Napoleão: projeto ambicioso de Stanley Kubrick, jamais realizado

O cineasta Stanley Kubrick

LAMENTAVELMENTE, NENHUM DE NÓS SERÁ CAPAZ DE ASSISTIR A ESSE FILME 

Quem gosta de cinema tem o hábito de pesquisar sobre os filmes, colecionando informações de bastidores, curiosidades e detalhes que ajudem a formar opinião. O motivo é simples: precisamos saber o que nos faz amar ou odiar uma produção e reunir argumentos para defender nossos pontos de vista, porque cinema e polêmica são feitos praticamente da mesma matéria!
        Passo menos tempo pesquisando do que gostaria, afinal, além de manter a Crônica de Cinema, tenho que atender os clientes que demandam meus serviços de criação e redação publicitária e pagam meus boletos no final do mês. Mas quando sobra tempo, fico garimpando a internet na busca de preciosidades. Atualmente, um dos meus temas preferidos – praticamente um objeto de estudo – é Stanley Kubrick. Já assisti a praticamente todos os seus filmes.
        Há, porém, um filme desse diretor que gostaria muito de assistir, mas nunca poderei fazê-lo, por um motivo muito simples: jamais foi realizado! Trata-se de Napoleão, um projeto ambicioso, que ficou só no papel. E põe papel nisso!
        Stanley Kubrick era tão perfeccionista quanto obstinado. Depois de 2001: Uma Odisséia no Espaço, de 1968, pôs na cabeça que filmaria a vida de Napoleão Bonaparte. Seria uma cinebiografia completa, abrangendo desde o nascimento até a morte desse vulto da história. O projeto ambicioso – considerado megalômano pelos críticos – esbarrou em incontáveis senões e se tornou o mais espetacular filme inacabado de todos os tempos.
        Observe que inacabado não é só força de expressão. Apesar de nenhuma cena ter sido captada, houve um notável esforço de pré-produção, que consumiu dois anos de trabalho do diretor e gerou uma enormidade de documentos – pesquisas, correspondências, notas, textos, planilhas de produção, fotos, desenhos de figurinos e até um roteiro de 148 páginas! Todo esse material rendeu um livro com mais de 800 páginas, intitulado Stanley Kubrick’s Napoleon - The Greatest Movie Never Made, assinado por Alison Castle e publicado pela editora Taschen – disponível na Amazon.
        Poucos filmes já produzidos conseguiram reunir tanto material de pré-produção. Kubrick era dono de uma curiosidade intelectual imensa e obcecado por planejamento. Destacou uma equipe de pesquisadores para percorrer o mundo à cata de informações, por minuciosas que fossem, o que resultou numa verdadeira enciclopédia sobre a vida de Napoleão. Foi tudo em vão. Os estúdios com os quais Kubrick estava negociando, MGM e United Artists, declinaram por razões mercadológicas.
        Mas o filme já estava rodando na cabeça de Kubrick. Embora seus roteiros fossem sempre diferentes do produto acabado, o diretor sabia exatamente o que queria. Concebeu as mais ambiciosas cenas de batalha, envolvendo milhares de extras. Pretendia “emprestar” soldados do exército romeno – 40 mil da infantaria e outros 10 mil da cavalaria. Acreditava que as tomadas externas – a maioria em locação na Romênia – poderiam estar concluídas em três meses.
        Filmar, para Kubrick, era tarefa que precisava ser concluída rapidamente. Preferia dedicar-se mais aos trabalhos de pré-produção e edição. As cenas de batalha que imaginou para Napoleão seriam coreografadas como verdadeiros balés, que retratariam a megalomania do personagem e mostrariam até onde a loucura humana é capaz de chegar. A paixão obsessiva de Napoleão por Josefina também ganharia destaque no filme.
        Pena que Napoleão ficou só no papel. O público ficou sem aquele que talvez se tornaria o filme mais icônico de Stanley Kubrick – combinaria o andamento elegante de Barry Lyndon com a produção esmerada de 2001:Uma Odisseia no Espaço e as vastas cenas de batalha campal de Spartacus. Aliás, em Barry Lindon, filme de 1975, Kubrick empregou várias das soluções técnicas que havia planejado para Napoleão, como as lentes que permitiram captar cenas noturnas iluminadas apenas por velas, lâmpadas a óleo e luz natural.
        O fato é que Stanley Kubrick abandonou seu projeto. Percebeu que não conseguiria convencer os investidores a garantir o vultoso orçamento que ambicionava. Além disso, seu filme teria uma duração que ultrapassaria os padrões comerciais, dada a profundidade e o nível de detalhamento que estava interessado em narrar.
        É uma pena que Kubrick não viveu a era da expansão da televisão – naquela época os aparelhos de TV não passavam de pequenas caixas com telas analógicas de baixa resolução. Hoje, Napoleão seria um prato cheio para as produtoras que competem nos serviços de streaming com suas séries e minisséries em várias temporadas. Já pensou, meu caro cinéfilo inveterado, numa série assinada por Stanley Kubrick? Steven Spielberg já!
        Em 2013 ele andou especulando sobre a produção de uma minissérie baseada no roteiro de seu amigo. Há pouco tempo declarou que seu projeto continua de pé. Mas tudo caminha no terreno das especulações. Porém, a julgar pelo resultado polêmico que Spielberg obteve em AI: Inteligência Artificial – os fãs de Kubrick têm várias restrições ao filme – dificilmente iremos nos deparar novamente com a arte genuína desse grande diretor.
        Mas espere! Eis que Ridley Scott abraça a causa e escala Joaquim Phoenix para viver Napoleão em sua próxima produção épica! Ah, será um bom tema para uma próxima crônica!

