Sobre Meninos e Lobos: o perturbador Mystic River

Cena do filme Sobre Meninos e Lobos
Sobre Meninos e Lobos: direção de Clint Eastwood

PROFUNDIDADE DRAMÁTICA E CINEMA MINUCIOSO

Sobre Meninos e Lobos, dirigido em 2003 por Clint Eastwood, não é um filme fácil. É doloroso, incômodo e provocador; obriga o espectador a encarar uma gama de emoções fortes, experimentadas por personagens introspectivos, com os quais é difícil estabelecer empatia – não gostaríamos de estar no lugar de nenhum deles! Ainda assim, é um grande filme, que merece ser visto e revisitado; oferece cinema de qualidade e tem lugar de destaque na filmografia de um diretor ousado o suficiente para transitar na contramão do cinema comercial – ao invés de impor um ritmo vertiginoso, pontuado com cenas rápidas, editadas em frenesi, prefere os planos longos, que capturam as minúcias do que seus atores têm para oferecer.
        Antes de falar do filme, porém, gostaria de lembrar do material original, que foi adaptado para as telas: o livro Sobre Meninos e Lobos – Mystic River, escrito em 2001 pelo festejado escritor americano Dennis Lehane. Lá, o autor desfia uma trama policial recheada de violência e dor, onde os erros do passado reforçam os erros do presente e provocam duras consequências na vida de todos os personagens. A história, que se passa nos bairros operários da cidade de Boston, vai além do suspense e revira temas pesados, como o abuso infantil, as relações tortuosas entre pais e filhos e as decepções amorosas. A atmosfera que respiramos é sombria e espessa de tanta amargura, bem ao estilo literário que Lehane desenvolveu em outros de seus romances adaptados para o cinema, como Ilha do Medo, dirigido por Martin Scorsese e Medo da Verdade, dirigido por Ben Affleck.
        Sobre Meninos e Lobos conta a história de três amigos: Jimmy (Sean Penn), um ex-presidiário que administra uma pequena loja de conveniências; Dave (Tim Robbins), um operário com problemas financeiros; e Sean (Kevin Bacon), um detetive da delegacia de homicídios que trabalha em parceria com o policial Whitey (Laurence Fishburne). Durante a infância, os três amigos viveram um momento trágico enquanto brincavam na rua: foram abordados por dois sujeitos disfarçados de policiais, que sequestraram Dave e o submeteram a abusos sexuais por quatro dias. O garoto conseguiu escapar, mas trouxe consigo um trauma que o acompanhou desde então. Passados 25 anos, outro crime brutal provoca uma reviravolta na vida dos três: a filha adolescente de Jimmy é assassinada e a suspeita recai primeiro sobre o namorado dela, mas o traumatizado Dave também vira suspeito. Ironicamente, Sean é o policial encarregado da investigação; ele entra em conflito com o violento Jimmy, que está possesso e age em paralelo para fazer justiça a qualquer custo.
        Com subtramas bem costuradas e personagens tratados em profundidade, esta história rende desdobramentos cada vez mais trágicos, numa escalada de tensão sufocante. Ódio, rancor, intolerância... Ficamos na espera de incontáveis explosões emocionais, ainda que os protagonistas sigam em silêncio, contidos e controlados, enquanto alimentam seus lobos internos!
        Havia em Hollywood uma acirrada disputa pelos direitos de adaptação de Sobre Meninos e Lobos, mas Dennis Lehane estava relutante, temeroso de que poderia ver sua obra descaracterizada. Quando Clint Eastwood demonstrou interesse, ele percebeu que seu livro finalmente receberia um tratamento adequado, já que ambos compartilhavam a mesma visão criativa – o excelente trabalho que o diretor realizou em Os Imperdoáveis serviu de aval. O próximo passo, então, foi definir o roteirista que assinaria a adaptação; Lehane indicou Brian Helgeland, um nome experiente na indústria do cinema, com vários trabalhos relacionado à temática violenta, como o thriller O Troco, que ele escreveu e dirigiu em 1999.
        Clint Eastwood não encontrou espaço para atuar na frente das câmeras, mas conseguiu fazer de Sobre Meninos e Lobos um dos seus filmes mais contundentes; soube tirar proveito da profundidade dramática concebida por Dennis Lehane e se esbaldou na narrativa enxuta e precisa estabelecida por Brian Helgeland. Além disso, o diretor foi feliz na escolha um elenco; Sean Penn e Tim Robbins entregaram suas atuações mais memoráveis – o primeiro saiu da festa do Óscar com a estatueta de melhor ator e o segundo com a de melhor ator coadjuvante.
        Para finalizar, quero lembrar que, neste filme, Clint Eastwood também nos mostrou uma outra faceta da sua atuação artística: a de compositor. A exemplo do que fez em As Pontes de Madison e em Os Imperdoáveis, ele escreveu os temas musicais usados na trilha sonora do filme. Para os cinéfilos detalhistas, eis aí um bom motivo para revisitar Sobre Meninos e Lobos, agora com os ouvidos atentos, para aproveitar por inteiro a experiência cinematográfica de um dos maiores ícones de Hollywood.

Resenha crítica do filme Sobre Meninos e Lobos

Título original: Mystic River
Ano de produção: 2003
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Brian Helgeland
Elenco: Sean Penn, Jason Kelly, Tim Robbins, Cameron Bowen, Kevin Bacon, Connor Paolo, Laurence Fishburne, Marcia Gay Harden, Laura Linney, Tom Guiry, Spencer Treat Clark, Andrew Mackin, Emmy Rossum, Jenny O'Hara, Kevin Chapman, Adam Nelson, Robert Wahlberg, Cayden Boyd, John Doman, Tori Davis, Jonathan Togo, Will Lyman, Ari Graynor, Ken Cheeseman e Michael McGovern

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