Cassino: uma incrível história real

Cena do filme Cassino
Cassino: direção de Martin Scorsese

UM ÉPICO SOBRE O SUBMUNDO DO CRIME

Eis que flagramos Martin Scorsese e Nicholas Pileggi, novamente, a ponto de ultrapassar a fronteira da apologia ao crime. O filme Cassino, dirigido em 1995 pelo primeiro, numa adaptação do romance escrito pelo segundo, é uma retomada da fórmula bem-sucedida que a dupla desenvolveu em seu filme anterior, Os Bons Companheiros. Mais uma vez somos apresentados a personagens sem caráter, ávidos por dinheiro e poder, embriagados de hedonismo e guiados pela violência; são mafiosos que não merecem menos do que a cadeia, mas aqui desfilam de protagonistas, para satisfazer a nossa mórbida curiosidade sobre o que nos esperaria se tivéssemos optado por ingressar no mundo do crime. Será mesmo que não há compensações? Há algo que valha a pena?
        O tema, recorrente na filmografia de Scorsese, vem tratado com a costumeira competência. O cineasta disseca seus personagens, enquanto os expõe às circunstâncias que os moldam e os tornam interessantes de serem dissecados. Faz um cinema dispendioso, que ombreia com as produções comerciais, mas sem oferecer aos produtores e distribuidores o mesmo retorno pelo investimento – a indústria não faz tanto dinheiro, mas pelo menos experimenta a satisfação de se envolver com cinema de verdade. Cassino é, portanto, um cinema grandiloquente, que posa de épico porque tem personagens que atribuem a si mesmos uma grandeza desmedida, flui numa linguagem sofisticada e demanda aguçada sensibilidade artística de todos os envolvidos.
        O livro de Nicholas Pileggi, cujo título é Casino: Amor e Honra em Las Vegas, é baseado em uma história real. O autor, um repórter novaiorquino que moldou seu estilo a partir do convívio diário com policiais e detetives, trabalhou por anos na história da indústria dos cassinos. Finalmente, teve acesso a um sujeito chamado Frank Rosenthal, que nos anos 1970 administrou quatro cassinos para a máfia em Las Vegas, apaixonou-se por uma ex-prostituta irascível chamada Geri McGee e firmou uma parceria criminosa com o violento Tony Spilotro; eles protagonizaram um triângulo amoroso tão retumbante que pôs tudo a perder para os mafiosos e acabou com o poder que haviam conquistado na cidade. Pronto! Pileggi encontrou o fio condutor da sua história: ao contar a trajetória desses três personagens, poderia expor a conturbada realidade do submundo do crime.
        O filme de Scorsese transporta para as telas a escrita ágil e envolvente de Pileggi, onde o trio de protagonistas, rebatizados como Sam Rothstein (Robert De Niro), Ginger McKenna (Sharon Stone) e Nicky Santoro (Joe Pesci) irradia charme e verossimilhança. Logo na abertura, vemos Sam ser vitimado pela explosão de uma bomba plantada em seu carro. É ele quem narra a história – memórias póstumas? – de como se tornou administrador do Tangiers, um novo cassino cujo presidente é na verdade um testa-de-ferro da máfia. O dinheiro corre solto, a ponto de atrair Nicky, o assassino meticuloso encarregado de manter o funcionamento dos negócios. Acontece que a bela Ginger entra na equação e se casa Sam. Viciada em álcool e drogas, ela se torna instável e gananciosa; resolve se separar, mas Sam não admite o fim do casamento. O que ela faz? Seduz Nicky para conseguir sua ajuda. Na medida em que o triângulo se fecha, as autoridades policiais percebem a oportunidade de acabar com a festa do trio e de todo o time de mafiosos em torno deles.
        Martin Scorsese e Nicholas Pileggi escreveram o roteiro de Cassino em parceria. Focados em encontrar uma narrativa mais apropriada para as telas – ancorada na linguagem audiovisual –, tentaram manter a perspectiva épica da história; porém, chegaram a um resultado mais sombrio e complexo, se comparado ao que conseguiram em Os Bons Companheiros. Isso por certo se deve ao fato de que todos os personagens que perambulam pelo filme realmente existiram e todos os eventos encenados aconteceram na vida real.
        O próprio Cassino Tangiers, apesar de ser fictício, representa a fusão dos quatro pequenos cassinos controlados pelo protagonista – Stardust, Fremont, Frontier e Marina. As filmagens foram realizadas em um cassino de verdade, o Riviera, que na época preservava o visual dos anos 1970 e trouxe uma atmosfera realista e quase documental para o filme. Outro elemento verdadeiro apresentado em Cassino é o programa de TV estrelado pelo protagonista, que de fato existiu e serviu de veículo para que ele projetasse a sua aura de popularidade acima dos interesses mafiosos.
        Cassino é um daqueles filmes que nascem de fato na moviola. Scorsese se apegou ao roteiro durante as filmagens, como forma de viabilizar a gestão de seu polpudo orçamento e exercer a direção sobre uma equipe afiada e profissional. Depois, em colaboração com a editora Thelma Schoonmaker – com quem já havia trabalhado na edição de vários documentários – o diretor tratou de rever toda a estrutura do filme; reorganizou as cenas, reescreveu novas narrações e buscou equilibrar a exposição e a dramatização para tornar o enredo mais ágil.
        Os fãs de Martin Scorsese enxergarão em Cassino uma direção mais compenetrada, com movimentos de câmera mais discretos e ênfase nos planos estáticos. É porque o diretor precisou lidar com uma enormidade de informações, que aparecem na tela como resultado de uma direção de arte elaboradíssima, onde cenários, figurinos e objetos de cena ajudam a contar a história. Em vários momentos, temos a impressão de acompanhar um documentário; Robert De Niro, Sharon Stone e Joe Pesci, entretanto, estão lá para nos lembrar de que se trata de pura dramatização! E uma das boas, como só a sétima arte pode nos proporcionar. Eis aqui um filme para ver e rever!

Resenha crítica do filme Cassino

Ano de produção: 1995
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Nicholas Pileggi e Martin Scorsese
Elenco: Robert De Niro, Sharon Stone, Joe Pesci, James Woods, Don Rickles, Alan King, Kevin Pollak, L. Q. Jones, Dick Smothers, Frank Vincent, John Bloom, Pasquale Cajano, Melissa Prophet, Bill Allison, Vinny Vella, Oscar Goodman, Catherine Scorsese, Philip Suriano, Erika Von Tagen, Richard Riehle, Frankie Avalon, Steve Allen, Jayne Meadows, Jerry Vale, Gene Ruffini, Joseph Rigano e Paul Herman

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