Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Baseado em Literatura

Crescendo Juntas: adaptação aguardada de um livro encantador

Imagem
Crescendo Juntas: direção de Kelly Fremon Craig A ATEMPORALIDADE DA ADOLESCÊNCIA Sou brasileiro, tenho 63 anos, casado, pai de família... Um sujeito comum, nascido e crescido no habitat conservador que moldou os homens da minha geração. Que raios estava fazendo, sentado no sofá da sala, diante do filme Crescendo Juntas , dirigido em 2023 por Kelly Fremon Craig? Nos primeiros minutos me senti um alienígena, visitando um planeta esquisito, mas o desconforto passou ligeiro: como cinéfilo inveterado, senti o cheiro de bom cinema e tratei de aproveitar. Que filme delicioso!           Optei por escrever tal introdução para deixar claro que esse filme diz respeito ao universo feminino e que os homens – e os meninos! – talvez não se disponham a visitá-lo. Fiz tal visita, dividindo o sofá com Ludy e agora posso dar meu testemunho: já nem lembrava mais que Hollywood era capaz de produzir filmes assim, tão sensíveis, leves, refrescantes, encantadores... Minha mulher se divertiu tanto que nem viu

1984: a data continua como um mau presságio

Imagem
1984: direção de Michael Radford AINDA NÃO FOI EM 1984, MAS... Estava com 23 anos em 1984. Já não era mais um estudante e labutava numa multinacional para fazer minha carreira na publicidade. Então aconteceu uma revolução! Um comercial inovador, dirigido por ninguém menos que Ridley Scott, invadiu nossas televisões e mudou o jeito de pensar a comunicação. O produto anunciado era um novo computador da Apple, batizado de Macintosh – nome de uma variedade de maçã cultivada na Califórnia. O roteiro, criado pelos publicitários Steve Hayden, Brent Thomas e Lee Clow, da agência Chiat\Day, usava como mote o romance 1984 , escrito por George Orwell.           Observe que este famoso comercial de TV, com apenas um minuto de duração, não foi feito para vender um computador, mas para vender uma ideia! Recria a perturbadora cena dos pálidos trabalhadores robotizados, que servem de audiência para uma imensa tela com a imagem ameaçadora do Big Brother. Mas então, acontece algo que não estava no scrip

A Lenda de Tarzan: o rei da selva continua em forma

Imagem
A Lenda de Tarzan: direção de David Yates O PONTO ALTO ESTÁ NA ORIGEM DO PERSONAGEM Quando publicou sua primeira história sobre Tarzan, em 1912, o escritor americano Edgar Rice Burroughs jamais havia posto os pés na África. Precisou apenas de criatividade para conquistar uma posição cativa no imaginário popular – e na indústria cultural em escala global. Ah, e também usou um pouco de esperteza! Inspirou-se na obra de Rudyard Kipling, mais precisamente em O Livro da Jângal , publicado em 1894, que conta a história de Mogli, o menino-lobo, ambientada na Índia e protagonizada pelo órfão adotado por lobos. Para escapar do plágio, Burroughs transferiu sua história para a África e idealizou seu personagem como um filho da aristocracia inglesa, que termina adotado por macacos. Mesmo sem aprofundar seus conhecimentos sobre o continente africano, conseguiu escrever 25 livros de sucesso.           Em 1929, Tarzan ganhou materialidade nas páginas dos jornais, por meio de uma tira desenhada pelo a

Conta Comigo: um dos melhores dramas sobre amadurecimento

Imagem
Conta Migo: direção de Rob Reiner RESULTADO DE ÓTIMAS ESCOLHAS NARRATIVAS O nome Stephen King está fortemente ligado aos gêneros terror, suspense, fantasia e ficção científica. Foi causando arrepios nos leitores que o escritor vendeu mais 400 milhões de livros mundo afora, arregimentando uma legião de fãs engajados. Mas quando entramos no campo do cinema, há outras de suas facetas que nos saltam aos olhos. Enquanto algumas adaptações de seus romances são para provocar medo, como em O Iluminado , Carrie, a Estranha e It – A Coisa , outras exploram o talento do autor como contador de histórias sensíveis e edificantes. Me refiro a títulos como À Espera de Um Milagre , Um Sonho de Liberdade e Conta Comigo . Este último, dirigido em 1986 por Rob Reiner é o filme que mais destoa no universo de Stephen King – curiosamente, é aquele que o autor considera aquele que foi melhor adaptado!           Esse filme denso e sensível foi baseado em um pequeno romance publicado em 1982, intitulado O Cor

