Clube da Luta: proposta anarquista para desvendar o sentido da vida

Cena do filme Clube da Luta
Clube da Luta: dirigido por David Fincher

LUTANDO PARA PREENCHER O VAZIO EXISTENCIAL

Quando penso no filme Clube da Luta, dirigido em 1999 por David Fincher, a primeira palavra que me vem à mente é "publicidade". A matéria me interessa profundamente, tanto que a escolhi como profissão – isso no comecinho dos aos 1980, quando tinha 18 anos e ainda não sabia exatamente onde estava me metendo. Mas tinha plena noção de que trabalharia numa atividade motora do capitalismo, crucial para alimentar a sociedade de consumo. Eram outros tempos: os consumidores sabiam exatamente quando estavam sendo abordados por mensagens publicitárias. Elas chegavam pelos comerciais de rádio e TV, dos jornais e revistas, placas na rua... Hoje, nos meios digitais, informação e persuasão estão de mãos dadas e nem sempre a publicidade se mostra explícita os consumidores. 
        Conhecer por dentro o mecanismo astuto da publicidade não me imunizou dos seus efeitos. Por várias vezes sucumbi às pressões sedutoras das mensagens publicitárias: compre isso, leia aquilo, alugue, venda, revenda, não perca, aproveite! Exatamente como faz o narrador do filme Clube da Luta. Ele traz firme a noção de que precisa ter tudo, para só então alcançar a felicidade. Quer as últimas novidades, os lançamentos da temporada, as próximas tendências... Esse bombardeio só faz aumentar seu vazio existencial. É tentando preenchê-lo a todo custo que ele começa a viver um drama e tanto. O personagem sem nome interpretado por Edward Norton desenvolve um arco dramático impressionante e sua história culmina num ponto de virada que deixa qualquer espectador boquiaberto.
        O filme Clube da Luta parte dos efeitos que a sanha consumista gera em um homem comum, para começar a vasculhar seu mundo interior. O personagem trabalha para uma companhia de seguros, viaja por todos os Estados Unidos e vive cercado pelo conforto moderno, mas sua angústia provoca uma insônia que o está destruindo. Busca ajuda em diferentes grupos de apoio, fingindo ter outras doenças. Está fazendo progresso, mas conhece Marla Singer (Helena Bonham Carter), que também se faz de doente, o que o leva a regredir com a insônia. Então, durante um voo, conhece Tyler Durden (Brad Pitt), um sujeito que fabrica e vende... sabonetes! Os dois se tornam amigos e quando se encontram novamente, terminam lutando por iniciativa de Tyler. A violência física é catártica e tem efeitos estimulantes no personagem. Em pouco tempo ele se une a Tyler para formar um clube clandestino de lutas, que vai ganhando adeptos, vai ganhando dimensão nacional e vai revelando um lado inesperado e surpreendente do personagem.
        O filme Clube da Luta foi baseado no romance de mesmo título, escrito em 1996 por Chuck Palahniuk, onde conta uma história que arrancou das entranhas. A adaptação para o cinema, feita por Jim Uhls, conseguiu manter toda a carga emocional do livro e resultou num roteiro brilhante, que David Fincher filmou, como já havia feito em Se7en: Os Sete Crimes Capitais, com requintes de excelência audiovisual. É um filme impressionante.
        A narrativa do filme Clube da Luta é conduzida por um narrador onisciente, mas que parece não saber com exatidão o que está acontecendo. Em pouco tempo o espectador está por conta própria e não tem certeza sobre quais rumos – ou descontroles – a história tomará. Mas embarca em uma proposta anarquista e sedutora, que instiga reflexões sobre o funcionamento da sociedade, investiga a natureza das nossas relações e expõe comportamentos libertários e transgressores. O ímpeto do homem comum em conjugar o verbo ter na hora de apresentar sua identidade ao mundo fica escancarado. A violência como válvula de escape vira uma desculpa esfarrapada – não é louvada no filme. O personagem vai ficando sem saída e termina indo de encontro a uma realidade tão sólida quanto dolorosa.
        Na versão para o cinema, David Fincher preferiu um final mais otimista. O personagem mostra força de vontade e encontra dentro de si a motivação necessária para seguir lutando. Já o livro dá margem a um vasto universo de possibilidade e resultou em continuações nas histórias em quadrinhos. Mas os fãs de Clube da Luta ainda não foram brindados com a tão sonhada continuação.
        Quanto ao mundo da publicidade e suas consequências na psique do homem contemporâneo, bem... Ela continua a mesma, como naquele último ano do século XX em que o filme Clube da Luta agitou as salas de cinema com polêmicas – e episódios violentos. Só que agora, as mensagens publicitárias estão entranhadas nas redes sociais, nos canais de vídeo, nos aplicativos para celulares... Estão mais subliminares e eficientes do que nunca! A propaganda segue e sempre seguirá movendo o mundo capitalista, girando a roda da economia e criando necessidades que ainda nem sabemos que existem dentro de nós. E quanto ao tal vazio existencial, bem... Cada indivíduo tem a liberdade de preencher como bem entender.

Resenha crítica do filme Clube da Luta

Ano de produção: 1999
Direção: David Fincher
Roteiro: Jim Uhls
Elenco: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter, Meat Loaf, Zach Grenier, Rachel Singer, Eion Bailey, Jared Leto e Peter Iacangelo

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por David Fincher

Comentários

  1. Reagi até hoje em assistir esse filme, não gosto de violência física entre seres humanos. Mas diante de seu brilhante comentário sobre a obra e na sequência, o filme, vou conferir. Abraço…

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, Julio, espero que goste do filme. Depois de conferir, não deixe de contar sua opinião!

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema