Cabo do Medo: filme estrelado por Robert De Niro

Cena do filme Cabo do Medo
Cabo do Medo: filme dirigido por Martin Scorsese

UM THRILLER ASSUSTADOR, FILMADO COM PERSONALIDADE

Há muito não visitava Cabo do Medo, realizado em 1991 por Martin Scorsese. Fiz isso outro dia – reconheci a capa ao navegar por um serviço de streaming e cliquei de imediato. No cinema, quando assisti ao filme pela primeira vez, o impacto foi brutal; saí impressionado com tanta violência psicológica. Desde então já assisti a muitos filmes violentos e me imaginava calejado o suficiente, a ponto de subestimar uma história contada há décadas. Nada disso! Ela continua perturbadora.
        Cabo do Medo é uma refilmagem de Círculo do Medo, dirigido em 1962 por J. Lee Thompson e baseado no romance The Executioners, escrito por John D. MacDonald. A película em preto-e-branco era estrelada pelos astros Gregory Peck e Robert Mitchum; apresentava a estética clássica dos thrillers Hollywoodianos que reverenciavam as fórmulas de Alfred Hitchcock. Martin Scorsese resgatou essa atmosfera, mas apimentou a história com boas doses de violência gráfica e escavou com mais profundidade a psique dos seus personagens.
        Antes de continuar, vamos a uma rápida sinopse: Max Cady acaba de sair da prisão após cumprir 14 anos, obcecado em se vingar de Sam Bowden, o advogado que o defendeu e a quem atribui a culpa por ter sido condenado. Com requintes de psicopatia, vai perseguir e aterrorizar Sam, sua mulher e a filha de 15 anos.
        Para esse remake, o roteiro original escrito por James R. Webb foi adaptado por Wesley Strick. Aqui, Sam Bowden não é o advogado exemplar que sua estampa de bem-sucedido deixa transparecer. Ele burla o sistema e oculta informações relevantes, para deixar seu cliente – um estuprador violento que espancara sua vítima até quase matá-la – ter a pena aumentada. Acontece que o Max Cady, que entrou analfabeto na prisão, aprendeu a ler – na verdade, tornou-se um leitor compulsivo. Saiu de lá “praticamente um advogado”, conhecedor dos trâmites legais e ciente da injustiça cometida por quem deveria defendê-lo.
        No filme de Scorsese a sede de vingança do psicopata Max Cady encontra um Sam Bowden impotente, incapaz de apelar para o sistema judiciário que conhece em profundidade; a pendenga terá que ser resolvida entre os dois. Nada de polícia, nada de tribunais. O embate entre o bem e o mal respingará violência física e psicológica para diversos personagens.
        Robert De Niro, numa de suas caracterizações mais elaboradas e memoráveis, está assustador. Nick Nolte, ótimo dentro dos ternos impecáveis, é um misto de medo, culpa, raiva e desorientação. Jessica Lange, elegante, passa da futilidade ao desespero e convence. E a jovem Juliette Lewis já se mostrava uma atriz experiente. Enfim, Cabo do Medo está ancorado em um elenco competente.
        Martin Scorsese já tinha seu nome escrito no panteão do cinema – Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros são títulos que balizam sua reputação. Mas o cineasta estava interessado em aprimorar sua performance nas bilheterias. Cabo do Medo, um clássico com grande potencial comercial, mostrou-se um projeto oportuno; o diretor o abraçou, consciente de que precisaria imprimir sua marca. E começou por impor uma movimentação peculiar para sua câmera; depois, encontrou planos que não vemos nas produções convencionais de Hollywood.
        A trilha sonora de Elmer Bernstein, trabalhada a partir da música original que Bernard Herrmann criou para o filme de 1962, funciona como um elo de ligação com o Cabo do Medo original; causa certo estranhamento, provoca tensão e nos remete aos filmes de Hitchcock, enquanto intensifica o sentimento de desorientação que toma conta dos personagens. Aliás, Scorsese parece se divertir ao salpicar seu filme com inúmeras referências ao mestre do suspense, realizando um thriller fora das convenções.
        A violência que recai sobre a personagem da filha de Sam é de arrepiar; o diretor abre e encerra o filme com ela narrando a traumática experiência que viveu. Isso traz para o remake uma perspectiva que não aparecia no filme original. Scorsese, porém, manteve a essência do enredo: um advogado, habituado a circular pelos labirintos do sistema, depara-se com a terrível certeza de que o sistema, em si, é uma construção artificial. Não poderá valer-se dele para vencer seu embate; terá que lutar com as próprias mãos, longe da lei, da polícia, do estado...
        Talvez Scorsese se incomodasse com uma abordagem tão... anarquista; por isso incluiu algumas cenas desconcertantes no seu filme, como aquela em que Sam escorrega numa poça de sangue, ou a que mostra um detetive particular inepto cometendo erros primários num filme de suspense. Talvez quisesse caracterizar como patéticos aqueles que se metem a fazer justiça com as próprias mãos.

Resenha crítica do filme Cabo do Medo

Ano de produção: 1991
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: James R. Webb e Wesley Strick
Elenco: Robert De Niro, Nick Nolte, Jessica Lange, Juliette Lewis

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Martin Scorsese:

Comentários

  1. Tenho minhas reservas comparado ao original
    Uma homenagem a película de 62
    Um exercício cinematográfico como confessou o próprio Scorsese usando pontos em abordagem nesse remake que não estavam e ou não foram aprofundados e explorados, mas por isso mesmo não supera nem surpreende, ficou como um show particular de De Niro.
    DE resto no mais um razoável filme.

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  2. Tenho minhas reservas comparado ao original
    Uma homenagem a película de 62
    Um exercício cinematográfico como confessou o próprio Scorsese usando pontos em abordagem nesse remake que não estavam e ou não foram aprofundados e explorados, mas por isso mesmo não supera nem surpreende, ficou como um show particular de De Niro.
    DE resto no mais um razoável filme.

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  3. Quando eu vi no cinema, eu nem sabia que era remake.
    Excelente filme, só não gostei do exagero no final, errou só na dosagem.

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    1. Ah, Jorge, suspeito que esse exagero tenha a ver com o desejo de Scorsese de impor seu estilo.

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