Amistad: história real que aconteceu em 1839
Amistad: filme dirigido por Steven Spielberg
EMOCIONA E PROVOCA REFLEXÕES
Nós, brasileiros, sabemos muito bem o que é um navio negreiro. Aprendemos na escola. Alguns dormem na aula e não prestam atenção, mas os que se deixam empanturrar de erudição jamais esquecem o nome: Castro Alves! O poeta dos escravos tinha 22 anos, em 1869, quando escreveu O Navio Negreiro, um poema construído em seis partes, que inseriu na sua obra Os Escravos.
Dizer que o poema é sobre os horrores vividos pelos negros escravizados, torturados e vilipendiados enquanto eram transportados feito animais pelos aterradores mares revoltos é uma simplificação tosca. Os versos de Castro Alves evocam emoções as mais diversas. Ele encontra beleza no oceano, no firmamento e na bravura dos que ousam navegar. Reverencia a bagagem cultural que imagina estar sendo transportada e se aproxima do navio feito um pássaro curioso, apenas para presenciar a cena mais funesta de todas: uma dança macabra executada em nome do próprio satanás. O ritmo é regido pelas chibatadas e as notas musicais ressoam dos ferros em fúria. “Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”. Castro Alves implora ao Criador que ponha fim a tanto sofrimento, enquanto fala de humanidades e desumanidades, até se dar conta de que a bandeira que tremula no mastro do tal navio negreiro é a nossa! É a bandeira do Brasil! Que vergonha, meu Deus!
No filme Amistad, dirigido por Steven Spielberg em 1997, não é nossa a bandeira que tremula no mastro do navio negreiro, mas os horrores que cabem na embarcação são os mesmos. São universais! O longa do diretor americano, entretanto, não segue uma narrativa poética. É construído como um drama de tribunal. Repleto de passagens emocionantes, vem para cutucar temas sempre atuais, como o preconceito racial e a luta pelas liberdades individuais.
O filme é baseado em fatos e nos revela o hediondo drama real vivido em 1839 por um grupo de homens e mulheres, cidadãos da tribo Mende, que habitavam Serra Leoa. Eles chegaram a Cuba no controle do navio espanhol La Amistad, do qual se apoderaram depois de um motim liderado por Joseph Cinqué (Djimon Hounsou). Queriam voltar para a África, por isso pouparam as vidas de dois navegadores, mas foram enganados por eles. Deram na costa leste dos Estados Unidos, onde foram detidos pela marinha americana.
Levados a julgamento, os africanos precisaram provar que eram homens livres – e não meras mercadorias. Numa época em que a escravidão ainda era o modelo econômico dominante, esse foi um desafio e tanto. Foram acusados de pirataria e assassinato. Foram tratados como meros objetos de um litígio de propriedade. De um lado, a Coroa Espanhola reclamou a posse de todos, baseada em tratados comerciais. Do outro lado, estavam os navegadores feitos prisioneiros dos africanos, que tinham o recibo de compra. Além deles, os próprios oficiais da marinha americana, que os salvaram, aproveitaram para se apresentar como litigantes.
Acontece que Roger Sherman Baldwin (Matthew McConaughey), o advogado contratado pelos abolicionistas Lewis Tappan (Stellan Skarsgård) e Theodore Joadson (Morgan Freeman), assume a representação dos africanos e fará de tudo para defendê-los. Provará aos juízes que estão prestes a decidir o destino de cidadãos livres, mas submetidos aos atos mais cruéis e desumanos. Merecem reparação!
O ponto de partida para a realização de Amistad foi a indignação da atriz, diretora, roteirista e produtora Debbie Allen, que mais de dez anos antes havia se deparado com um ensaio sobre o caso e descobriu que ninguém o conhecia. Para ela, essa história real tinha todos os ingredientes para virar um grande filme. Por anos tentou emplacar o projeto junto aos estúdios, mas sem sucesso. Depois de assistir ao filme A Lista de Schindler, Allen decidiu que deveria persuadir Spielberg a realiza-lo. Bingo! Ela conseguiu uma reunião com o cineasta e conseguiu impressioná-lo.
O roteiro de Amistad ficou a cargo de David Franzoni – mais tarde ele escreveria o roteiro de Gladiador. Ele contou com a ajuda não creditada de Steven Zaillian. A inspiração foi o romance Black Mutiny: The Revolt on the Schooner Amistad, escrito por William A. Owens. A dramatização construída no script forneceu matéria-prima para o competente elenco, que contou com a participação de Anthony Hopkins no papel do presidente John Quincy Adams.
As licenças poéticas, porém, fizeram brotar críticas quanto às imprecisões históricas, especialmente relacionadas ao labirinto jurídico que o caso precisou percorrer. Mais tarde o roteiro de David Franzoni passou por uma transposição literária e foi convertido em um romance, assinado por Alex Pate, que recebeu o título de... Amistad!
Outro ponto vital para a realização de Amistad foi uma descoberta de Steven Spielberg: o ator Djimon Hounsou! Com sua estampa majestosa e carismática, ele conseguiu expressar toda a altivez, a fúria e a amplitude heroica de Joseph Cinqué. Ele encarnou à perfeição o líder que, mesmo em um país desconhecido e sem falar uma única palavra no idioma inglês, conseguiu levar sua gente até o fim de uma árdua batalha judicial.
O resultado final é que Amistad se tornou mais do que um filme de tribunal. Por meio dele, Steven Spielberg mostrou genuína veia dramática e nos entregou uma verdadeira ode em favor das liberdades individuais.
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: David Franzoni
Elenco: Djimon Hounsou, Matthew McConaughey, Anthony Hopkins, Morgan Freeman, Nigel Hawthorne, David Paymer, Pete Postlethwaite, Stellan Skarsgård, Razaaq Adoti, Abu Bakaar Fofanah, Anna Paquin, Tomas Milian, Chiwetel Ejiofor e Derrick Ashong
Dizer que o poema é sobre os horrores vividos pelos negros escravizados, torturados e vilipendiados enquanto eram transportados feito animais pelos aterradores mares revoltos é uma simplificação tosca. Os versos de Castro Alves evocam emoções as mais diversas. Ele encontra beleza no oceano, no firmamento e na bravura dos que ousam navegar. Reverencia a bagagem cultural que imagina estar sendo transportada e se aproxima do navio feito um pássaro curioso, apenas para presenciar a cena mais funesta de todas: uma dança macabra executada em nome do próprio satanás. O ritmo é regido pelas chibatadas e as notas musicais ressoam dos ferros em fúria. “Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”. Castro Alves implora ao Criador que ponha fim a tanto sofrimento, enquanto fala de humanidades e desumanidades, até se dar conta de que a bandeira que tremula no mastro do tal navio negreiro é a nossa! É a bandeira do Brasil! Que vergonha, meu Deus!
No filme Amistad, dirigido por Steven Spielberg em 1997, não é nossa a bandeira que tremula no mastro do navio negreiro, mas os horrores que cabem na embarcação são os mesmos. São universais! O longa do diretor americano, entretanto, não segue uma narrativa poética. É construído como um drama de tribunal. Repleto de passagens emocionantes, vem para cutucar temas sempre atuais, como o preconceito racial e a luta pelas liberdades individuais.
O filme é baseado em fatos e nos revela o hediondo drama real vivido em 1839 por um grupo de homens e mulheres, cidadãos da tribo Mende, que habitavam Serra Leoa. Eles chegaram a Cuba no controle do navio espanhol La Amistad, do qual se apoderaram depois de um motim liderado por Joseph Cinqué (Djimon Hounsou). Queriam voltar para a África, por isso pouparam as vidas de dois navegadores, mas foram enganados por eles. Deram na costa leste dos Estados Unidos, onde foram detidos pela marinha americana.
