Os Infiltrados: Scorsese finalmente pôs as mãos num Óscar

Cena do filme Os Infiltrados
Os Infiltrados: direção de Martin Scorsese

UMA TRANSPOSIÇÃO CULTURAL E CINEMATOGRÁFICA

Conflitos Internos, dirigido em 2002 pela dupla Andrew Lau e Alan Mak foi um estrondoso sucesso em Hong Kong. Filme de ação, bem ao gosto do público asiático, traz aquele tipo de cinema frenético e estilizado, produzido em grande escala para proporcionar entretenimento descartável. Com toques de melodrama, conta a história de dois personagens em lados opostos da lei. Um é policial e se infiltra no crime organizado, para tentar acabar com a festa dos bandidos. O outro foi recrutado pelo crime organizado, para se tornar policial e tentar proteger os interesses dos bandidos. A existência de ambos é descoberta, mas não suas identidades. O jogo que se inicia, então, é aquele de gato e rato, com direito a lances violentos e todo tipo de dissimulações, até que um deles seja desmascarado por primeiro e eliminado.
        O ator Brad Pitt se uniu ao produtor Brad Gray e os dois compraram os direitos dessa história explosiva. Perceberam a oportunidade de produzir um remake hollywoodiano, bem ao gosto do público americano. O projeto ganhou corpo na indústria e quando se deram conta, haviam recrutado um incrível time de astros: Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Mark Wahlberg, Jack Nicholson, Martin Sheen, Alec Baldwin... E para dirigir, contaram com o aclamado Martin Scorsese. O remake recebeu o título de Os Infiltrados e foi realizado em 2006.
        Os fãs de Scorsese têm que admitir: Os Infiltrados não é emblemático na filmografia do diretor. Não se desenrola em longos planos elaborados e descritivos, nem persegue seus personagens por cenários construídos em detalhes. Ao contrário, Scorsese parece incorporar o estilo narrativo dos diretores de Hong Kong, adotando um ritmo de edição mais ágil e urgente. Curiosamente, esse foi o filme pelo qual recebeu o reconhecimento da academia de cinema e pôs as mãos, finalmente, no seu Óscar de melhor diretor – depois de ter sido indicado outras cinco vezes.
        Sim, Os Infiltrados é um grande filme, onde Scorsese exercita seu pleno domínio da linguagem cinematográfica. Porém, não está entre as seus títulos mais importantes, como Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros, entre outros! Nesse envolvente thriller policial, o diretor vai buscar referências não só no cinema de Hong Kong, mas também nos grandes acertos de Hollywood – e é claro, nos dos seus próprios filmes! As cenas vão se estabelecendo em um ritmo frenético, para contar os percalços dos dois protagonistas, deixando o espectador com as unhas cravadas no braço da poltrona. Porém, antes de entrar em detalhes, é mais prudente examinar a sinopse:
        O filme se passa em Boston, Massachusetts, onde Colin Sullivan (Matt Damon) cresce sob influência do abominável chefe da máfia irlandesa, Frank Costello (Jack Nicholson). O rapaz segue um plano bem traçado pelo criminoso: entra para a academia de polícia e depois consegue ser admitido na Unidade de Investigações Especiais, onde ajudará a... combater o crime organizado! Em paralelo, vemos outro jovem, que também passou pela academia de polícia, seguir na mesma carreira: Billy Costigan (Leonardo DiCaprio), arregimentado pelo capitão Oliver Queenan (Martin Sheen) e pelo sargento Sean Dignam (Mark Wahlberg) para atuar como infiltrado na máfia irlandesa. Na medida em que passam a exercer suas funções de informantes, Sullivan e Costigan se colocam em lados opostos da ética e da moral, separados por uma tênue linha. Porém, ambos encontram no pervertido Costello – e sua poderosa estampa paterna – um inusitado elo de ligação. Os dois também estabelecem uma relação amorosa com a mesma psiquiatra da polícia, a Dra. Madolyn Madden (Vera Farmiga). O que passamos a acompanhar, então, é um intrincado jogo de perseguição, onde um infiltrado tenta descobrir a identidade do outro, enquanto faz o possível para evitar revelar o próprio disfarce. Tudo à custa de muito sangue e violência.
        O roteiro de Os Infiltrados foi escrito por William Monahan, que também escreveu Rede de Mentiras e A Cruzada. Romancista experiente, manteve-se fiel ao roteiro do filme original, escrito por Felix Chong e Siu Fai Mak. O que fez foi transferir a ação de Hong Kong para Boston e desenvolvê-la a partir de um ponto de vista americanizado, empregando uma escrita fluente, detalhada e repleta de linhas de diálogo certeiras. Construiu o personagem de Frank Costello baseado num mafioso da vida real: o famigerado Whitey Bulger, envolvido até o pescoço com o crime organizado e também com ações do IRA.
        Aliás, com tantos astros disputando a atenção do espectador, é nesse papel que brilha fulgurante o ótimo Jack Nicholson, perfeito no papel de vilão. Seu mafioso irlandês chafurda em maldade e perversão. É um velho obsceno e odioso, mas consegue manter a autenticidade e a credibilidade, fornecendo a base emocional para que os dois jovens protagonistas percorram seus arcos dramáticos.
        Com duas horas e meia de duração, Os Infiltrados é cinema relevante. Não pode ser visto como um mero remake, pois seus realizadores dedicaram muita energia cinematográfica para fazer dele uma transposição cultural e estética. Nesse esforço bem-sucedido, conquistaram quatro estatuetas na festa do Óscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor edição.

Resenha crítica do filme Os Infiltrados

Título original: The Departed
Ano de produção: 2006
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: William Monahan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Vera Farmiga, Ray Winstone, Alec Baldwin, Anthony Anderson, James Badge Dale, David O'Hara, Mark Rolston, Kevin Corrigan, John Cenatiempo, Armen Garo, Robert Wahlberg, Kristen Dalton e Conor Donovan


Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Martin Scorsese:



Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema