Onde os Fracos Não Têm Vez: no final, os irmãos Coen conseguem surpreender

Cena do filme Onde os Fracos Não Têm Vez
Onde os Fracos Não Têm Vez: direção de Ethan e Joel Coen

HÁ ALGO QUE VOCÊ JAMAIS ENXERGARÁ NESSE FILME

Há toneladas de críticas, resenhas, especulações e até dossiês completos na internet sobre o filme Onde os Fracos Não Têm Vez, dirigido em 2007 pelos irmãos Coen. Não estamos falando de um mero filme de sucesso. Trata-se de um verdadeiro objeto de culto, que reúne adoradores e detratores das mais variadas facções. Confesso que relutei antes de escrever uma crônica sobre esse filme. Não queria ser repetitivo, nem cair no lugar comum, então decidi comentar sobre aquilo que pode ter passado despercebido pela maioria dos espectadores.
        Na hora de avaliar um filme, os cinéfilos costumam examinar certos parâmetros técnicos: desempenho dos atores, qualidade da fotografia, pertinência da trilha sonora, cuidados com a produção, realismo dos efeitos visuais... Porém, na saída do cinema, a soma das notas dadas a cada critério não consegue fechar a conta! E a razão é simples: de nada adianta tirar nota dez em tudo se a história não for boa. Pior ainda, se ela não for bem contada!
        Nós, os cinéfilos, não nos contentamos em apenas sentar na poltrona com um balde de pipoca nas mãos e mergulhar na trama do filme. Gostamos de ir além. De compreender como as histórias são contadas. De apreciar como os cineastas usam os recursos narrativos para criar as obras que nos encantam – ou de entender onde estão os erros naqueles filmes que detestamos.
        As boas histórias têm um efeito magnético sobre nós. Prendem nossa atenção, mesmo que tratem de assuntos sensíveis. Quantas vezes nos pegamos assistindo a cenas violentas, que normalmente evitaríamos, mas que são apresentadas com tamanha coerência e pertinência que não conseguimos desgrudar os olhos? O segredo está na maneira como tais cenas são narradas.
        Sobre essa questão, o filme Onde os Fracos Não Têm Vez, tem muito a nos ensinar. Fez por merecer os quatro óscares que recebeu: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor ator coadjuvante, para Javier Bardem. A violência é a matéria-prima do filme e move todos os personagens que vão se posicionando em lados opostos no tabuleiro da trama: os que agem contra a lei e os que se dispõem a fazer com que ela seja cumprida. Vejamos uma rápida sinopse:
        O filme Onde os Fracos Não Têm Vez conta como Llewelyn Moss (Josh Brolin), durante uma caçada pelo deserto do Texas, tropeça com o cenário de um crime: veículos abandonados e corpos esparramados ao redor. Deduz que se trata de um tiroteio entre traficantes que compravam e vendiam drogas. Deduz também que deve haver uma boa quantidade de dinheiro dando sopa. Bingo! Descobre uma maleta recheada de dólares e se apodera dela. Mas comete o erro de voltar ao local do crime. É identificado e passa a ser perseguido pelo pior vilão que alguém poderia ter na sua cola: o psicopata Anton Chigurh (Javier Bardem), um assassino de aluguel frio e infalível, que foi contratado para recuperar a mala com dinheiro. O xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), experiente e calejado, segue o rastro dessa perseguição pontuada de tiros e massacres, tentando fazer a parte que lhe cabe.
        A história de Onde os Fracos Não Têm Vez é narrada com precisão, num ritmo tenso e sem floreios – bem de acordo com os cânones do gênero western. Todas as sequências levam o espectador a um final inevitável: o embate mortal entre o protagonista destemido e o vilão implacável. Essa cena, todos nós sabemos que acontecerá. É por ela que aguardamos ansiosamente. Se ela não constar no script, será uma decepção! Pois não é que os realizadores do filme resolveram surpreender, justamente nesse momento crucial?
        Ao nos aproximarmos do final de Onde os Fracos Não Têm Vez, essa cena tão esperada acontece fora do nosso olhar. Nada de violência gráfica, nada de requintes de crueldade, nada de adrenalina. No embate final entre o protagonista e o vilão, os irmãos Coen cuidaram para que chegássemos atrasados. Tudo o que nos resta é ver a cena do crime, depois que ele aconteceu. Passamos a examiná-la junto com o policial vivido por Tommy Lee Jones, procurando por pistas e tentando deduzir como os fatos se sucederam.
        Considero isso uma grande ousadia. Nas mãos de diretores e roteiristas mais sintonizados com o cinema comercial, essa sequência seria um prato cheio, para ser servido bem quente. No entanto, os irmãos Coen preferiram nos tirar da condição de meros espectadores passivos. Nos colocaram na pele do xerife, valorizando as camadas emocionais desse personagem – e ressaltando a inexistência delas, no caso do vilão psicopata.
        Aprendi com o filme Onde os Fracos Não Têm Vez que, ao construir uma sequência narrativa sólida e consistente, é possível omitir cenas que já estejam cristalizadas na mente do espectador. Mostrar o embate final entre Moss e Anton seria redundante. Não haveria surpresas. Assistindo a filmes brilhantes como esse, chego à conclusão de que, no cinema, quem não tem vez são os medíocres!
 

