Filmes de super-heróis: armadilha para prender adultos numa dimensão adolescente

Cena do filme Os Vingadores
Os Vingadores: exemplo de filme de super-heróis

O QUE HÁ DE ERRADO COM ESSE TIPO DE FILME?

Nada! Filmes de super-heróis são criativos e divertidos. Impulsionam as técnicas cinematográficas e o uso da computação gráfica. Promovem avanços na linguagem audiovisual, ao exigir um refinamento na edição de sons e imagens. Como produto da cultura popular, são um primor. Combinam ação e aventura com design e marketing, para expandir a narrativa e a experiência sensorial para além do cinema, alcançando os videogames, os brinquedos, o mercado editorial, a indústria da música... O grande problema nesse tipo de filme está na plateia. Se você tem doze, quatorze, dezesseis anos... está tudo certo. Relaxe e aproveite. Mas se você já está com vinte e cinco, trinta anos... Trate de arrumar uma boa desculpa, caso seja apanhado na fila dos ingressos.
        A proliferação dos filmes de super-heróis está ligada ao fenômeno de infantilização da sociedade, facilmente percebido se examinarmos a cultura de massa posta para consumo nesses nossos dias velozes e furiosos. Infantilidade é o que vemos na linguagem simplificada dos reality shows, na abordagem superficial e espetaculosa que o jornalismo dá às notícias, nas tendências de buscas por temas desimportantes no Google e nas redes sociais, nos videogames de ação que se tornam refúgios escapistas para crianças, adolescentes e jovens adultos...
        É inegável que na TV, os programas perderam em profundidade pedagógica e cultural e passaram a privilegiar a diversão e o entretenimento. As séries são exibidas por longos períodos, sem que haja um arco dramático planejado ou um final consistente, para deixar aquela sensação infantil de diversão que dura para sempre. A Internet também é mais usada com motivações lúdicas e ainda traz um agravante: mantém os diferentes segmentos de público seguros em suas bolhas de informação, onde jamais correm o risco de ser desafiados quanto às suas crenças, ou de ter a sua visão de mundo contestada com argumentos sólidos. Enquanto isso, os provedores de conteúdo estimulam a polarização e a guerra cultural, para atender seus interesses comerciais. Entregam produtos descartáveis por excelência, com o objetivo de impulsionar os modismos e a superficialidade.
        O adulto moderno não quer envelhecer abrindo mão da diversão que experimentou na infância. Nas salas de cinema, busca os filmes inspirados nos heróis dos quadrinhos e os remakes de sucessos das décadas passadas, de preferência aqueles com enredo descomplicado e sem diálogos elaborados. Regride aos seus áureos tempos de meninice, quando tinha poucas obrigações e responsabilidades e se sentia mais protegido pelos pais.
        Para piorar, o
s filmes direcionados aos adultos seguem fórmulas cada vez mais infantilizadas. Evitam as narrativas mais complexas e as emoções que não sejam as primárias – os protagonistas são movidos apenas por desejo de vingança, raiva, medo, culto ao hedonismo.... Fantasiá-los com capas e máscaras e dotá-los de superpoderes resulta mais lucrativo! Nos dias atuais, realizar filmes sérios e provocativos, como Taxi Driver, O Expresso da Meia-Noite ou Um Estranho no Ninho – para citar algumas unanimidades do século XX – parece um empreendimento arriscado e fadado ao baixo retorno. Não é à toa que os grandes estúdios preferem apostar nos arrasa-quarteirões estrelados por celebridades, com tramas simplificadas, diálogos monossilábicos e humor óbvio, palatável aos adolescentes que precisam dar boas risadas de tudo.
        Desde que Walt Disney lançou Branca de Neve e os Sete Anões, em 1934, a indústria do entretenimento encontrou o caminho das pedras: o sucesso nas bilheterias, que assegura o lucro dos exibidores, promove as vendas em outros mercados, como os de discos com trilha sonora, revistas em quadrinhos, brinquedos, parques temáticos... A própria Disney expandiu os negócios e adquiriu a Marvel, a Lucasfilm, a Pixar, a Fox... Vem fidelizando espectadores há um século, os mantendo presos na poltrona enquanto envelhecem e acumulam um extenso repertório cultural – cultura popular, bem frisado! Já o nível de maturidade, parece ter se estagnado.
        The Movie Times, um site especializado em cinema, apontou que entre 2003 e 2012, cerca de 80% de toda a produção cinematográfica de Hollywood foi voltada para as crianças e adolescentes, em gêneros como fantasia, animação, super-heróis, comédias e aventuras. Apenas 20% dos filmes produzidos foram destinados diretamente ao público adulto. Não tenho motivos para duvidar que esses números continuam válidos ainda hoje. Para nós, cinéfilos, ir ao cinema significa ter que, provavelmente, encarar um Batman, Doutor Estranho, Thor, Aquaman, The Flash ou Os Vingadores da vida!
        As histórias de super-heróis sempre seduziram os adolescentes, às voltas com a bioquímica transformadora da puberdade e com a necessidade de vencer os desafios anunciados pelo ingresso no mundo dos adultos. Agora, conquistaram também os mais velhos, desejosos de resgatar um certo estado de inocência confortável. O pior é que esse conteúdo com forte apelo audiovisual, mas desprovido de qualidades artísticas, pedagógicas e culturais, está acessível a preços módicos e em escala avassaladora.
        Se você tem doze, quatorze, dezesseis anos... está tudo certo. Relaxe e aproveite. Agora, se você já é um adulto com responsabilidades, pense bem antes de se refugiar em alguma dimensão adolescente. O cinema é um universo vasto, que oferece experiências diversas e explora a vastidão humana em sua totalidade. Tem espaço para a diversão e para o entretenimento, mas também para a reflexão e para o conhecimento. Aqui na Crônica de Cinema tenho procurado expor essa diversidade, comentando sobre filmes dos mais variados gêneros, voltados para os cinéfilos adultos. No entanto, evito escrever sobre os de super-heróis. Não tenho nada contra, mas também não tenho disposição para assistir a esse tipo de produção.

