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Mostrando postagens de 2021

Feliz Ano Novo!

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PRETENDO OLHAR PARA O CÉU NOTURNO E ENXERGAR MAIS DO QUE FOGOS DE ARTIFÍCIO A luz elétrica revolucionou a vida em nosso planeta e alçou a humanidade a um patamar de conforto antes inimaginável, mas nos impôs um efeito colateral. Nossas cidades iluminadas ofuscaram o céu noturno e nos deixaram cegos para o esplendor da abóbada celeste. Aquilo que maravilhava nossos ancestrais cotidianamente, os intrigava e incitava a imaginação, apagou-se. Da minha varanda, numa noite sem nuvens e sem a luz do luar, tudo o que consigo enxergar olhando para cima são vários pontos luminosos, esparsos. Ainda assim suficientes para me pôr divagando sobre a imensidão do universo e as razões da existência.           Quando era garoto, aprendi na escola que a Terra está localizada na Via Láctea, uma galáxia como tantas outras. Lembro de uma foto num livro de geografia onde uma seta indicava o local exato. Fiquei intrigado: como é possível saber isso com tanta precisão, apenas olhando para o céu? O próprio nome

Um Crime de Mestre: um honesto suspense de tribunal

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Um Crime de Mestre: dirigido por Gregory Hoblit TIRANDO PROVEITO DO EMARANHADO JURÍDICO Lá pelos doze anos, o que me estimulou para a leitura foi Sherlock Holmes. As histórias do famoso detetive e seu assistente, Doutor Watson, mantinham-me ocupado por horas nas tardes de férias. Foi nas páginas de Sir Arthur Conan Doyle que encontrei a comprovação: o crime não compensa, mentira tem perna curta e não existe crime perfeito! O arrogante criminoso sempre deixará pistas na cena do crime, que estarão gritando na direção da verdade. Basta usar as ferramentas da dedução para montar o quebra-cabeça e fechar o circuito lógico.           Quando virava a última página do livro e encontrava a palavra “fim”, começava uma nova aventura: a de tentar imaginar como o autor havia construído tão intrincada história. A única possibilidade, conforme minhas próprias deduções lógicas, era seguir o caminho reverso: começar bolando a trama e depois criar os detalhes do crime, imaginando as pistas que seriam de

À Espera dos Bárbaros: baseado no romance de J.M. Coetzee

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À Espera dos Bárbaros: filme dirigido por Ciro Guerra DIRETO DA LITERATURA PARA AS TELAS Nas páginas de um livro, uma história segue no ritmo ditado pelo leitor. O autor pode combinar as palavras, buscando uma sugestão de cadência na sonoridade que elas evocam. Também pode forçar a pontuação para impor as pausas e marcar a tomada de fôlego. Mas é na leitura que a obra se abre para interpretações. Já no cinema, esse pacote vem pronto. O ritmo é dado pela duração das imagens e dos sons, mas também pelos gestos dos atores, seus olhares, linguagem corporal, tom de voz, pronúncia... Lembro disso para destacar que, no filme, a criação coletiva acaba com a ditadura do autor, que perde o controle absoluto da sua história. John Maxwell Coetzee o escritor sul-africano ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2003, resistiu o quanto pôde, tentando segurar as rédeas da sua obra. Em À Espera dos Bárbaros , ele mesmo assina o roteiro para a adaptação do romance que escreveu em 1980, dirigida em 201

Uma crônica de Natal

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UMA MENSAGEM DE ESPERANÇA Os círculos nas plantações, as luzes piscando no céu noturno, as abduções... Era tudo verdade! Os alienígenas do espaço chegaram numa embarcação tetradimensional. Com graciosos movimentos metafísicos ela pousou no heliporto de um prédio vizinho ao meu. Incrédulo, fui recepcioná-los.           Com a ajuda de um desses googletranslators conseguimos iniciar uma conversa. Objetivos e racionais – como era de se esperar de alienígenas autênticos – foram direto ao ponto: perguntaram o significado do evento que mobilizava o planeta inteiro naquele dia 25 de dezembro.           – Ih, rapaz! Perguntaram para o sujeito errado. Não sou muito ligado a assuntos religiosos... Acho que um padre explicaria melhor.           Como os visitantes permaneceram impassíveis, com os imensos olhos atentos, não tive alternativa senão apresentar uma resposta. Ela foi saindo de improviso, entre frases gaguejadas:           – Vejam... Como eu disse, é um evento religioso, em comemoração ao