Capa do vídeo Onde Os Fracos Não Têm Vez

Resenha crítica do filme Onde os Fracos Não Têm Vez

Ano de produção: 2007
Direção: Ethan Coen e Joel Coen
Roteiro: Ethan Coen e Joel Coen
Elenco: Tommy Lee Jones, Javier Bardem, Josh Brolin, Woody Harrelson, Kelly Macdonald, Garret Dillahunt, Tess Harper, Barry Corbin, Beth Grant e Stephen Root

Leia também as crônicas sobre outros filmes dos irmãos Coen:

Comentários

  1. Excelente resenha. O que me lembrou de que, ironicamente, até o ar pode ser uma arma mortal.

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  2. Obrigado, Jane! Sua observação é ótima. Nas mãos de um vilão assustador, até mesmo um aparelho de ar comprimido causa medo!

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  3. 'Aprendi com Onde os Fracos Não Têm Vez que ao construir uma sequência narrativa sólida e consistente, é possível omitir cenas que já estejam cristalizadas na mente do espectador.'
    Isso é Gestalt!
    Também acho massa um aspecto do filme que é sempre explorado pelos irmãos Cohen. Sob a ótica deles parece que, apesar do que disse Einstein, Deus joga sim dados com o universo. Ou escolhe na moeda, como Anton Chigur. O mundo dos Cohen muitas vezes é puro caos sem Deus, o que acaba servindo de vantagem a sujeitos desprovidos de escrúpulos

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  4. 'Aprendi com Onde os Fracos Não Têm Vez que ao construir uma sequência narrativa sólida e consistente, é possível omitir cenas que já estejam cristalizadas na mente do espectador.'
    Isso é Gestalt!
    Também acho massa um aspecto do filme que é sempre explorado pelos irmãos Cohen. Sob a ótica deles parece que, apesar do que disse Einstein, Deus joga sim dados com o universo. Ou escolhe na moeda, como Anton Chigur. O mundo dos Cohen muitas vezes é puro caos sem Deus, o que acaba servindo de vantagem a sujeitos desprovidos de escrúpulos

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    1. Ah, caro amigo, essa utilização da Gestalt é cacoete de publicitário. Aprendemos a jogar com as percepções prévias do receptor para potencializar a mensagem. Quanto a jogar dados, concordo com você. O mundo caótico sem Deus é também um mundo sem estado - nesse filme, bem ao padrão dos westerns, onde o que temos é um arremedo da sua presença por meio da instituição policial.

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  5. Esse trabalho dos irmãos Cohen serve de aula pro Tarantino a construir um filme que ganhe Oscar, pois o considero imaturo ainda e que extrapola em suas narrativas. Tudo na medida, sem floreios num suspense crescente que nos é poupado dum final indicando que nada concreto.
    Um dos dez daquela década, sem dúvida.
    Na cena do ar comprimido quando estoura, (tinha colocado áudio de micro system) até meu gato na sala tomou um puta susto.... Kkk

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    1. Concordo, Alexander. Os irmãos Coen tiraram os floreios - inclusive a trilha sonora - e conseguiram valorizar cada compassa do história. Muito bom!!!!!

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