Jogador Nº1: ficção científica embriagada de nostalgia

Imagem
Jogador N⁰1: direção de Steven Spielberg UM ÉPICO FUTURISTA ENVOLTO EM MELANCOLIA Os cinéfilos costumam reservar seus adjetivos mais suntuosos para a sétima arte: imersiva, simbólica, elevada, envolvente, reflexiva... Mas quem acaba roubando a cena é mesmo a paixão pelos filmes. São eles que guardamos na memória e revisitamos sempre que precisamos fruir algumas doses de regozijo. Geralmente empregamos a palavra filme para nos referir a um longa-metragem, porém, há mais de um século o cinema vem se expressando por meio de outros formatos: curtas, seriados, comerciais de TV, telenovelas, videoclipes, reality shows, histórias em quadrinhos e... videogames. Os cinéfilos também têm olhos para esses outros formatos, afinal, todos empregam linguagens derivadas do cinema. Em todos, o imperativo é a narrativa, mas nos videogames, a interatividade coloca a narrativa nas mãos do jogador!          As últimas gerações testemunharam o crescimento exponencial da indústria dos videogames, cuja receit

O Jardineiro Fiel: sobram dilemas éticos e morais

Imagem
O Jardineiro Fiel: direção de Fernando Meirelles AS BIG PHARMAS JÁ ESTAVAM NA BERLINDA! Dia desses, vasculhando a programação da TV por assinatura, deparei com o filme O Jardineiro Fiel , dirigido em 2005 por Fernando Meirelles. Atinei que havia assistido a esse filme uma única vez, à época do seu lançamento. Lembrava da trama e dos seus personagens, mas os detalhes narrativos já haviam me escapado. Que grande oportunidade! Revisitar um filme de qualidade e experimentar a mesma sensação de frescor do primeiro encontro é uma dádiva! Apertei o play e, lá pelo segundo ato, levei um susto!           – É sério? Quinze anos antes da epidemia do COVID19? – exclamei depois de fazer as contas.           Naquela época o filme já estava denunciando as tramoias entre a indústria farmacêutica e agentes estatais corruptos, para vender quantidades planetárias de vacinas e medicamentos sem um controle seguro dos seus efeitos colaterais e com margens de lucro obscenas. Com tamanho potencial explosivo,

O Processo: crítica à burocracia opressora do sistema judiciário

Imagem
O Processo: direção de Orson Welles O DIRETOR DEIXA SUA INCONFUNDÍVEL MARCA AUTORAL Dia desses, num dos canais da TV por assinatura, assisti ao filme O Processo , realizado em 1962 por Orson Welles. Que grande oportunidade – eventos assim me animam a continuar como assinante! O longa-metragem é inspirado no romance homônimo de Franz Kafka, o escritor tcheco que se notabilizou por suas histórias repletas de conflitos psicológicos e costuradas com retalhos de realismo, delírios e originalidade. O filme segue na mesma linha, empregando uma narrativa visual arrojada e envolvente, para destacar a natureza angustiante e descabida da história. Mas antes de falar de cinema, será preciso destrinchar um pouco mais a obra literária.           Publicado postumamente em 1925, O Processo é um livro perturbador. A obra é amplamente conhecida, consagrada como uma das mais importantes da literatura moderna. Conta a história de Josef K., um alto funcionário de um banco que é tirado da cama por oficiais

O Milagre: ficção construída sobre fatos perturbadores

Imagem
O Milagre: direção de Sebastián Lelio CINEMA VISTOSO, DENSO E ENVOLVENTE Quem assistiu ao filme O Quarto de Jack , dirigido em 2015 por Lenny Abrahamson, certamente traz na memória as cenas tocantes sobre o relacionamento entre uma mãe e seu filho de cinco anos aprisionados num cativeiro, enquanto ela tenta se desdobrar em superação, para encontrar a saída que os leve a uma existência digna. Pois a escritora irlandesa Emma Donoghue, autora do romance e da sua adaptação para as telas, continua interessada no tema. Em sua nova empreitada, intitulada O Milagre , romance que virou filme em 2022 sob a direção do chileno Sebastián Lelio, ela volta a investigar os corredores apertados da maternidade, contando uma outra história fictícia. Esta se passa na sua Irlanda natal, nos idos de 1862 e envolve personagens inventados, mas inspirados em fatos impressionantes.           Antes de falar sobre O Milagre , será preciso contextualizar o seu enredo. Naquela época, a Irlanda acabava de sair da Gr

O Pálido Olho Azul: ficção envolvente com final surpresa!