Comentários

  1. Mais um excelente texto. Só duas observações: Kubrick era americano, um novaiorquino do Bronx, que no final dos anos 60, decidiu morar na Inglaterra; e um outro agravante para inviabilizar a realização do filme foi o fracasso de uma outra obra que trazia Napoleão como personagem, a superprodução "Waterloo."

    ResponderExcluir
  2. Ooops!!! Desculpe o escorregão, Denilson. Claro, você está certo: Kubrick era americano, mas seu sotaque universal me confundiu. Já corrigi no texto. E Waterloo fez água no projeto de Kubrick., coisa que omiti no texto, apenas citando "questões mercadológicas". Ah!!! Estou adorando essa oportunidade de trocar ideias com os amantes do cinema. Valeu!!!!!

    ResponderExcluir
  3. Ah... Esse e outros projetos dele ficaram no caminho com certeza. Todo grande cineasta tem impedimentos por parte dos produtores não somente pelo custo inicial de um projeto, também o fator mercadologico de resposta garantida do público. Creio que hoje, com as novidades tecnológicas e outras de exposição às possibilidades deixam de serem menos inviáveis. Viável para uma mine série ou uma trilogia para o cinema. Assim também seria com enes personagens complexos históricos em suas épocas determinaram futuros para civilização com custos pesados das suas convicções e necessidades de causa onde o sacrifício ao Deus sol todos nós sabemos : sangue humano. Alexandre, César, Gengis, Mao....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Certamente, Alexander. O que mais me despertou interesse nesse caso foi a quantidade de esforço que Kubrick empreendeu nesse projeto. Dá para perceber quer, em sua mente, o filme estava praticamente pronto. O fato que muitos dos seus filmes tiveram dificuldades para serem viabilizados no mercado. 2001, Barry Lyndon, Born to Kill... Não era fácil ser Stanley Kubrick!

      Excluir
  4. Bom, resta esperar que Spielberg ou outro diretor competente assuma esta produção.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Antônio, pelo menos sabemos que há material de sobra que servirá de referência para futuros projetos.

      Excluir
  5. Eu li em algum lugar (não me lembro onde, infelizmente) que Kubrick havia conversado informalmente com Jack Nicholson para interpretar Napoleão, e que o ator teria gostado da ideia. Não sei se é verdade, mas só imaginem esse filme com Nicholson de protagonista...

    ResponderExcluir
  6. Agora fiquei com esse gosto amargo de um filmaço que nunca vou ver 😅

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Alberto, é um gosto amargo. Ainda bem que o cineasta nos deixou um legado e tanto!

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo: nada importa, nem o cinema!

Siga a Crônica de Cinema