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Mostrando postagens com o rótulo Drama

O Milagre: ficção construída sobre fatos perturbadores

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O Milagre: direção de Sebastián Lelio CINEMA VISTOSO, DENSO E ENVOLVENTE Quem assistiu ao filme O Quarto de Jack , dirigido em 2015 por Lenny Abrahamson, certamente traz na memória as cenas tocantes sobre o relacionamento entre uma mãe e seu filho de cinco anos aprisionados num cativeiro, enquanto ela tenta se desdobrar em superação, para encontrar a saída que os leve a uma existência digna. Pois a escritora irlandesa Emma Donoghue, autora do romance e da sua adaptação para as telas, continua interessada no tema. Em sua nova empreitada, intitulada O Milagre , romance que virou filme em 2022 sob a direção do chileno Sebastián Lelio, ela volta a investigar os corredores apertados da maternidade, contando uma outra história fictícia. Esta se passa na sua Irlanda natal, nos idos de 1862 e envolve personagens inventados, mas inspirados em fatos impressionantes.           Antes de falar sobre O Milagre , será preciso contextualizar o seu enredo. Naquela época, a Irlanda acabava de sair da Gr

Rocky: Um Lutador: golpes mais do que certeiros

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Rocky: Um Lutador: direção de John G. Avildsen STALLONE ESCREVEU O ROTEIRO E VIVEU A MESMA TRAJETÓRIA DO SEU PERSONAGEM Ludy estava descansando no sofá, enquanto conversava com Julia numa chamada de vídeo. Para matar as saudades uma da outra, minha mulher e minha filha volta e meia precisam vencer a distância física que separa Curitiba de São Paulo. Quanto a mim, fico só ouvindo, fazendo as poucas interferências que julgo necessárias. Uma delas aconteceu quando Julia disse ter acabado de assistir ao filme Rocky: Um Lutador :           – Como assim? Você está falando daquele filme de 1976 estrelado pelo Sylvester Stallone?           – Esse mesmo! É ótimo! – garantiu Julia, sem esconder a empolgação.           – Mas é um filminho comercial e bobinho, cheio de patuscadas americanizadas!           – Nada disso! Você já viu esse filme recentemente?           De repente, me dei conta de que só havia assistido a Rocky: Um Lutador uma única vez, quando tinha dezesseis anos. Lembro que precise

O Pálido Olho Azul: ficção envolvente com final surpresa!

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O Pálido Olho Azul: direção de Scott Cooper AQUI, EDGAR ALLAN POE VIRA PERSONAGEM O diretor Scott Cooper diz preferir o formato de longa-metragem ao invés daquele estabelecido para as minisséries da TV. Tendo a concordar com ele, já que a objetividade de resolver tudo em duas horas se encaixa melhor na minha experiência cotidiana de cinéfilo. Mais demoradas, as séries demandam disciplina e um maior controle da ansiedade, enquanto esperamos a resolução da trama. Não sei se essa preferência do diretor foi o único motivo para que  O Pálido Olho Azul , de 2022, fosse realizado como filme, mas o fato é que o material no qual ele se baseou – o romance com o mesmo título escrito em 2009 por Louis Bayard – traz uma profusão de personagens e uma trama minuciosa o bastante para render uma minissérie inteira. E das boas!          Vamos começar falando do livro. Seu autor  tem no currículo alguns ótimos mistérios históricos, como Mr. Timothy e O Mistério da Torre Negra . Em  O Pálido Olho Azul ,

O Sétimo Selo: alegoria medieval sobre o medo da morte e o fim dos tempos

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O Sétimo Selo: direção de Ingmar Bergman UM FILME QUE DEIXA MAIS PERGUNTAS DO QUE RESPOSTAS Na pequena cidade sueca de Täby, ao norte de Estocolmo, há uma igreja medieval, famosa por ter as paredes e o teto pintados por Albertus Pictor, um renomado artista que viveu na segunda metade do século XV. Lá ele deixou uma imagem icônica: um nobre joga uma partida de xadrez com... a morte! Quinhentos anos depois, a obra inspirou o diretor Ingmar Bergman a escrever uma peça de teatro, intitulada Trämålning – em português, algo como Pintura em Madeira. Estruturada em apenas um ato, a peça foi concebida como um exercício para os alunos do curso de formação de atores conduzido pelo diretor. Foi encenada pela primeira vez em 1954, como uma radionovela. Dois anos depois, ganhou o mundo do cinema como O Sétimo Selo , filme que está entre os mais famosos de Bergman.           Esse drama existencial ambientado na Idade Média é um filme... difícil! É poético, sombrio e lento, especialmente para os padr