Imagem
O Pálido Olho Azul: direção de Scott Cooper AQUI, EDGAR ALLAN POE VIRA PERSONAGEM O diretor Scott Cooper diz preferir o formato de longa-metragem ao invés daquele estabelecido para as minisséries da TV. Tendo a concordar com ele, já que a objetividade de resolver tudo em duas horas se encaixa melhor na minha experiência cotidiana de cinéfilo. Mais demoradas, as séries demandam disciplina e um maior controle da ansiedade, enquanto esperamos a resolução da trama. Não sei se essa preferência do diretor foi o único motivo para que  O Pálido Olho Azul , de 2022, fosse realizado como filme, mas o fato é que o material no qual ele se baseou – o romance com o mesmo título escrito em 2009 por Louis Bayard – traz uma profusão de personagens e uma trama minuciosa o bastante para render uma minissérie inteira. E das boas!          Vamos começar falando do livro. Seu autor  tem no currículo alguns ótimos mistérios históricos, como Mr. Timothy e O Mistério da Torre Negra . Em  O Pálido Olho Azul ,

O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford

Imagem
O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford: direção de Andrew Dominik UM DOS VISUAIS MAIS CAPRICHADOS DAS ÚLTIMAS DÉCADAS Certa vez me perguntei: como seria um western realizado por Stanley Kubrick? Um diretor minucioso como ele, obsessivo em alcançar a excelência visual e compenetrado em encontrar o tom certo das adaptações literárias que escolhia abraçar, certamente teria muito a acrescentar ao gênero. Quando assisti ao filme O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford , dirigido em 2007 por Andrew Dominik, compreendi a resposta: um bangue-bangue com a assinatura do mestre seria assim, denso, dramático e dedicado a investigar os personagens em profundidade. Exalaria uma atmosfera provocativa e imporia um cinema audacioso, mais interessado em declamar para além dos cânones recitados pelos grandes diretores do gênero. Exatamente como Dominik conseguiu realizar. Não que o diretor neozelandês tenha seguido à risca os passos de Kubrick. Ele tem personalidade própria e

Blonde: uma biografia ficcional de Marilyn Monroe

Imagem
Blonde: direção de Andrew Dominik REFINAMENTO ARTÍSTICO BASEADO NUM ROMANCE FICCIONAL Minha geração já não viveu a intensidade do mito Marilyn Monroe. Quando passei a ter olhos para a sua sensualidade, a aura de símbolo sexual que a envolvia já estava desbotada – outras musas mais ousadas, mais modernas e mais desnudas já dominavam a mídia. Estranhamente, as duas palavras que via associadas ao nome daquela loira platinada eram vulgaridade e futilidade, talvez como resultado da iconografia que deixou como legado e de alguns  filmes tolos que exploravam sua estampa de mulher fatal – Quanto Mais Quente, Melhor e Os Homens Preferem as Louras são os únicos aos quais assisti. Sobre a vida dessa celebridade eternizada no panteão de Hollywood, sabia apenas que havia mantido um polêmico caso com o presidente americano John Kenedy, que fora casada com o famoso escritor e dramaturgo Arthur Miller e que cometera suicídio, entupindo-se com barbitúricos na solidão do próprio quarto.           Foi

Bar Doce Lar: a jornada de amadurecimento de um aspirante a escritor

Imagem
Bar Doce Lar: direção de George Clooney UM LIVRO DE SUCESSO, TRATADO NAS TELAS COM REVERÊNCIA J. R. Moehringer é um jornalista e escritor premiado, com grande popularidade entre os americanos. Seu livro de memórias publicado em 2005, intitulado The Tender Bar , tornou-se um best-seller, arrebanhou uma legião de fãs e recebeu todos os elogios da mídia especializada. Desde então, uma adaptação para as telas vinha sendo aguardada em Hollywood. Por fim ela chegou em 2021, com direção de George Clooney. Trata-se do filme Bar Doce Lar , estrelado por Ben Affleck e Tye Sheridan. Topei com ele no serviço de streaming e apertei o play por curiosidade, motivado pela curta sinopse apresentada na tela – não conhecia a história e fui capturado por um texto conciso, escrito com rara precisão nesses aplicativos.           Fiquei satisfeito! Bar Doce Lar traz uma história envolvente, terna e saborosa, apresentada como um drama de amadurecimento. Expõe a vida, desde a infância até a juventude, de um a

Siga a Crônica de Cinema