Imperdoável: Sandra Bullock merecia um roteiro melhor

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Imperdoável: filme dirigido por Nora Fingscheidt QUEM NÃO MERECE PERDÃO SÃO OS ROTEIRISTAS! Já vou logo avisando: esta crônica será diferente daquelas que você costuma ler aqui na Crônica de Cinema. O motivo é que detestei esse filme! Ele é irritantemente fraco e mal construído. Para explicar meu ponto de vista, precisarei apelar para spoilers – o que evito ao máximo, mas aqui serão necessários. Assim, fica o alerta: caso não tenha assistido ao filme  Imperdoável , dirigido em 2021 por Nora Fingscheidt, talvez prefira fazê-lo antes de ler esse texto. Depois de ver com os próprios olhos, poderá voltar e conferir se as nossas opiniões convergem ou divergem.           Antes de mais nada, quero lembrar que o filme  Imperdoável é a adaptação para o cinema da minissérie em três episódios intitulada Unforgiven , escrita por Sally Wainwright e exibida na TV britânica em 2009. Vejo aqui o primeiro ponto fraco! O fluxo narrativo numa minissérie é diferente daquele apropriado para um filme. Lá h

Loucos por Justiça: Mads Mikkelsen não está para brincadeiras

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Loucos Por Justiça: filme de Anders Thomas Jensen SALTANDO DE GÊNERO EM GÊNERO, SEM PERDER A VEROSSIMILHANÇA Close no militar embrutecido pelo estresse pós-traumático, tão calejado de guerra que só consegue enxergar o mundo pela perspectiva da violência. Transformado em máquina de guerra poderosa e incontrolável, sua razão de ser é causar dor nos inimigos incautos que cruzam seu caminho. Suas feições gélidas intimidam. Seu olhar não deixa entrever qualquer emoção. Suas expressões jamais se alteram. É... Não restam dúvidas, estamos diante de um personagem padrão nos filmes de ação hollywoodianos. Mas espere! Esse é um filme dinamarquês! E repare bem: a mente do tal militar não é um recipiente vazio de emoções! Elas fervilham em aflição e angústia. Escapam pelas microexpressões do ator! E que ator é esse? O Mads Mikkelsen, com a cabeça raspada e uma barba imensa! Ah, esse Loucos Por Justiça , filme de 2020 dirigido por Anders Thomas Jensen é mesmo de prender a atenção!           Uma únic

Ataque dos Cães: entenda o significado do ponto de virada desse western sombrio

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Ataque dos Cães: filme dirigido por Jane Campion UM ESPETÁCULO AUDIOVISUAL REFINADO E FLUENTE Então, com a próxima temporada do Óscar atiçando a sede por indicações, eis que os serviços de streaming se animam a encher nossas telas com cinema de verdade. Ataque dos Cães , filme de 2021 escrito e dirigido pela cineasta neozelandesa Jane Campion é um filme e tanto. Um espetáculo audiovisual que nos traz um melodrama sólido, com narrativa fluente, atuações marcantes, uma temática envolvente e vocação para ensejar diferentes interpretações. Para formar uma opinião crítica a respeito dessa produção é preciso ponderar diferentes elementos. Primeiro, vamos começar falando da diretora.           Jane Campion tornou-se célebre depois que dirigiu o filme O Piano em 1993, o que lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes – a primeira mulher a receber o prêmio – e o Óscar de melhor roteiro original. Credenciada como grife de cinema criativo e maduro, sua assinatura nos créditos é motivo suficiente para d

5 filmes onde o mundo da música é pano de fundo

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Antes do cinema, a música tinha um caso sério com o teatro. Deram à luz a opera e continuam apaixonados até hoje. Mas a sétima arte herdou as qualidades do pais e criou espetáculos inesquecíveis. Há uma categoria de filmes que não podemos classificar propriamente como musicais, pois neles a música se estende como pano de fundo para sustentar os dramas de seus personagens. As histórias se passam nos bastidores e nos deixam entrever as dinâmicas e as práticas no fascinante mundo habitado pelos músicos, produtores e operários da indústria musical. Aí vai uma lista com cinco filmes onde vale a pena prestar atenção nesse pano de fundo. 1 - Whiplash – Em Busca da Perfeição Um filme vigoroso dirigido por Damien Chazelle, sobre uma batalha de egos no mundo da música de alta performance. Leia mais: 2 - A Última Nota Patrick Stewart em excelente atuação vive um pianista fictício passando por uma crise real. A direção é de Claude Lalonde Leia mais: 3 - O Cântico dos Nomes Uma ode imaginativa e or

Um Lugar no Coração: descobri porquê quase ninguém fala desse filme

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Um Lugar no Coração: escrito e dirigido por Robert Benton UMA OBRA PARA SER REVISITADA Às vezes me pergunto: por que Um Lugar no Coração , escrito e dirigido em 1984 por Robert Benton, quase não aparece na lista dos grandes filmes a serem reverenciados no panteão da sétima arte? Quase não leio comentários sobre essa produção impecável, que recebeu seis indicações ao Óscar e saiu com duas estatuetas: melhor atriz para Sally Field e melhor roteiro original para Robert Benton. Ela nos traz uma história emocionante, contada com propriedade e encenada por um elenco magnético. Ainda assim, parece esquecida. Os privilegiados que dispõem de uma cópia no acervo certamente se dão o prazer de revisitá-la de tempos em tempos. O resto de nós, só quando tropeçamos com o título em algum serviço de streaming.           Parti de algumas teorias para tentar resolver o mistério. Na primeira, a culpa seria de Mozart, ou melhor, de Amadeus , a obra-prima de Miloš Forman, que roubou todas as cenas naquele a