Bravura Indômita: um remake fiel ao romance original

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Bravura Indômita: direção de Joel e Ethan Coen UMA HISTÓRIA AMERICANA POR EXCELÊNCIA Minha geração não viveu a intensidade do mito John Wayne. Meu pai era fã dele e gostava de rever seus filmes na TV, velhos faroestes em preto-e-branco que não me atraiam. Cresci sem jamais ter assistido a qualquer um deles – no máximo conferi uma ou outra cena, aqui e ali, só para me irritar com a dublagem antiquada, a trilha sonora fora de moda e a encenação excessivamente teatral. Minha geração já estava sintonizada com outros mitos e ninguém poderia me convencer a sentar numa poltrona para assistir a um faroeste estrelado por John Wayne. A não ser, é claro, os irmãos Coen!           Quando assisti ao remake de Bravura Indômita , realizado por eles em 2010, não tive escolha. Precisei conferir o original, para compreender o que os ousados Joel e Ethan Coen andaram aprontando e de que forma impuseram a sua visão pessoal daquela história. Confesso que fiquei desconcertado. Percebi que a nova versão segu

Os Aeronautas: inspirado em fatos, um filme de aventura repleto de dramatizações

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Os Aeronautas: direção de Tom Harper TUDO ACONTECEU ASSIM, MAS NÃO NECESSARIAMENTE NESSA ORDEM Coragem! Valentia! Bravura! A humanidade deve suas grandes conquistas a alguns poucos indivíduos, que tiveram o atrevimento de colocar a vida em risco, sem se deter diante dos perigos. Encontramos aventureiros intrépidos por trás de toda invenção ou descoberta, quase sempre movidos pela ambição de deixar seu nome para a posteridade, ou simplesmente pelo prazer de serem os pioneiros em alguma área do conhecimento. Seja como for, é a história deles que merece ser contada – quem quer saber das infâmias perpetradas pelos covardes? O diretor Tom Harper se deparou com uma das boas, quando leu o livro Falling Upwards: How We Took to the Air , escrito em 2013 pelo historiador militar britânico Richard Holmes. Mas para contá-la no filme Os Aeronautas , que realizou em 2019, ele precisou encontrar as soluções narrativas mais adequadas.           Antes de examinar esse ótimo filme de aventura, precisare

O Inquilino: um filme sobre a perda da própria identidade

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O Inquilino: direção de Roman Polanski SUSPENSE, TERROR PSICOLÓGICO E SUSTOS MAIS... DURADOUROS Era um garoto de 16 anos quando entrei numa sala de cinema para assistir ao filme O Inquilino , dirigido e estrelado por Roman Polanski em 1976. Saí de lá um garoto de 16 anos... assustado! Estava numa idade marcada pela busca da própria identidade e ainda não sabia ao certo o que fazer com as revoluções transformadoras causadas pela puberdade. Por isso, um filme de suspense e terror psicológico onde o protagonista deixa de se reconhecer no espelho, acabou tendo seus efeitos potencializados sobre este cinéfilo em formação. Voltei no dia seguinte para uma nova sessão, ainda incomodado com a possibilidade devastadora de uma tal paranoia, mas dessa vez tive a sensatez de prestar atenção na obra cinematográfica em si. E que obra! O mestre Polanski, contando com a ajuda de Sven Nykvist, o diretor de fotografia que fez um trabalho impecável em diversos filmes de Ingmar Bergman, consegue um refinam

Belfast: a infância durante os conflitos na Irlanda do Norte

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Belfast: direção de Kenneth Branagh É BELO E LEVE, MAS MANTÉM A DISTÂNCIA EMOCIONAL Kenneth Branagh levou seu nome até o topo da indústria cinematográfica. Ator talentoso, estrelou e dirigiu inúmeras adaptações para o cinema de peças de William Shakespeare e marcou presença em várias séries produzidas para a televisão britânica. Mais recentemente, dirigiu Assassinato no Expresso Oriente , onde interpretou o detetive Hercule Poirot. Também se embrenhou no universo dos super-heróis, assumindo a direção do filme Thor . Com Belfast , que escreveu e dirigiu em 2021, tornou-se o primeiro na história do Óscar a ser indicado para sete categorias diferentes. Um feito notável, que mostra não só a sua versatilidade, mas a sua compreensão abrangente do fazer cinematográfico. É natural, portanto, que seu filme mais autoral e pintado com cores autobiográficas chegasse atiçando as expectativas do púbico e da crítica. Saiu da festa do Óscar com a estatueta de melhor roteiro original e com a aura de te