PS – Ok, você me pegou! Já escrevi crônicas sobre Batman, Coringa e Logan, mas elas não trazem uma abordagem infantilizada. Apenas guardam minhas próprias lembranças da infância e da adolescência.


Comentários

  1. Fala Fábio.
    Discordo bastante da sua análise em relação aos filmes de heróis, sobretudo, quando você reduz a importância artística dessas obras e sua relevância do ponto de vista sócio-cultural atribuindo um juízo de valor um tanto "arriscado"(na minha opinião) ao generalizar o fenômeno como "produções para adultos infantilizados". Não sou fã da Marvel nem DC, e até acho essa tendência mercadológica bem genérica e comercial, no entanto, o cinema (Hollywood) sempre se beneficiou desses modismos do Blockbuster pra angariar lucros, o que por outro lado, ajudou a sofisticar sua linguagem e manter uma cultura de "frequentar salas" ainda viva ( oq é bastante positivo). Permita-se ver alguns filmes de herói, há produções muito boas (são poucas) e relevantes... A única ressalva que tenho aos estúdios Marvel e toda essa onde de "heróis" é em relação ao monopólio criativo da produção e exibição, deixando pouco espaço pra outras tendências. Acho que é isso. Parabéns pelo trabalho.

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    1. Obrigado! Mas lembro que desenvolvi todo o primeiro parágrafo justamente para ressaltar a importância dos filmes de super-heróis no contexto da comunicação audiovisual e reconhecer a qualidade da maioria das produções. O meu ponto é que o processo de infantilização é um fenômeno que transcende esse tipo de filme. Conforme escrevi, acredito

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    2. Conforme escrevi, acredito que o problema não está nas telas, mas na plateia! Minha crítica não vai para o cinema, mas para a sociedade, que estimula a manutenção dos jovens numa bolha infantilizada.

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  2. Excelente abordagem👏❤👏..voce colocou em palavras o que venho vendo. Como sou da área de psicologia ,penso ser preocupante esta infamtilização e superficialidade de nossas dias!!!

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    1. Obrigado, Priscilla. Imagino que você, sendo da área de psicologia, tenha mais ferramentas para examinar essa questão.

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  3. Excelente análise. Percebo que você deu o devido crédito à esse tipo de produção. Afinal de contas, são produtos realizados para um mercado de concorrência. É muito natural que se produza artifício de inovação, desenvolvimento de linguagem e consumo dentro do setor. Porém a verdade é sempre maior que esse simples recorte. Você percebeu e expôs com muita clareza outros aspectos sociais que também compõem este cenário. O cinema é um meio de comunicação completamente imersivo. Uma mídia perfeita para satisfazer os delírios de engenharia social de grandes forças de poder que brigam por território em todo o globo. Através de financiamento à cultura, é possível direcionar mentes e corações de eleitores e consumidores por várias gerações e por todo o globo. Infantiliza-los é definitivamente o caminho mais fácil para introduzir ideias que um adulto poderia identificar, com certa facilidade, como arbitrárias ao seus próprios interesses.

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  4. Por consequência, acabo discordando que o problema parte da plateia. Sim, ela tem sua culpa. O público maior opta pelo caminho mais conveniente, que é permanecer na infância. Mas acredito eu, que esta é uma fraqueza utilizada por forças de poder para alcançar maior dominação sobre massas. Crescer e desenvolver autonomia para defender seus próprios interesses da forma mais eficiente possível é uma tarefa difícil e necessária. Nem todos estão dispostos à cumprir essas etapas e sempre haverão aqueles que vão oferecer o atalho, mas com um alto custo. Ainda bem que ainda temos grandes pensadores na nossa história que já produziram bases mais sólidas para construirmos nossas próprias edificações. E claro, grandes roteiristas e diretores mais independentes que estão dispostos a produzir filmes mais edificantes.

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