Diamante de Sangue: injustiças x hipocrisia em Serra Leoa

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Diamante de Sangue: dirigido por Edward Zwick NÃO HÁ REDENÇÃO PARA OS GRANDES CULPADOS O problema com a hipocrisia é que ela se disfarça tão bem que às vezes não a reconhecemos de imediato. É preciso dar corda ao narrador, para que ele se enrole e tropece nas próprias contradições. É quando percebemos que sua postura não é tão virtuosa quanto seu discurso afetado deixa transparecer. É quando compreendemos que os punhos erguidos são coreografados e as bandeiras agitadas estão ao sabor dos ventos do oportunismo. Diamante de Sangue , filme de 2006 dirigido por Edward Zwick é um desses filmes que chafurdam em hipocrisia, mas conseguem entregar um bom entretenimento, ainda que esquecível.           Ok, estou sendo incisivo e compreendo que precisarei justificar essa introdução com argumentos convincentes. Mas antes será necessário estabelecer a sinopse do filme e seu contexto dramático. O pano de fundo de Diamante de Sangue é a guerra civil que eclodiu em Serra Leoa, quando os guerrilheiro

A Sombra de Stalin: a história real de um herói esquecido

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A Sombra de Stalin: dirigido por Agnieska Holland UM HERÓI DE VERDADE QUE MERECE SER LEMBRADO Estava passeando pelo serviço de streaming e decidi apertar o play num filme destacado como sugestão. É um risco, sei muito bem. Mas minha política é dar alguns minutos para que o filme ao menos possa mostrar a que veio. Muitos, de tão precários, acabam ganhando apenas isso: alguns poucos minutos. Mas A Sombra de Stalin , filme de 2019 dirigido pela polonesa Agnieszka Holland ganhou minha atenção e meu respeito. É uma produção acima da média, que apresenta um personagem admirável, envolvido numa história escabrosa, mas muito bem contada. Baseado em fatos, mistura thriller com melodrama e traz à tona elementos históricos que, apesar de terem acontecido há quase um século, ainda irradiam atualidade e urgência.           A cena de abertura nos apresenta a um escritor misterioso, martelando sua máquina de escrever num ambiente rural, cercado de animais. Sua narrativa remete ao protagonista, Gareth

Dersu Uzala: poesia audiovisual de Akira Kurosawa

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Dersu Uzala: dirigido por Akira Kurosawa QUANDO O CINEMA GANHA EXPRESSÃO POÉTICA Em Curitiba, nos anos 1970, havia um grande portal para o espaço-tempo. Costumava usá-lo com rotineira frequência – praticamente todos os finais de semana. Era enorme, daqueles com um imenso saguão de entrada, plateia e primeiro balcão. Usava-o para acessar mundos distantes e épocas remotas, passadas e futuras. Como é da natureza dos portais, havia pouco o que reparar nele. Todas as atenções se voltavam para a janela que se abria e o crucial momento da travessia. Enquanto isso, as expectativas eram vencidas com a ajuda de um saquinho de pipocas ou uma caixinha de balas Mentex. Apesar de perceber pessoas ao meu redor, as jornadas nas quais embarcava eram sempre solitárias e de esforço pessoal. Ainda hoje me sinto conectado com aquele lugar. E nesse momento em que escrevo, tal conexão é real! Palpável. Consigo me ver sentado numa das poltronas vermelhas, com o olhar vidrado. Encantado! Com a mente desconecta

Lion - Uma Jornada para Casa: o drama real de um garotinho indiano

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Lion - Uma Jornada Para Casa: dirigido por Garth Davis UMA HISTÓRIA SIMPLES E PODEROSA Os filmes têm esse poder de estabelecer conexões emocionais entre as experiências que vivenciamos de fato e aquelas das quais nos apropriamos depois fruir uma obra cinematográfica. Não há lógica nessas conexões, mas elas afetam a nossa visão do mundo e a maneira como lidamos com ele. Quando penso em Lion - Uma Jornada Para Casa , produção australiana de 2016 dirigida por Garth Davis, não consigo deixar de lembrar o fato que me aconteceu naquela noite chuvosa, antes de assistir ao filme.           Quando voltava para casa ao cair da tarde, parei em um posto para abastecer o carro. O frentista anotou o valor num papelzinho e eu tomei o rumo da loja. Queria chegar depressa ao caixa, pagar de uma vez e seguir viagem. O rapaz que abastecia na bomba ao lado também estava com pressa e veio logo atrás. Acontece que o chão estava liso e acabei escorregando. Foi um tombo... cinematográfico! Daqueles em que o v

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