Vivos: uma história contada com autenticidade e realismo

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Vivos: direção de Frank Marshall SOBREVIVERAM GRAÇAS AO... HEROÍSMO Quando tinha 12 anos, fui confrontado com esta história trágica de sobrevivência, que dominou a mídia por semanas e despertou emoções que ainda não conhecia: uma estranha mistura de compaixão com nojo, já que além de lutar para se manter vivos sob condições inóspitas, os personagens foram obrigados a cometer... canibalismo! Foi em outubro de 1972, quando o avião fretado por um time de rugby de Montevidéu caiu na Cordilheira dos Andes. A maioria sobreviveu à queda, mas as equipes de resgate não conseguiram localizá-los. Com pouquíssimos suprimentos, lutaram para se manter vivos por incríveis 72 dias, alimentando-se dos corpos de seus colegas mortos, preservados na neve. Apenas 16 dos 45 passageiros sobreviveram, graças ao esforço heroico de dois deles, que atravessaram as montanhas numa caminhada de 12 dias até encontrar socorro.           O alcance infantil da minha capacidade de compreensão não me permitiu ir além das

O Melhor Lance: romance e suspense no sofisticado mundo da arte

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O Melhor Lance: direção de Giuseppe Tornatore NO AMOR E NA ARTE, O FALSO E O AUTÊNTICO SE CONFUNDEM Giuseppe Tornatore se tornou um dos nomes mais aclamados do cinema italiano. Seu Cinema Paradiso , filmado como uma sincera homenagem à sétima arte, arregimentou fãs incondicionais no mundo todo e o consagrou como cineasta sensível e habilidoso em lidar com as forças emocionais dos seus personagens. Sua parceria com o compositor Ennio Morricone, que rendeu nove longas e vários comerciais, ajudou a consolidar seu estilo envolvente e fortemente agarrado às tradições do audiovisual italiano. Assim, quando realizou O Melhor Lance , em 2013, o fez cercado de expectativas, tanto por parte da crítica como dos cinéfilos: seria seu primeiro filme falado em inglês! Mais que isso, seria seu primeiro filme digital! Como Tornatore se sairia longe da prosódia que dá sabor ao idioma italiano e sem a sensação tátil que nos chega vibrante por meio do celuloide? Muito bem, devo dizer!           O segredo

Encontro Marcado: explicando para a morte qual é o sentido da vida

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Encontro Marcado: direção de Martin Brest SE TIVESSE MAIS COMÉDIA, SERIA MELHOR O que poderia dar errado? Você tem dois atores no auge da popularidade, que atuaram juntos em 1994 no sucesso Lendas da Paixão . Você tem um diretor festejado em Hollywood, que contabilizou em 1992 o estrondoso sucesso comercial chamado Perfume de Mulher . Você tem uma história charmosa, filmada e testada pela primeira vez em 1934, com o título de Uma Sombra que Passa – Death Takes a Holiday , no original. Você tem um certo verniz de dramaturgia, que marcou o teatro com a peça La Morte in Vacanza , escrita em 1923 pelo italiano Alberto Casella. Mas esse histórico de sucesso de nada adiantou quando Encontro Marcado , filme de Martin Brest, foi lançado em 1998: o ceifador cobrou seu preço nas bilheterias e o diretor ficou em maus lençóis com os executivos do estúdio – estourou cronogramas, foi além do orçamento e entregou um filme excessivamente longo, que desagradou a audiência e os exibidores.           Pa

Interestelar: um banho de ciência!

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Interestelar: direção de Christopher Nolan QUANDO CINEASTAS E CIENTISTAS TRABALHAM EM PARCERIA Há inúmeras maneiras pelas quais a vida pode se extinguir na Terra: erupções solares, mudanças no escudo magnético que nos protege da radiação cósmica, impactos de meteoros e cometas... Nosso planeta, da maneira como nos valemos dele hoje, está destinado a desaparecer. É questão de tempo. Portanto, se temos pretensão de continuar existindo, teremos que nos aventurar no espaço e encontrar outros mundos colonizáveis. Essa noção é o motor da epopeia humana em busca de conhecimento científico e, em última instância, da própria corrida espacial, que já nos legou importantes conquistas. É também o motor de vários filmes de ficção científica, que há décadas têm nos colocado íntimos do espaço sideral, seus perigos e desafios.           O gênero encontrou no cinema um suporte perfeito para se desenvolver. Enquanto a literatura, para misturar especulação científica, drama, ação, mistério e suspense, co

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