Invictus: uma história incrível, que até parece ficção

Cena do filme Invictus
Invictus: filme dirigido por Direção: Clint Eastwood

AQUI, O ATOR QUE SE CONFUNDE COM O PERSONAGEM

Quando Nelson Mandela morreu, em 2013, um comerciante da cidade de Coimbatore, na Índia, fez questão de homenageá-lo: mandou instalar, na frente da sua loja, um painel de publicidade com uma mensagem edificante sobre os feitos do líder político, mas ilustrou a peça com uma foto de... Morgan Freeman! A gafe correu o mundo e serviu para enaltecer a habilidade do ator americano ao interpretar Mandela no filme Invictus, dirigido em 2009 por Clint Eastwood. O que temos aqui é mais um caso em que cinema e fantasia se confundem com a realidade, para criar um emaranhado de novos significados no imaginário popular.
        Antes de mais nada, é preciso lembrar que a história que vamos acompanhar em Invictus é real e foi amplamente documentada; o Nelson Mandela que veremos, entretanto, não é aquele ativista político com histórico de violência, que comandou diversos atentados a bomba e foi ligado ao Partido Comunista da África do Sul. O filme o flagra já como presidente eleito, enquanto usufrui da imagem serena de líder sábio e ponderado, que construiu para si ao longo dos anos de luta contra o hediondo regime de segregação racial conhecido como Apartheid.
        Por seus crimes, Mandela foi preso em 1962 e passou 27 anos trancafiado; foi solto pelo então presidente Frederick de Klerk, por força da pressão internacional. Depois de admitir os erros do passado e refletir sobre os tropeços da luta armada, Mandela emergiu como líder político e assumiu o protagonismo nas negociações para terminar com o Apartheid – um feito notável, pelo qual ele e de Klerk receberam o Prêmio Nobel da Paz em 1993. No ano seguinte, lá estava Nelson Mandela à frente da presidência, a lidar com o drama de um país fragmentado, à beira de uma guerra civil.
        A sagacidade e o espírito criativo de Nelson Mandela o lavaram a uma solução inusitada para driblar a crise política que apavorava a África do Sul: ele decidiu usar o rúgbi – esporte adorado pelos brancos, mas desprezado pelos negros –, como meio de promover a integração de toda a nação. Quando a Comissão Esportiva Sul-Africana decidiu dissolver o time de rúgbi Springboks, porque o considerava um verdadeiro ícone do Apartheid, Mandela foi contra; achou por bem abraçá-lo e promovê-lo também entre os negros. Mais que isso: resolveu que os jogadores sul-africanos não só disputariam a próxima copa do mundo como a venceriam!
        Os Springboks, formado apenas por brancos, já não disputavam partidas internacionais havia anos, por causa de boicotes impostos pela comunidade esportiva. Para concretizar seus planos, Mandela precisou convocar e inspirar o capitão do time, Francois Pienaar, a embarcar numa espiral de superação; primeiro contagiou os jogadores, depois os apaixonados pelo esporte e depois a nação inteira. Eis que o agora presidente da África do Sul, vestido com a camisa número 1 da torcida, conseguiu a proeza de usar o esporte como elemento de unificação do seu povo.
        Essa história é tão incrível que parece fictícia, mas aconteceu de verdade. Foi relatada no livro Playing the Enemy: Nelson Mandela and the Game that Made a Nation, escrito em 2008 pelo jornalista britânico John Carlin, que fez carreira escrevendo sobre esporte e política. Morgan Freeman, que há anos nutria o desejo de interpretar Mandela em um filme, conheceu o livro e enxergou a oportunidade de adaptá-lo para as telas; a trama, concisa e episódica, era comercialmente mais viável do que uma que fosse baseada na autobiografia do líder sul-africano, intitulada Longo Caminho Para a Liberdade, considerada longa demais. E como naquela época Freeman já se tornara amigo pessoal de Mandela, com quem se encontrou diversas vezes; foi fácil para o astro de cinema obter a aprovação do líder político.
        Quem escreveu a adaptação do livro foi o roteirista Anthony Peckham, um sul-africano fortemente conectado com o episódio narrado em Invictus. De início, seu roteiro estava empenhado demais em iniciar o espectador nas regras e dinâmicas do rúgbi – aquele outro esporte bretão jogado com as mãos, onde duas equipes de 15 jogadores disputam com vigor uma bola oval, para fazê-la passar pelo arco adversário que tem a forma de um H. Ainda assim, Morgan Freeman se apressou a pôr o roteiro nas mãos do seu outro amigo, o diretor Clint Eastwood, que logo percebeu a chance de repetir a parceria de sucesso que vimos em Menina de Ouro e Os Imperdoáveis.
        Clint Eastwood gostou do roteiro, mas fez pequenas intervenções, para torná-lo mais apropriado a um filme esportivo. No papel de Mandela, Morgan Freeman ficou à vontade: contou com a vantagem de ter encontrado seu personagem em muitas ocasiões, quando pode estudar seus gestos e seu modo de falar. Para interpretar Francois Pienaar, o capitão dos Springboks, foi convocado o ator Matt Damon; apesar das diferenças no porte físico, Damon acertou no sotaque e convenceu.
        Por trás das câmeras, é Clint Eastwood quem nos mostra o faro apurado para as boas histórias. Faz uma direção segura e consegue tirar vantagem das locações reais, recheadas de figurantes empolgados, dispostos a participar da recriação de momentos históricos. As cenas de esporte, captadas no Estádio Ellis Park, em Joanesburgo, ressaltam o vigor do rúgbi e empolgam até mesmo quem não conhece suas regras. Há momentos emocionantes, que revelam o drama do protagonista. Há citações e declarações que Mandela fez na vida real. Há uma fisicidade que nos salta aos olhos, em contraste com a plasticidade de outros filmes esportivos. Há um cuidado em acertar nos sotaques e perseguir a autenticidade.
        O que não vemos em Invictus é a preocupação em esmiuçar a política, ou cutucar as cicatrizes deixadas pelos conflitos raciais. Tudo o que o diretor quer é nos contar essa história incrível, com uma boa dose de empolgação. E isso ele consegue, com louvor! Quando o filme termina, é o espectador quem fica com o sentimento de vitória

Resenha crítica do filme Invictus

Ano de produção: 2009
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Anthony Peckham
Elenco: 
Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Julian Lewis Jones, Adjoa Andoh, Patrick Mofokeng, Matt Stern, Marguerite Wheatley, Leleti Khumalo, McNiel Hendriks, Scott Eastwood, Isaac Feau'nati, Grant L. Roberts, Rolf E. Fitschen, Vaughn Thompson, Charl Engelbrecht, Graham Lindemann e Sean Cameron Michael

Comentários

  1. Bom .Ex ce LEN te...
    Dispensa comentários

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  2. E As Pontes de Madison, não é dirigido por Eastwood?

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