Levados a julgamento, os africanos precisaram provar que eram homens livres – e não meras mercadorias. Numa época em que a escravidão ainda era o modelo econômico dominante, esse foi um desafio e tanto. Foram acusados de pirataria e assassinato. Foram tratados como meros objetos de um litígio de propriedade. De um lado, a Coroa Espanhola reclamou a posse de todos, baseada em tratados comerciais. Do outro lado, estavam os navegadores feitos prisioneiros dos africanos, que tinham o recibo de compra. Além deles, os próprios oficiais da marinha americana, que os salvaram, aproveitaram para se apresentar como litigantes.
Acontece que Roger Sherman Baldwin (Matthew McConaughey), o advogado contratado pelos abolicionistas Lewis Tappan (Stellan Skarsgård) e Theodore Joadson (Morgan Freeman), assume a representação dos africanos e fará de tudo para defendê-los. Provará aos juízes que estão prestes a decidir o destino de cidadãos livres, mas submetidos aos atos mais cruéis e desumanos. Merecem reparação!
O ponto de partida para a realização de Amistad foi a indignação da atriz, diretora, roteirista e produtora Debbie Allen, que mais de dez anos antes havia se deparado com um ensaio sobre o caso e descobriu que ninguém o conhecia. Para ela, essa história real tinha todos os ingredientes para virar um grande filme. Por anos tentou emplacar o projeto junto aos estúdios, mas sem sucesso. Depois de assistir ao filme A Lista de Schindler, Allen decidiu que deveria persuadir Spielberg a realiza-lo. Bingo! Ela conseguiu uma reunião com o cineasta e conseguiu impressioná-lo.
O roteiro de Amistad ficou a cargo de David Franzoni – mais tarde ele escreveria o roteiro de Gladiador. Ele contou com a ajuda não creditada de Steven Zaillian. A inspiração foi o romance Black Mutiny: The Revolt on the Schooner Amistad, escrito por William A. Owens. A dramatização construída no script forneceu matéria-prima para o competente elenco, que contou com a participação de Anthony Hopkins no papel do presidente John Quincy Adams.
As licenças poéticas, porém, fizeram brotar críticas quanto às imprecisões históricas, especialmente relacionadas ao labirinto jurídico que o caso precisou percorrer. Mais tarde o roteiro de David Franzoni passou por uma transposição literária e foi convertido em um romance, assinado por Alex Pate, que recebeu o título de... Amistad!
Outro ponto vital para a realização de Amistad foi uma descoberta de Steven Spielberg: o ator Djimon Hounsou! Com sua estampa majestosa e carismática, ele conseguiu expressar toda a altivez, a fúria e a amplitude heroica de Joseph Cinqué. Ele encarnou à perfeição o líder que, mesmo em um país desconhecido e sem falar uma única palavra no idioma inglês, conseguiu levar sua gente até o fim de uma árdua batalha judicial.
O resultado final é que Amistad se tornou mais do que um filme de tribunal. Por meio dele, Steven Spielberg mostrou genuína veia dramática e nos entregou uma verdadeira ode em favor das liberdades individuais.
Resenha crítica do filme Amistad
Data de produção: 1997Direção: Steven Spielberg
Roteiro: David Franzoni
Elenco: Djimon Hounsou, Matthew McConaughey, Anthony Hopkins, Morgan Freeman, Nigel Hawthorne, David Paymer, Pete Postlethwaite, Stellan Skarsgård, Razaaq Adoti, Abu Bakaar Fofanah, Anna Paquin, Tomas Milian, Chiwetel Ejiofor e Derrick Ashong
Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Steven Spielberg:
- A Cor Púrpura
- Guerra dos Mundos
- Cavalo de Guerra
- O Terminal
- Minority Report
- A Ponte dos Espiões
- A Lista de Schindler
- The Post – A Guerra Secreta
- O Resgate do Soldado Ryan
- Império do Sol
- Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida
- Contatos Imediatos do Terceiro Grau
- Tubarão
- A.I. Inteligência Artificial
- Jurasic Park
- Jogador No 1
Maravilhosa resenha pra um espetácular filme! Fabio, tal como Spielberg, nunca decepcionam!
ResponderExcluirAh, muito obrigado! Fico feliz que tenha gostado. Abraços!
ExcluirSensacional
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