Falcão Negro em Perigo: um docudrama com enorme poder bélico

Cena do filme Falcão Negro em Perigo
Falcão Negro em Perigo: direção de Ridley Scott

UM FILME DE GUERRA INOVADOR

Falcão Negro em Perigo, filme de 2001 dirigido por Ridley Scott, tornou-se uma realização desafiadora e complexa. Nasceu na cabeça do experiente e renomado produtor Jerry Bruckheimer, que decidiu adaptar o best seller escrito em 1999 pelo jornalista americano Mark Bowden, intitulado Falcão Negro em Perigo: Uma História de Guerra Moderna. Depois que o diretor Simon West abandonou o projeto, Bruckheimer jogou a batata quente nas mãos do seu velho amigo, Ridley Scott, o que foi uma sábia decisão. Antes de examinar o cinema resultante, porém, será preciso falar da história; esse é o tipo de filme que está fortemente agarrado à realidade e que exige um esforço narrativo compenetrado e quase documental.
        Falcão Negro em Perigo é sobre uma ação militar empreendida pelos norte-americanos, que fracassou de forma estrondosa. O objetivo do filme, portanto, não é enaltecer os atos de heroísmo ou sustentar narrativas ufanistas; os realizadores só querem entender o que aconteceu no teatro de operações e depois tornar esses fatos compreensíveis para o espectador. Tudo aconteceu no ano de 1993, na Somália, o país do Chifre da África que estarreceu a opinião pública mundial, por ter se tornado palco da fome, da miséria e da injustiça; as cenas de cortar o coração eram televisionadas todas as noites pelos noticiários. Os americanos estavam militarmente presentes na capial, Mogadíscio, para cumprir uma missão humanitária: apoiar a entrega dos alimentos enviados pela ONU, que eram cruelmente apreendidos e sonegados pelo senhor da guerra Mohamed Farrah Aidid – cerca de 300 mil somalis já haviam morrido de fome e os horrores não pareciam estar a ponto de acabar.
        Então, em 3 de outubro de 1993, às 15h30, as forças americanas enviaram 100 soldados e 12 helicópteros UH-60 Black Hawk (os tais falcões negros) para invadir o local onde seguidores de Aidid estavam reunidos. Fizeram 19 prisioneiros, mas foram emboscados pelos somalis. O que era para ser uma operação rápida e objetiva se tornou um pesadelo; virou um combate feroz, quando dois helicópteros caíram e exigiram que as forças dos Estados Unidos, composta pelo 3º Batalhão do 75º Regimento Ranger e membros da Força Delta, empreendessem ações de resgate.
        Cercados por milhares de milicianos somalis, os americanos terminaram acuados e muitos precisaram resistir por mais de 15 horas, até serem resgatados. Para os americanos, o custo da operação desastrada foi de 19 mortos e 73 feridos. Mais de mil somalis perderam a vida, num conflito que durou quatro dias e ficou conhecido como a Batalha de Mogadíscio. Um dos pilotos americanos, Michael Durant, foi capturado e mantido prisioneiro por 11 dias, até ser libertado com sinais de tortura. As imagens dos corpos de outros pilotos, vilipendiados nas mãos de uma multidão enfurecida, estarreceram o mundo e ainda estavam gravadas na minha memória quando comecei a assistir ao filme.
        Falcão Negro em Perigo é um de filme de guerra inovador. Ridley Scott tirou proveito do aparato tecnológico usado na época pelos americanos, para construir uma narrativa ágil e envolvente; usou com sabedoria as imagens feitas a partir de aeronaves de observação, drones e satélites, exibidas nas telas do centro de comando, para construir as cenas expositivas e orientar o espectador. Hoje em dia, o truque parece banal e pode ser visto na maioria dos filmes que abordam a guerra moderna; duas décadas atrás, porém, surpreendeu e trouxe um diferencial para o filme – o visual conseguido pelo diretor não perdeu a atualidade e permanece verossímil.
        O domínio da linguagem audiovisual exibido por Ridley Scott foi vital para a excelência do filme. O diretor produziu uma infinidade de seus famosos storyboards, onde detalhou todos os planos, ângulos e movimentos de câmera que iria filmar. Nos sets de filmagem, construídos no Marrocos, trabalhou o tempo todo com até 11 câmeras geometricamente posicionadas, para capturar a totalidade da ação. E para conseguir o máximo de verossimilhança, contratou 1.500 moradores locais para atuar nas cenas de multidão, que correram para lá e para cá com fuzis AK-47 nas mãos. O resultado é assombroso: temos a sensação de estar vivendo o calor da batalha!
        O roteiro de Falcão Negro em Perigo é creditado a Ken Nolan, mas sofreu interferência de Steve Zaillian e do próprio Mark Bowden, autor do livro. A adaptação resultou clara e eficiente; conseguiu descrever toda a ação constante, que aconteceu de modo simultâneo em diferentes locais, além de explicar as estratégias envolvidas e as consequências de todas as decisões tomadas. É claro que muitos personagens tiveram que ser cortados ou alterados – o livro cita mais de 100 soldados! – e o enredo precisou ser condensado, para se concentrar nas primeiras 15 hora de ação.
        Os fãs do gênero poderão acompanhar cenas de combate intenso, realizadas com critério e excelência técnica; também assistirão ao desfile de jovens astros em ascensão, como Josh Hartnett, Ewan McGregor, Eric Bana, Jason Isaacs, Orlando Bloom, Sam Shepard, Ty Burrell e Tom Hardy, entre tantos outros. Todos empenhados em retratar a insanidade da guerra, com uma intensidade dramática notável. É claro que Ridley Scott soube usar a música para reforçar sua narrativa ágil e envolvente.
        Falcão Negro em Perigo foi lançado na época do Natal de 2001. Em setembro, mais precisamente no dia 11, o atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque mudou por completo o humor do público americano. Uma batalha tão desastrada, que expunha mais um erro dos Estados Unidos, não combinou com a demanda por narrativas ufanistas e patrióticas. Ainda assim o filme conseguiu algum sucesso no Óscar: faturou a estatueta de melhor edição. O cinéfilo que decidir revisitar essa produção ousada e muito bem cuidada encontrará um espetáculo audiovisual de alta qualidade. Recomendo!

Resenha crítica do filme Falcão Negro em Perigo

Título original: Black Hawk Down
Título em Portugal: Cercados
Ano de produção: 2001
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Mark Bowden e Ken Nolan
Elenco: Josh Hartnett, Ewan McGregor, Tom Sizemore, Ewen Bremner, Gabriel Casseus, Hugh Dancy, Ioan Gruffudd, Tom Guiry, Charlie Hofheimer, Danny Hoch, Jason Isaacs, Brendan Sexton III, Brian Van Holt, Ian Virgo, Tom Hardy, Gregory Sporleder, Carmine Giovinazzo, Chris Beetem, Tac Fitzgerald, Matthew Marsden, Orlando Bloom, Enrique Murciano, Michael Roof, Kent Linville, Norman Campbell Rees, Corey Johnson, Sam Shepard, Eric Bana, William Fichtner, Kim Coates, Steven Ford, Željko Ivanek, Johnny Strong, Nikolaj Coster-Waldau, Richard Tyson, Ron Eldard, Glenn Morshower, Jeremy Piven, Boyd Kestner, Pavel Vokoun, Jason Hildebrandt, Keith Jones, George Harris, Razaaq Adoti, Treva Etienne, Ty Burrell, Dan Woods e Giannina Facio

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

O Despertar de uma Paixão: ao final, muitas reflexões

Siga a Crônica de Cinema