A Testemunha: filme de 1985 continua emocionante

Cena do filme A Testemunha
A Testemunha: filme dirigido por Peter Weir

DNA DE FAROESTE E UM ARSENAL DE CENAS MEMORÁVEIS

Ao entrar no cinema para assistir ao filme A Testemunha, dirigido em 1985 por Peter Weir, trouxe comigo a vontade de consumir entretenimento de qualidade; a estampa do astro Harrison Ford, moldada em ótimos filmes como Blade Runner e Os Caçadores da Arca Perdida, era todo o aval que precisava. Entretanto, logo nos primeiros minutos de projeção, percebi que trouxe também uma outra companhia: minha total ignorância sobre a existência, nos Estados Unidos, de uma comunidade religiosa exótica, conhecida como os Amish da Velha Ordem, que vive estagnada no século XIX, amarrada em tradições e preceitos rigorosos.
        A trama do filme gira em torno de um policial – um gentio, agarrado ao paganismo – que se vê obrigado ao convívio dessas pessoas tão excêntricas, enquanto foge de perigos que só existem no mundo dos gentios, agarrados ao paganismo! É esse choque cultural que faz o diferencial de A Testemunha. Num primeiro momento, achei os “fanáticos religiosos” um tanto engraçados. Como pode haver gente tão obtusa, desinteressada em acompanhar a evolução do mundo? O estranhamento inicial deu lugar à curiosidade; depois, na medida em que os personagens ganharam estatura, comecei a compreender o mundo no qual os Amish escolheram viver. São gente de carne e osso, afinal! Defendem valores cristãos e estão alinhados à legião do bem.
        A origem dessa irmandade cristã remonta à Suíça do final do século XVII, quando um grupo de protestantes liderados por um certo Jakob Ammann – seus seguidores passaram a ser denominados de Amish –, separou-se das demais irmandades. Começaram a imigrar para a Pensilvânia no início do século XVIII, onde estabeleceram diversas comunidades; muitas não mantiveram a identidade Amish, mas algumas permaneceram fiéis aos princípios tradicionalistas da Velha Ordem. Determinados a seguir uma vida simples, porém autossuficiente, os Amish optaram pela atividade rural. Pacifistas, preferem as roupas simples e os trabalhos manuais; dispensam as conveniências oferecidas pelas tecnologias modernas, em favor de uma vida submissa à vontade de Deus; valorizam o convívio em família, mas não abrem mão de certas excentricidades: ao invés dos automóveis, ainda preferem circular de charretes!
        Ao entrar nessas minúcias, espero não ter dado a falsa impressão de que A Testemunha possa ser uma espécie de tratado sobre a comunidade Amish. Nada disso! É um drama policial para consumo ligeiro, que oferece alguma densidade dramática, mas sem mergulhar nas camadas mais profundas dos seus personagens. É um filme saboroso, em parte por causa do talentoso e carismático elenco, em parte pela competência do australiano Peter Weir, o diretor que chegou a Hollywood para impor seu próprio jeito de fazer cinema. Consagrado como um dos principais nomes da New Wave em seu país, ele enxergou nessa história original a oportunidade para criar cenas memoráveis, realizadas com sensibilidade e bom gosto. Deixe-me expor a sinopse:
        A Testemunha conta a história de John Book (Harrison Ford), o policial encarregado de uma investigação de assassinato numa estação de trem da Filadélfia. Ele identifica uma testemunha ocular: o pequeno Samuel (Lukas Haas), um garotinho de oito anos que viaja com a mãe, Rachael (Kelly McGillis); ambos pertencem a uma comunidade Amish e estão de luto pela recente perda do pai e marido. Quando o garoto aponta um policial corrupto como autor do assassinato, o John Book percebe que precisará proteger a testemunha e sua mãe. Depois de uma fuga dramática, o policial os leva de volta para casa, mas é baleado; não lhe resta outra opção, senão integrar-se à comunidade Amish, enquanto convalesce e aguarda o dia em que seus colegas corruptos terminem por encontrar seu paradeiro.
        Harrison Ford esbanja carisma e competência; Kelly McGillis é doce e encantadora e o garoto Lukas Haas traz um olhar tão carente e desamparado que qualquer um tem vontade de pegá-lo no colo e confortá-lo como a um filho. Mas não é só por isso que A Testemunha funciona tão bem. A ótima história que o filme nos conta foi bem costurada pelos roteiristas William Kelley e Earl W. Wallace, a partir de uma história que desenvolveram em conjunto com Pamela Wallace, para um episódio da antiga série de TV intitulada Gunsmoke. Ou seja: o DNA de faroeste salta aos olhos; os diálogos lacônicos e as cenas enxutas ressaltam elementos estruturais da trama, que seguem as convenções do gênero.
        O diretor Peter Weir – ele traz no currículo filmes de peso, como Gallipoli, O Ano em Que Vivemos em Perigo, Sociedade dos Poetas Mortos, Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo e Caminho da Liberdade – assumiu as rédeas do filme depois que o roteiro já estava escrito, mas não conteve seu ímpeto de cineasta: reescreveu várias cenas, a despeito do protesto dos roteiristas. Originalmente, o foco da história estava em Rachel, mas o diretor queria o choque cultural entre os personagens em primeiro plano; aumentou o espaço dramático dedicado à comunidade Amish, retirou as cenas de amor e sexo entre John e Rachel e diminuiu a exposição de violência gráfica. Em resumo: transformou o que poderia ser mais um thriller policial esquecível num drama romântico e emocionante; conquistou um público que ainda hoje se delicia ao acompanhar essa história muito bem contada.
        Sem perder a perspectiva do faroeste, Peter Weir filmou um melodrama envolvente, recheado de estilo. Com seu domínio da linguagem audiovisual, criou uma grande quantidade de cenas memoráveis, onde conseguiu mostrar algumas camadas adicionais dos personagens – ainda que eles nos pareçam estereotipados. Seu maior acerto, contudo, foi ter tratado a comunidade Amish com o devido respeito; quando chegam os créditos finais, eles já não nos parecem pessoas excêntricas, que precisam evoluir. São gente de carne e osso, afinal! Defendem valores cristãos e estão alinhados à legião do bem.

Resenha crítica do filme A Testemunha

Título original: Witness
Data de produção: 1985
Direção: Peter Weir
Roteiro: 
William Kelley e Earl W. Wallace
Elenco: Harrison Ford, Kelly McGillis, Josef Sommer, Lukas Haas, Jan Rubeš, Alexander Godunov, Danny Glover, Brent Jennings, Patti LuPone, Angus MacInnes, Viggo Mortensen, Frederick Rolf, Timothy Carhart, Richard Chaves e Robert Earl Jones

Comentários

  1. "A testemunha" é um filme para ser assistido repetidas vezes, cada vez saboreando os pequenos detalhes que fazem dele um clássico do cinema. Dois mundos diametralmente opostos que se encontram, como planetas que perderam a órbita e que, no fim, precisam voltar para seu lugar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, e os realizadores souberam nos dar vislumbres precisos sobre esses dois mundos. Nos colocaram num alinhamento perfeito onde pudemos assistir de camarote. Ótimo filme, com cenas memoráveis!

      Excluir
  2. Eu vi esse filme mais de uma vez no ano de 1985,na TV,em 1992 e 1995,nao vi mais e queria ver de novo,e um filme espetacularmente poetico e Harrison Ford,lindo e magnetico,com uma grande atuacao como sempre ele sempre foi e e um grande ator,transmite tanta intensidade w verdade com suas atuacoes que sentimos.o que ele sente

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Confira também:

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Siga a Crônica de Cinema