muitos cinéfilos falando sobre distopias, mas também já percebi alguns fazendo confusão: usam o termo para se referir a um filme de ficção científica, como se todo filme de ficção científica fosse uma distopia! Distopia é o exato oposto da... utopia! Lembro-me bem das aulas de história! Utopia, para se referir a uma construção social perfeita, sem conflitos, organizada por normas e instituições bem arquitetadas e empenhadas apenas em produzir cidadãos felizes, é um conceito criado pelo escritor inglês Thomas Morus, isso lá no começo dos anos 1500. De lá para cá, utopia virou sinônimo de quimera. De algo inalcançável, que jamais se concretizará. Comunismo, socialismo... Essas fantasias do século XIX!
        Já a distopia é uma construção narrativa que segue na direção contrária: a da imperfeição! Descreve sociedades controladas com mão de ferro pelo estado, onde ao cidadão cabe apenas lamber as botas dos poderosos de plantão. Fala de realidades sombrias, onde uns poucos se privilegiam da burocracia estatal, para oprimir a maioria, por meio da censura e da privação das liberdades individuais. Ou seja, os totalitarismos, de modo geral!
        Distopias nascem como ficção, é claro! Mas são embaladas no berço da contemporaneidade. Referem-se a perigos que podemos correr num futuro hipotético, mas cutucam o hoje, para mostrar uma realidade que já nos incomoda: vigilância, censura, aniquilação do indivíduo, desumanização, violência estatal...
        Distopias nos estimulam a refletir sobre a sociedade em que vivemos. A aguçar nossa visão crítica sobre as decisões que estamos tomando. Nos obrigam a olhar no espelho e reconhecer as manchas de conivência e condescendência que trazemos escancaradas, aquelas que nos aparecem quando passamos pano nas ações criminosas dos políticos. Sim, são os políticos e burocratas os verdadeiros culpados, sempre que as sociedades escorregam para o abismo da distopia. Alguns tentam culpar a tecnologia – os meios de vigilância e controle cada vez mais precisos e implacáveis já nos preocupam há décadas. Mas os avanços tecnológicos não passam de ferramentas nas mãos dos... tecnocratas!
        Primeiro na literatura e depois no cinema, as distopias proliferaram no século XX. Os regimes totalitários na União Soviética, na Alemanha e na China serviram de inspiração. Leninistas, trotskistas, stalinistas, hitleristas, maoístas, fascistas... Todos foram vestindo a carapuça. Além da abordagem política, os diversos autores foram adicionando temperos extras, encontrando apelos dramáticos também na religião, no exoterismo, no cientificismo, na ecologia... Tudo usado como pretexto para esmagar o indivíduo e diluí-lo no caldo homogêneo da coletividade.
        Já escrevi algumas crônicas sobre filmes que falam de distopias. Uns privilegiam a abordagem psicológica dos personagens, outros focalizam a pura e simples ação externa. Uns criam realidades complexas e detalhadas, outros se valem de narrativas precisas e poéticas. Cada um deles parece funcionar como peça de um grande quebra-cabeça, que vamos montando aos poucos, na medida em que evoluímos como sociedade. Na medida em que seguimos na direção do processo civilizatório. Listo algumas das crônicas, para provocar os cinéfilos que se interessam pelo tema:


Fahrenheit 451


Esta adaptação elegante de um conto de Ray Bradbury mostra o autoritarismo buscando o controle da informação.
Clique para ler a crônica

O Processo

Adaptação do perturbador romance de Franz Kafka faz uma crítica à burocracia opressora do sistema judiciário.
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1984 


A data ainda inspira maus presságios, lembrando o que acontece quando condescendemos com o totalitarismo.
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THX 1138


Ficção científica perturbadora, sobre a desumanidade dos delírios coletivistas, beira um cinema premonitório.
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Mad Max


O filme que inaugurou um subgênero da ficção científica, mostra o ponto máximo da loucura pós-apocaliptica.
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Ensaio Sobre a Cegueira


O filme sobre a metáfora da luz branca, que está cegando a humanidade, mexe com a nossa visão de mundo.
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Matrix


Filme que ditou a estética da ficção científica na virada do milênio traz uma síntese de todos os conceitos do gênero.
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Comentários

  1. A verdade que toda a ficção imita a realidade!!

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    1. Ah, os dois campos se tocam numa fronteira aberta! Os fatos ficam saltitando de um lado para outro!!!

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    2. Ótimo texto didático

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  2. Estou contente e maravilhada ao mesmo tempo. O texto que acabo de ler é objetivo,simples, e acima de tudo, primoroso.A explicação da diferença entre utopia e destopia é de uma clareza absoluta.Com palavras simples e sem rodeios deixa claro o que muita gente costuma se confundir ou faz uso inadequado dos termos.De todos os filmes listados só não vi THX 1 138, e o que mais mexeu com minhas emoções foi Fahrenheit 451. Talvez, pela minha idade na época e pelos sonhos de liberdade nutridos pela juventude. Fiquei dias sob os efeitos do que vi. Como é prazeroso ler , quando o texto é pura excelência !

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    1. Ah, fico agradecido. Seu feedback é um grande estímulo para continuar escrevendo e alimentar a Crônica de Cinema com novas resenhas de filmes e com artigos. Obrigado.

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  3. Comentário excelente! E esclarecedor em uma época em que usam certos termos de forma bem descuidada! Quando não havia escolas de jornalismo os jornalistas escreviam com muito mais esmero..

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    1. Muito obrigado! Também acredito que o respeito ao idioma é um valor básico, que precisa ser cultivado. Qualquer descuido e acabamos caindo no poço do retrocesso.

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  4. THx 1138 e Mad Max não vi. Preciso ver .

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    1. Ambos são envolventes. O primeiro é mais intimista e fala do controle do estado. O segundo é mais ação e violência, para mostrar como as conquistas da civilização são frágeis e evaporam ao primeiro sinal de caos.

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  5. Interessante a explicação onde a Distopia surge no cinema. Dos apresentados 2 não assisti

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    1. Ah, há muitos outros filmes que podem ser citados: Laranja Mecânica, Metrópolis, No Mundo de 2020... No cinema as distopias ganharam corpo e expressão!

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