Minority Report - A Nova Lei: a policia do futuro poderá prever os crimes e evitá-los

Cena do filme Minority Report - A Nova Lei
Minority Report - A Nova Lei: filme dirigido por Steven Spielberg

HISTÓRIA FASCINANTE, PERSONAGENS BEM CONTRUÍDOS

O escritor americano Philip K. Dick foi um craque da ficção científica; escreveu mais de uma centena de contos e dezenas de romances, entre eles Blade Runner, O Vingador do Futuro, Assassinos Cibernéticos, O Vidente e Os Agentes do Destino. Ainda que especulem sobre o desenvolvimento tecnológico, suas histórias sempre abordam questões filosóficas e às vezes resvalam no universo da fantasia e do inexplicável; não se contentam apenas com o cientificismo.
        Veja, por exemplo, a surpreendente trama que ele desenrolou em Minority Report, seu romance publicado em 1956; está ancorado num conceito arquetípico e consolidado desde os primórdios da literatura: o de que é possível prever o futuro, com a intervenção de sacerdotisas, profetas e guias espirituais. Os oráculos gregos, por exemplo, eram populares, frequentados pelos interessados em descobrir seu destino e obter aconselhamentos nas tomadas de decisão. Philip K. Dick imaginou todo um aparato tecnológico que seria capaz de registrar formalmente as previsões das sacerdotisas; depois, colocou as tais videntes a serviço do departamento de polícia. Pronto! Encontrou um modo de prever a ocorrência de assassinatos, para prender os criminosos antes mesmo que eles consigam perpetrá-los.
        Que ideia fascista! Condenar alguém por algo que ele não fez, apenas com o testemunho de um vidente! Em plena Guerra Fria, Philip K. Dick estava coberto de razões para se preocupar; os regimes totalitários esmagavam os direitos individuais e pregavam que os métodos científicos bastariam para intermediar a busca pela verdade. O autor imaginou um futuro onde o sistema de justiça, amparado pelo cientificismo, alijaria o cidadão do seu livre-arbítrio – um peso a menos nessa vida tão sofrida, diriam os cínicos! Percebeu também que uma ideia tão esmagadora só poderia dar errado; por isso seu protagonista é o chefe de polícia, que experimenta seu próprio remédio amargo: acaba perseguido por um crime que ainda vai cometer.
        O livro de Philip K. Dick é intrincado e pouco cinematográfico; não traz personagens construídos com nitidez e seu enredo tem muitas passagens explicativas. Adaptá-lo para as telas exigiu criatividade e domínio da linguagem cinematográfica, tarefa que coube a Steven Spielberg. Em 2002 ele dirigiu Minority Report − A Nova Lei, um filme que, ao lançar mão de um visual arrojado, moldou nossa visão do futuro e trouxe relances de como poderá ser o nosso dia-a-dia. Mas antes de entrar nos detalhes, vejamos a sinopse:
        Em 2054, o programa pré-crime implantado pela polícia de Washington é um sucesso, testado por seis anos com resultados incríveis: nenhum assassinado cometido nesse período. Vai ser estendido para todo o país, mas antes, terá que ser auditado. John Anderton (Tom Cruise), o chefe do pré-crime, recebe o agente do Departamento de Justiça, Danny Witwer (Colin Farrell), para mostrar como o sistema funciona à perfeição, mas é pego de surpresa: o trio de videntes revela que o próprio Anderton matará alguém. Ele se torna um homem em fuga e tenta provar que não tem a intenção de cometer qualquer crime. Contará coma a ajuda do seu superior, Lamar Burguess (Max von Sydow) e de uma das videntes, Agatha (Samantha Morton). Sua única esperança e pôr as mãos no tal minority report.
        No Brasil, o título do filme pode ter soado confuso, por isso quero explicá-lo. A expressão “minority report” – relatório da minoria, numa tradução livre – vem do jargão administrativo e se refere a um relatório alternativo, apresentado por membros de algum comitê, quando discordam daquele apresentado pela maioria. Querem deixar claro suas dissidências, para salvaguardar posições e isentar-se de eventuais culpas. O mesmo conceito é utilizado no filme, já que o sistema de pré-crime empregado pela polícia utiliza três videntes. Se um deles viesse a prever algo diferente dos outros dois, sua visão seria desconsiderada, mas arquivada como Minority Report.
        Vários roteiristas tentaram adaptar Minority Report para o cinema, mas o primeiro tratamento coube de fato a Jon Cohen; ele criou a estrutura narrativa do filme e encontrou as soluções para as traquitanas científicas que o conto original apenas insinuava. Mais tarde, quando Steven Spielberg ingressou no projeto, o roteirista Scott Frank assumiu a escrita final. Experiente – traz no currículo os roteiros de O Voo da Fênix, O Gambito da Rainha, Logan e Marley e Eu –, ele e compôs personagens com mais detalhes e costurou a trama com foco neles. Ao invés de tentar apenas explicar os conceitos que Philip K. Dick concebeu no romance, o roteirista desenhou um protagonista imperfeito; assolado pela perda trágica de um filho pequeno e pelo consequente fim do casamento, o chefe do pré-crime virou um viciado em drogas, que ainda por cima tem que arcar com o peso de comandar uma instituição fascista.
        Depois de dezenas de rascunhos sob a supervisão de Spielberg, Minority Report − A Nova Lei, virou um thriller empolgante, repleto de ação e suspense. Seus personagens verdadeiros confrontam sérios dilemas morais e lidam com um imperativo tecnológico opressor, que apenas privilegia o controle e limita suas liberdades. Tom Cruise entrega uma atuação segura, com sua tarimba de ator de incontáveis filmes de ação. A música assinada pelo indefectível John Williams e a fotografia dirigida por Janusz Kamiński, garantem o padrão de qualidade que nos acostumamos a ver nas produções de Spielberg. Além disso, o diretor de arte Alex McDowell criou um visual bastante crível, que continuará funcionando bem pelos próximos 20 anos. Quem sabe, até mais! Quem poderá prever?

Resenha crítica do filme Minority Report - A Nova Lei

Data de produção: 2002
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Scott Frank e Jon Cohen
Elenco: Tom Cruise, Max von Sydow, Colin Farrell, Samantha Morton, Neal McDonough, Patrick Kilpatrick, Michael Dickman, Matthew Dickman, Lois Smith, Kathryn Morris, Mike Binder, Steve Harris, Jessica Harper, Tim Blake Nelson, Daniel London e Peter Stormare

Comentários

  1. Só uma curiosidade: o título trata-se de um jargão da era dos computadores nos anos 1950, quando o conto original foi escrito. O relatório minoritário era o resultado descartado quando três computadores (da época) realizavam cálculos complexos. Devido às falhas da tecnologia da época, os três resultados eram comparados como medida de segurança e se dois computadores apresentassem o mesmo resultado, este era considerado confiável e o terceiro resultado era o relatório minoritário. A ideia é explorada brilhantemente durante o filme com uma solução de roteiro magnífica.

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    1. Ótima observação! De fato, o título do filme desperta curiosidade e seu comentário esclarece bem. Obrigado.

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